Enquanto Sócrates se passeia entre a Ericeira e o Brasil, sem ser beliscado pelo julgamento adiado sine die – nem pelo risco da prescrição dos crimes que passaram no apertado crivo do juiz Ivo Rosa –, António Costa resolveu processar o anterior governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, por causa de um livro em jeito de ‘confessionário’ que o melindrou.
Quase simultaneamente, Carlos Costa não se ficou e anunciou ir processar António Costa para «repor a verdade dos factos», a propósito de alegadas intromissões políticas do governo junto do supervisor bancário, no caso de Isabel dos Santos.
O confronto, há muito desenhado, só surpreendeu pela demora de Costa na ação (prometida) contra o ex-governador.
Apesar da menor complexidade da querela, é de temer que, a manter-se a lentidão processual – agravada pelo algoritmo do sorteio dos juízes –, seja de ‘esperar sentado’ pelo desfecho em tribunal.
A curiosidade maior residirá, porém, em saber como irá Marcelo Rebelo do Sousa desenvencilhar-se da original situação de ter sido arrolado como testemunha por ambas as partes em conflito.
Catedrático de Direito, viciado nos jogos subtis da intriga política desde os tempos do ‘analista’ multimédia – pioneiro da enxurrada de ‘comentadores’ hoje com assento (e proveito) nas televisões –, Marcelo terá agora oportunidade de explicar como assistiu às divergências entre Costa e Costa, com a independência do Banco Central de permeio.
Numa época em que a ‘política à portuguesa’ desceu a um grau impensável (com segredos de Estado ‘à mão de semear’ no computador de um assessor proscrito, e um ministro desacreditado), ao menos este contencioso, envolvendo o primeiro-ministro e o ex-governador, tendo o Presidente da República como testemunha, é um upgrade com um enredo que deve ser saudado…
Sem esmiuçar as razões invocadas, que compete aos tribunais dirimir, é pública a tendência dos governos socialistas, pelo menos desde Sócrates, para conviver mal com órgãos independentes.
Por isso, logo que podem, apressam-se a plantar nesses espaços os mais fiéis, com a obediência em dia, para ‘fiscalizarem’ o fiscalizador… Não faltam os exemplos.
Aliás, o sucessor de Carlos Costa à frente do BdP ilustra bem esse desígnio.
Embora a lei não o proíba, Mário Centeno nunca deveria ter transitado diretamente do Ministério da Finanças para o Banco Central, sem respeitar um ‘período de nojo’, salvo se reocupasse apenas o seu lugar de ‘recuo’ como quadro do BdP. Mas fê-lo e, aparentemente, está feliz na cadeira.
Outros órgãos, com a relevância do Tribunal de Contas, da Procuradoria-Geral da República, ou do Conselho das Finanças Públicas já conheceram melhores dias e mesmo o Tribunal Constitucional é hoje uma sombra, quando comparado com o frenesim que exibiu durante o governo de Pedro Passos Coelho.
E o pior é que a natureza destas mudanças parece ser aceite como se fosse uma fatalidade. E não é.
Quase meio século depois do 25 de Abril, o país cresce ‘poucochinho’ – e, segundo previsões de Bruxelas, até vai ser ultrapassado este ano pela Roménia no PIB per capita – graças a políticas incertas e a atores desavindos, mais preocupados consigo do que com o futuro dos portugueses.
Até António José Seguro. reaparecido após uma década de recolhimento, se mostrou «perplexo», defendendo que «os portugueses merecem melhor».
E merecem sem dúvida, embora estejam a resgatar a ingenuidade subjacente à maioria absoluta socialista, que acha que tudo pode.
Com a questão da TAP em pano de fundo – e uma comissão de inquérito alvo de críticas de António Costa por ter convocado Galamba a depor –, confirma-se que os governos socialistas, além de não apreciarem órgãos independentes, também lidam mal com aviões e aeroportos.
Se a TAP renacionalizada já esbulhou os contribuintes em mais de três mil milhões de euros, em matéria de aeroportos o panorama não é mais animador.
Que o diga a comissão de peritos, que, talvez, para não ser suspeita de agir em circuito fechado, resolveu franquear as portas a todos os contributos com novas localizações. O resultado demonstrou a criatividade – e até o sentido de humor – dos portugueses, que não se fizeram rogados com «mais de uma centena» de hipóteses, desde Rio Frio, a Coimbra, Évora ou Castelo Branco. Bizarro.
Entretanto, a fatura dos estudos encomendados não para de crescer, desde que Marcelo Caetano criou, em 1969, o Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa. É obra… sem obra!…
Em matéria de aeroportos somos, aliás, mãos largas. Basta recordar o de Beja, muito afeto a Sócrates e ao PCP, que custou a bagatela de 33 milhões de euros, para operar quase sem voos. Um fiasco.
Mas que importa?… Com a Portela à beira de saturada, ninguém decide e ninguém se entende. E venha mais um parecer…