A temática do suicídio, na Coreia do Sul, está sempre presente, na medida em que o país apresenta a maior taxa de suicídio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com cerca de 13 mil pessoas a cometer este ato em 2021. Em contraste com a tendência global de queda, a taxa de suicídio da Coreia do Sul quase dobrou nas últimas duas décadas. Com 26 mortes por 100 mil habitantes, o suicídio foi a quinta principal causa de morte em 2021, superando em muito as mortes por acidentes de viação. Embora os homens idosos sejam aqueles que mais põem termo à vida, o aumento de suicídios entre adolescentes e jovens é outro ponto preocupante. Desde 2011, o suicídio é a principal causa de morte de pessoas com idades compreendidas entre os 10 e os 24 anos, como evidencia a base de dados Statista.
Mas há quem ainda vá mais longe e alargue esta conclusão até aos jovens de 29 anos, como é possível ler, por exemplo, numa reportagem do Korea Herald, de junho de 2022, intitulada de ‘South Korea’s young suicides rise despite overall drop’, através da qual é ilustrada uma realidade árdua: os suicídios entre jovens, especialmente de mulheres, aumentaram durante o primeiro ano da crise da covid-19, apesar de uma queda geral na Coreia do Sul. O número de suicídios caiu em 604 para 13.195 em 2020 em comparação com o ano anterior, de acordo com o relatório do Ministério da Saúde e Bem-Estar, sendo que a taxa de suicídio por 100 mil pessoas, naquele ano, foi de 25,7, muito abaixo dos 31,7 observados em 2011 – a mais alta desde o início das estatísticas. Outras taxas registadas foram de 26,9 em 2019, 26,6 em 2018 e 24,3 em 2017.
Mas, ao contrário da tendência de queda, os suicídios aumentaram entre mulheres e jovens com menos de 30 anos. Por outro lado, os suicídios caíram nos homens em 6,5 por cento naquele ano, para 35,5 por 100 mil habitantes. Para as mulheres, os suicídios aumentaram pelo terceiro ano consecutivo em 2020 para 15,9 de 15,8 em 2019, 14,8 em 2018 e 13,8 em 2017. As mulheres também representaram 60,7 por cento das 34.905 pessoas levadas a salas de emergência com automutilação deliberada ou tentativas de suicídio em 2020, cerca de 1,54 vezes mais do que os homens, mostraram os dados do National Emergency Medical Center.
Como explicou a jornalista Kim Arin, as mulheres na faixa dos 20 anos, em particular, tiveram a maior taxa de atendimentos de emergência após tentativas de suicídio não fatais e suicídios em 32,4%, seguidas pelos seus pares do sexo masculino em 22,9%. Enquanto as mulheres fizeram mais tentativas de suicídio do que os homens, mais homens perderam a vida por suicídio. Em 2020, os homens morreram por suicídio ou automutilação mais do que o dobro das mulheres, sendo que, como vimos, a taxa de suicídio voltou a aumentar em 2021. É por isso que a morte do cantor sul-coreano Moonbin, membro do grupo k-pop (korean popular music ou, em português, música popular da Coreia) Astro, há quase um mês, foi e não foi surpreendente simultaneamente. Embora a causa exata da morte ainda esteja a ser investigada, a polícia disse que Moonbin – de apenas 25 anos – “parece ter tirado a própria vida”. Até esta segunda-feira, era a última de uma série de mortes repentinas de jovens celebridades que atingiram a indústria de entretenimento sul-coreana, mas Haesoo – de 29 – foi igualmente encontrada sem vida e parece ter posto fim à mesma e deixado uma carta de despedida.
