Chuva na areia

Sem uma profunda mudança de mentalidade dos políticos, e um modo diferente de olhar o país, não sairemos da cepa torta. 

O Programa de Estabilidade 2023-2027 apresenta o mais baixo potencial de crescimento de médio prazo desde 2016, dizendo, implicitamente, que o PRR e todos os outros fundos europeus não servem para melhorar a nossa capacidade produtiva».

Esta frase não é minha: consta do último relatório do Fórum Para a Competitividade, uma instituição independente que, entre outras iniciativas, divulga trimestralmente uma análise à evolução económica do país.

Mas, não sendo minha, a frase poderia perfeitamente ter sido escrita por mim.

Venho a dizer há muito tempo que a solução para a economia portuguesa não é deitar-lhe dinheiro em cima. 

Desde o século XVI que pelas fronteiras do Portugal europeu têm entrado rios de dinheiro. Foram os rendimentos das especiarias do Oriente, foi o ouro do Brasil, foram os diamantes de Angola. E o que fizemos com todo esse dinheiro?

O ouro brasileiro serviu, como se sabe, para construir igrejas por todo o país, e para encher outras com resplandecentes talhas douradas. Nas mais remotas terras do território encontramos uma, às vezes duas ou mesmo três igrejas – e, se dissermos que são do século XVIII, temos uma grande probabilidade de acertar.

Construímos assim um património riquíssimo – mas, como sempre acontece com o investimento imobiliário, a capacidade económica do país não aumentou.

 

Depois da adesão à CEE, em 1985, também recebemos milhões em fundos. Milhares de milhões. Mas o que contribuiu isso para aumentar a nossa competitividade? A capacidade produtiva do país cresceu?

Esta simples observação leva-me a citar com frequência a seguinte frase do meu amigo Rui Câmara e Sousa, brutalmente assassinado em Angola, donde era natural: «Dinheiro em África é chuva na areia».

Ele queria dizer na sua que nos países africanos não adiantava nada deitar dinheiro em cima dos problemas: o dinheiro desaparecia sem deixar rasto. 

A única coisa em que o meu amigo se enganava é que aqui, em Portugal, neste cantinho da Europa, se passa exatamente o mesmo: dinheiro em Portugal é chuva na areia.

Enquanto todos ansiavam pelo dinheiro que havia de vir do PRR, sempre exprimi as maiores dúvidas sobre os reais benefícios que ele traria ao país. E não por pessimismo – por realismo. Se há sete séculos não conseguimos rentabilizar o dinheiro que aqui chega, em consequência da colonização ou outra, por que carga de água o passaríamos a fazer de um dia para o outro? Por que haveria o PRR de ser exceção?

Já se está a ver…

 

O dinheiro só dá frutos quando existe uma estrutura previamente montada que o recebe, o valoriza e o multiplica. Ora nós não dispomos dessa estrutura. Que supõe capacidade de organização, gestores eficientes e um certo ambiente de trabalho. Não falo nos trabalhadores, pois os operários portugueses vão para o estrangeiro e aí funcionam. Mas – lá está – funcionam integrados noutras estruturas, com outros métodos, com outra mentalidade. 

Tenho-me cansado de escrever isto. Aqui, neste extremo da Europa, não conseguimos criar riqueza. Os períodos em que isso aconteceu e a economia funcionou foram exceções: uns anos no século XIX e na transição para o século XX, um período no Estado Novo, a década cavaquista.

Salvo isso, Portugal esteve estagnado.

Nos últimos anos, embora António Costa não pare de dizer que estamos a crescer acima da média europeia, cada vez nos afastamos mais dos países desenvolvidos e somos ultrapassados por países que estavam atrás de nós. 

É verdade que estamos a crescer acima da média europeia. Isso é objetivo. Mas não chega. Imaginemos que eu tenho uma fábrica cuja produção corresponde a 100 milhões de euros por ano. Se ela crescer 5%, a minha produção anual aumenta 5 milhões de euros. 

Mas se a fábrica do meu vizinho produzir 1000 milhões por ano, e crescer 2%, a sua produção aumenta 20 milhões. Ou seja: embora a minha produção cresça em percentagem matematicamente mais do que a dele, está de ano para ano a atrasar-se. Também estou cansado de explicar isto.

A solução para este país só pode ser uma: uma política assumidamente liberal, com a menor intervenção do Estado, e um corajoso choque fiscal. Com remendos ou meias tintas isto não vai lá.

O que faz crescer as economias são as empresas, não é o Estado. O Estado precisa de dinheiro, mas o dinheiro no Estado não rende. Por isso, deve resumir-se ao mínimo indispensável. 

De resto, o caso da TAP tem mostrado à saciedade os defeitos da gestão pública: intervenção dos governantes na administração, sujeição a critérios políticos, nomeações por motivos partidários; ora, isso é o oposto da boa gestão, que deve sobretudo atender ao mérito e a critérios de razoabilidade económica.

Podem vir cem PRRs que, se não houver uma mudança radical no país, uma nova lógica na governação, um modo de pensar diferente, Portugal não passará da cepa torta.

Repito a frase de abertura: «O PRR e todos os outros fundos europeus não servem para melhorar a nossa capacidade produtiva».