“De um modo geral, podemos afirmar que as estrelas de k-pop – ou idols, como são apelidados e conhecidos no seu meio – estão sujeitos a pressões psicológicas consideráveis advindas das próprias especificidades socioculturais em que estão inseridos e do conjunto de expetativas e estereótipos pré-existentes relativamente àquilo que um ídolo deve e pode ser. Desde a empresa a que pertencem, passando pelos fãs e alastrando-se à sociedade coreana em geral, estas instâncias perpetuam e reforçam, – embora de formas distintas e em níveis diferenciados – o leque de crenças relativo aos comportamentos, padrões de beleza, e expectativas de performance, que são desejáveis e aceitáveis nos indivíduos que seguem esta trajetória profissional”, começa por explicitar a psicóloga Andreína Nunes. “Ora, este conjunto de crenças profundamente enraizado na indústria de música pop sul-coreana acaba por ser a causa explicativa para a pressão que estes artistas experienciam ao longo das suas carreiras. Esta pressão prende-se nomeadamente com padrões de beleza extremamente rígidos e homogéneos: existe um conjunto de características muito específicas que são enaltecidas – pele muito branca, cara em formato V, double eyelid, olhos grandes, e magreza considerável (mulheres não devem pesar mais do que 50kg para serem consideradas ‘magras’) -, sendo que todos aqueles que não as possuem, ou divergem significativamente delas são considerados indivíduos ‘feios’ ou ‘gordos’, levando-os, muitas vezes, a serem marginalizados e a serem alvo de críticas constantes por parte dos media, ou por internautas”, afirma a profissional mestre em Psicologia Clínica e da Saúde pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
E continua: “A exigência de níveis de excelência no que concerne à performance: os coreanos procuram a perfeição nas suas exibições musicais, coreografias muitas vezes complexas e exigentes do ponto de vista técnico e sincronização exímia e irrepreensível nas mesmas”, o “sistema de treino intensivo: antes de debutarem, os idols são sujeitos a um sistema de treino bastante intensivo onde treinam a maior parte dos dias da semana, sob uma carga horária muito elevada. É do conhecimento público que é um período extremamente exigente e exaustivo”, sublinha.
Evidencia também as restrições a nível dos relacionamentos amorosos, frisando que “grande parte das empresas de entretenimento proíbe os seus artistas de se relacionarem romanticamente, principalmente nos primeiros anos de carreira”, sendo que “relacionamentos são muito mal recebidos pelos fãs que muitas vezes chegam, até, a abandonar o fandom ao ter conhecimento dos mesmos”. “Julgo que esta realidade é particularmente proeminente nos idols masculinos”, aponta.
De seguida, restrições ao nível do comportamento: “espera-se que os idols sejam o ‘pacote completo’, além de dançarem e cantarem extremamente bem, espera-se que sejam divertidos, educados e tenham uma personalidade ‘gostável’. Ora, nesse sentido, os idols são muitas vezes implicitamente restringidos naquilo que efetivamente expressam quanto ao que pensam e sentem ou nos comportamentos que têm, em prol de corresponderem a este ideal, e para evitar, a todo custo, que algo que façam ou digam seja mais mal visto pela audiência”, declara, notando que “importa referir que cada caso é um caso e, como tal, os motivos que levam um idol ao suicídio serão sempre específicos à sua realidade de vida singular”.
“Podemos, no entanto, equacionar o impacto que a conjuntura da indústria de k-pop, entrelaçada com a conjuntura sociocultural do país, exercem efetivamente na proliferação da realidade do suicídio. Infelizmente a Coreia do Sul é um país onde a Saúde Mental é ainda pouco reconhecida, imperando tabus ao seu entorno e um baixo nível de consciencialização face à doença mental, aliado à falta de reconhecimento do papel dos profissionais da área”, diz, constatando que “naturalmente, isto tem uma influência indiscutível na forma como os indivíduos coreanos olham para e lidam com a sua realidade emocional e psicológica”.
“Se a vulnerabilidade psicológica é encarada a nível societal como um sinal de fraqueza, é mais do que natural que não sejam acionados os meios de intervenção necessários atempadamente para evitar este tipo de desfechos trágicos”. “A minha proximidade com a cultura há aproximadamente uma década e com pessoas que moram no país levam-me a acreditar que a estratégia adotada pelos médicos no que concerne à Saúde Mental é meramente medicamentosa, não se procurando perceber, junto de um psicólogo, quais as causas para determinado estado psicológico e, consequentemente, procurar a sua resolução através de psicoterapia”, afirma a psicóloga que trabalha a título individual no seu próprio consultório online.
“Mais do que um problema do sistema de saúde, julgo que se tratará de um problema ao nível da mentalidade societal face à saúde mental que precisa, urgentemente, de ser trabalhada no sentido de ver-se reconhecida a sua importância e respetivos meios de intervenção, acompanhando, deste modo, o corpo de evidência científica existente na área”.
Quem concorda com Andreína Nunes é Carolina Grilo, mestre em Estudos Asiáticos pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa. "A Coreia do Sul é um país que se viu devastado após a Guerra das Coreias, guerra que seguiu um longo período de colonialismo por parte do vizinho Japão. Nos anos 50 era uma das nações mais pobres do mundo, mas atualmente é uma das nações mais desenvolvidas. Esta reviravolta foi possível após uma intensa fase de desenvolvimento com foco na indústria de exportação (nomeadamente tecnológica, mas não só). Mulheres e homens foram chamados para as fábricas para servir a sua nação, chamamento a que responderam dada a sua motivação para trabalhar e, assim, ajudarem as suas famílias a sair da miséria, mas também graças a um espírito de coletivismo com raízes muito profundas na sociedade coreana, compatível com ensinamentos Confucionistas", explica, avançando que "uma crescente adesão ao ensino motivada pela necessidade do governo de desenvolver os seus recursos humanos, permitiu transitar de uma sociedade focada na exportação de materiais, para uma sociedade com profissionais altamente educados e especializados em diversas áreas, melhorando as próprias indústrias e fomentando outras novas".
"Com a crescente adesão aos diferentes níveis de ensino (a Coreia é provavelmente o país com mais pessoas com diplomas universitários), começou a surgir competição no ambiente académico, realçando a necessidade dos alunos e profissionais se destacarem nos seus respectivos ambientes. Explica-se, assim, o surgimento de academias e sistemas de tutoria que levam alunos a estudar durante maior parte do seu dia, começando de manhã cedo e acabando perto da meia-noite", adianta, acrescentando que "o que académicos chamam de 'cosmopolitan striving' tem levado a que os coreanos se foquem muito em suceder em todos os aspetos e tentarem ser sempre os melhores, o que, aliado ao sentimento coletivo de continuar a elevar o seu país após o trauma coletivo do século anterior, leva a estes incidentes, os suicídios. Torna-se exasperante para muitos a constante corrida e competição, ao ponto de o suicídio parecer a única saída. A verdade é que a pressão social também não ajuda. Quem não se esforça ou se distancia do padrão social vê-se ostracizado. Algo que começa bem cedo nas escolas coreanas, onde os casos de bullying abundam".
"Muitos alunos são vítimas de bullying, este, ironicamente, uma forma de escape do stress sentido por alunos bullies exaustos da pressão dos pais e sociedade para sucederem academicamente. Enquanto vários instantes de bullying resultam desta pressão, outros são o reflexo da educação que lhes é dada, onde se exaltam as diferenças entre estratos sociais e se ensina que uns encontram-se 'naturalmente' abaixo de outros. Outros motivos além destes existirão", sublinha Carolina Grilo, lembrando que "o seu vizinho Japão já teve em tempos uma taxa de suicídio mais elevada, por razões semelhantes, mas países europeus como a Lituânia superaram por vários anos a taxa sul-coreana. A da Coreia, evidentemente, não foi sempre assim, e tem oscilado, mas atualmente é bastante elevada, precisamente pelos fatores acima referidos".
No caso do Japão, segundo o Statista, apesar da notável diminuição do número de suicídios na última década, o país ainda tem uma das maiores taxas de suicídio entre os países de alto rendimento da OCDE. Historicamente, as taxas de suicídio acima da média no Japão estão intimamente ligadas à situação económica do país. Embora os problemas de saúde sejam a principal razão para cometer suicídio entre os japoneses, as preocupações existenciais e os problemas no trabalho são os principais fatores que também podem desencadear o comportamento de automutilação. Por exemplo, o número de suicídios atingiu o pico em 2009, quando o país experimentou a sua pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial. Mais recentemente, a pandemia do novo coronavírus e o seu impacto na economia japonesa coincidiram com um novo aumento nas taxas de suicídio, inicialmente impulsionado pelo aumento do número de suicídios entre mulheres.
"Conforme a sociedade foi ficando mais desenvolvida e exigindo mais sacrifícios pessoais, como tempo para a família (ou até para constituir uma) e tempo pessoal na face de rendas mais elevadas que não são acompanhadas de melhores salários, e um excesso de população altamente especializada que se depara com poucas oportunidades de trabalho nas suas áreas, também a taxa subiu. Taxa que acompanha uma crescente frustração por parte da sociedade, particularmente as faixas sociais mais jovens, que começam finalmente a mostrar querer mudanças". "Tem-se verificado uma tendência positiva no reconhecimento de doenças mentais, mas o caminho ainda é árduo. Não só é difícil falar destes problemas, como é difícil arranjar bons terapeutas. No entanto, a morte de várias celebridades por suicídio tem levado a que o assunto seja mais falado. Artistas como BTS têm também, através das suas letras musicais e influência ajudado neste processo. Atualmente são várias as séries televisivas que apontam mais abertamente problemas sociais como o bullying, suicídio, obsessão académica, discrepância de classes sociais e, inclusive, doenças mentais", continua.
“Cada um deles estava a lutar contra um demónio diferente” “Os fãs ficam extremamente abalados com o sucedido e sofrem profundamente com a morte do seu ídolo. A causa da morte dificulta ainda mais o processo de luto pois muitos, mesmo que injustificadamente, carregam um peso de responsabilidade, como se pudessem ter feito alguma coisa para evitar aquele fim mas não fizeram”, salienta Andreína Nunes, ressalvando que “apesar da indústria do k-pop e a própria mentalidade a nível societal nalgumas temáticas apresentar aspetos que podem potenciar problemáticas do foro mental nos indivíduos, é de realçar o talento, o empenho e dedicação notáveis destes artistas, que procuram arduamente, contra todas as dificuldades, perseguir o seu sonho, e, nesse percurso, marcar gerações através da sua arte”.
“Enquanto público e potenciais fãs, cabe-nos acompanhar com sentido crítico, tentando aumentar o nível de consciência face às problemáticas subjacentes, evitando a romantização e idealização nociva da realidade destes idols, principalmente, pelas camadas mais jovens mais suscetíveis”, avisa, indo ao encontro da perspetiva de Carolina Grilo. "É possível observar um luto coletivo de fãs dos ídolos em questão mas também da comunidade inteira de K-pop fandoms. Muitos fãs partilham mensagens de apoio às famílias dos ídolos, mas também aos fãs e incentivam aqueles com problemas a contactar linhas de apoio. Evidentemente, o impacto varia de fã para fã, mas há vários fãs que sofrem profundamente ao verem que os seus ídolos, nos quais procuravam uma fonte de apoio e entretenimento nas suas vidas difíceis, sofriam também por detrás de sorrisos que escondiam muito, levando a que tudo pareça fútil", observa.
"Há ainda um impacto diferente. O facto de se darem mais casos de suicídio de ídolos de K-pop leva a que haja uma promoção do diálogo entre fãs e a indústria, inclusive uma exigência de que as agências respeitem e promovam a saúde física e mental dos seus ídolos. Tem levado, também, a que fãs não olhem tão cegamente para o K-pop, mas que o vejam como um produto que sim, proporciona entretenimento, mas que tem também as suas falhas e que pode e deve ser melhorado, começando pelo respeito pelos direitos humanos". Neste sentido, CedarBough Saeji, Professora Assistente de Coreano e Estudos do Leste Asiático na Universidade Nacional de Pusan, na Coreia do Sul, que também falou com o i, que aborda a influência que os media exercem na vida das estrelas de K-pop.
“Os media estrangeiros costumam ver as estrelas do K-pop através das lentes da diferença, em vez de ver as suas semelhanças com as principais estrelas de outros países, em vários momentos da História. Por exemplo, o sistema usado por Berry Gordy para criar sucessos da Motown na década de 1960 tem muitos paralelismos com o sistema de ídolos, e sempre houve executivos de gravadoras que olharam para um grupo naturalmente popular como os Nirvana e então tentaram criar artificialmente um grupo que atrairá as mesmas pessoas, como os Pearl Jam. Mas os media preferem ver o que acontece no K-pop como algo bem diferente e, por meio da construção da diferença, contribuir para a objetificação”, diz, explicando que “tivemos muitas estrelas ocidentais que ficaram tão sobrecarregadas com a fama que fizeram coisas que se tornaram o assunto dos tabloides – e os tabloides também não eram muito sensíveis às estrelas ocidentais”.
“Britney Spears, por exemplo. Em vez de ver uma jovem com dor que precisava de espaço longe dos olhos do público, o olhar intensificou-se. Histórias que enfatizam como ídolos perfeitos podem servir um propósito na Coreia do Sul e esse propósito é disciplinar o público em geral – as histórias sobre ídolos perfeitos dizem que se ficarmos ricos, a coisa certa a fazer é comprar uma casa aos nossos pais. Ou doar dinheiro a pessoas necessitadas. Ser perfeito significa manter a aparência e nunca esquecer o uso de um discurso educado quando for socialmente apropriado – inconscientemente, os coreanos consomem histórias sobre ídolos sendo perfeitos (ou não perfeitos) dentro do contexto social, mas quando histórias como essa circulam fora da Coreia, torna-se menos sobre a sociedade e mais sobre o ídolo individual, o que cria ainda mais pressão sobre os ídolos”, continua a professora universitária que, nas redes sociais, é conhecida por ‘Professora K-pop’.
E adianta que “há uma falta de compreensão da sociedade coreana que faz com que, mesmo quando os media estrangeiros falam sobre algo relacionado com a mesma, eles possam ser enganados por discursos muito superficiais, desatualizados ou irrelevantes, mas, infelizmente, fãs estrangeiros que não conhecem nada melhor apegam-se a explicações que parecem razoáveis e, então, essas explicações circulam ad nauseam, mesmo que não fornecem realmente uma lente interpretativa legítima”. “A maior parte da cobertura dos media sobre a morte de estrelas do K-pop de fora da Coreia é absolutamente ultrajante porque se um ator de Hollywood ou uma grande celebridade no Ocidente comete suicídio ou morre, os media são todos sobre o seu legado e impacto – há muita sensibilidade porque o autor e editor estão cientes de que existem pessoas com uma conexão emocional próxima com aquela estrela. Há entrevistas em que outras pessoas contam o quão influente essa celebridade foi na sua própria carreira. Coisas aleatórias que eles fizeram podem tornar-se parte de uma história. As pessoas avaliam a sua produção ao longo da vida”, observa, notando que, por outro lado, quando um K-pop ou outra celebridade coreana morre, os media internacionais geralmente falam sobre o país.
“Dizem que é culpa da indústria ou da sociedade e gastam uma boa parte do artigo a discutir as suas perceções das mesmas. O que pode ser bom num artigo separado, mas um artigo após a morte de uma celebridade, como Moonbin ou Sulli, deve concentrar-se na sua produção e impacto e, talvez, uma semana ou mês depois, um artigo separado possa abordar o contexto mais amplo. Acho que isso geralmente ocorre porque, embora um jornalista possa ser designado para a história porque conhece o entretenimento coreano, o editor pode insistir que há uma ‘história maior’ para tornar a morte ‘relevante’ para a demografia do editor”, indica. “Mas isso torna a morte de uma estrela do K-pop numa oportunidade de ferir as pessoas que já estão a recuperar dessa morte. A correlação nem sempre é igual à causalidade, e não acho que seja justo ou correto agrupar todos os cantores coreanos mortos como se tivessem sido mortos por um serial killer. Cada um deles estava a lutar contra um demónio diferente e cada um tomou essa decisão individualmente”.
Esta problemática é relatada no artigo ‘I have reported on 30 Korean celebrity suicides. The blame game never changes’, publicado no Guardian em janeiro de 2020 pela jornalista Kim Dae-o, onde se lê: “Não consigo explicar por que tantos artistas sul-coreanos tiraram as suas próprias vidas. Não podemos fingir que conhecemos cada motivação, sejam problemas financeiros, relacionamentos, problemas familiares, popularidade em declínio, abuso online ou qualquer outro fator. Tentar explicar cada morte apenas encorajaria os trolls (…) Certa vez, uma celebridade conhecida ofereceu-se para me dar a sua ‘última entrevista’. Ela disse-me que tentou matar-se várias vezes. Acabámos a conversar por três dias (…) Ela não foi a primeira celebridade a pedir-me para fazer isso”.
Em resposta aos suicídios que se têm vindo a registar, o governo sul-coreano está a expandir as proteções trabalhistas para evitar a exploração de estrelas do K-pop menores de idade. No passado dia 20 de abril, o Ministério da Cultura, Desporto e Turismo da Coreia do Sul aprovou uma emenda à Lei de Desenvolvimento da Indústria Popular da Cultura e das Artes. Uma das questões que a nova emenda aborda é a falta de transparência nos contratos de jovens artistas, que historicamente levou as estrelas a ficarem presas a acordos vinculativos.
De acordo com os órgãos de informação sul-coreanos, as novas regras exigem mais especificidade no que diz respeito à vertente das finanças, como compensação ou despesas. Além disso, as agências agora serão obrigadas a divulgar anualmente demonstrações financeiras aos artistas, enquanto anteriormente, esses tipos de declarações eram normalmente fornecidas apenas aos artistas mediante solicitação.
Além de aumentar a transparência contratual, a emenda reduz a jornada de trabalho. Anteriormente, os artistas com 15 anos ou mais podiam trabalhar 40 horas por semana, e os menores de 15 podiam trabalhar 35 horas por semana. A partir de agora, os menores de 12 anos podem trabalhar no máximo 25 horas por semana, os de 12 a 15 anos podem trabalhar 30 e os de 15 ou mais anos podem trabalhar 35. A lei também proíbe a interferência na educação de artistas menores de idade.
A emenda também visa proteger a saúde das jovens estrelas do K-pop, proibindo ações que possam ameaçar a segurança de um artista, como escrutínio excessivo da sua aparência ou abuso verbal, mencionados por Andreína Nunes e CedarBough Saeji. A legislação também é conhecida como Lee Seung-gi Crisis Prevention Act, em homenagem a um popular cantor coreano que recentemente descobriu ter trabalhado sob um “contrato de escravo” que não o compensou pela sua música durante 18 anos.