Faltam 74 dias para o começo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e as dores de cabeça dos responsáveis pela segurança não param de aumentar, até pela indefinição do número de peregrinos que virão a Portugal, entre meados de julho e 7 de agosto, já que muitos dos participantes acabarão por vir mais cedo do que 1 de agosto, data oficial do arranque das cerimónias, além de não existir ainda um Plano de Mobilidade concluído.
Segundo apurou o Nascer do SOL, a equipa de José Sá Fernandes, coordenador nomeado pelo Governo para o Grupo de Projeto, reuniu-se esta semana com as várias entidades envolvidas na JMJ e um dos seus membros revelou que o Plano de Mobilidade será entregue a 15 de julho – a 15 dias do início do evento – deixando os interlocutores à beira de um ataque de nervos.
«Lisboa tem 500 mil pessoas e vamos receber o triplo no espaço de seis dias, embora muitas até venham antes da cerimónia. Como é possível o responsável do Governo anunciar o Plano de Mobilidade para 15 de julho? Como é que vai ser? A cidade vai ser fechada? Vão criar corredores de segurança, fechando várias artérias ao público, deixando-as só para os trabalhadores da cidade e para os reabastecimentos da restauração e hotelaria? Onde vão ficar os estacionamentos para os participantes? E os autocarros? Quantos serão e quais poderão entrar na cidade? O que está a ser feito nos hospitais? Vai haver um reforço de médicos e de cirurgiões para o caso de algum acidente? Onde vão dormir tantas pessoas? Todas essas questões só serão reveladas a 15 de julho? Isto faz algum sentido?», questiona-se um dos presentes na reunião.
Contactado pelo Nascer do SOL, o representante do Governo desmente: «Não é verdade. Antes dessa data haverá várias versões que irão sendo sistematicamente, e com todos os parceiros, atualizadas até à JMJ».
E é aqui que aumentam as preocupações, pois são várias as fontes que dizem que tudo está atrasado pela falta do Plano de Mobilidade e por não se saber ao certo quantas pessoas virão a Portugal.
Para se ter uma ideia da complexidade da operação – só entre 1 e 6 de agosto é previsível que Lisboa fique com mais um milhão e meio de habitantes -, a PSP e a GNR tinham proibido férias entre 24 de julho e 7 de agosto em todo o território continental, decisão que deixou os polícias e guardas de cidades do interior perplexos com a medida, já que tudo se irá passar na Grande Lisboa e quanto muito em Fátima, se o desejo do Papa for cumprido.
Agora, a dois meses do evento, ficou a saber-se a razão da proibição de férias se ter alargado a todo o território continental. É que a PSP e a GNR vão ter de recorrer a efetivos de patrulhamento, quando só estava previsto o recurso a ‘motoqueiros’ e alguns elementos da Unidade Especial de Polícia. «Não queria estar na pele dos comandantes nacionais que vão ter de inventar agentes, pois para retirarem elementos de comandos do interior terão de fechar algumas esquadras, algo que é impossível. Logo, só lhes restará recorrer às principais cidades como Porto e Coimbra», esclarece ao Nascer do SOL fonte ligada à organização.
«Se já era proibido tirar férias entre 24 de julho e 7 de agosto agora ficou a saber-se que mesmo as folgas compensatórias do início de julho estão em causa, já que a partir dessa data é previsível que muitos participantes comecem a chegar a Lisboa, fazendo vida de dia e de noite», acrescenta a mesma fonte.
Comparação com o Euro 2004
«Quero acreditar que nos vamos conseguir safar à boa maneira portuguesa, apesar do cenário ser assustador, tantas são as incertezas», revela outra fonte das secretas. «A maior operação de segurança que tivemos foi durante o Euro 2004, e nessa altura havia mais polícias e guardas e tinham uma idade bem mais jovem do que os atuais. Como é que vamos destacar agentes, de comandos do interior, com uma certa idade, para estarem oito horas em pé?», questiona outra fonte.
Também o equipamento dos agentes do Corpo de Intervenção é questionado, pois o fundamental é estarem devidamente equipados com material anti-traumático e ele é praticamente inexistente na PSP – só 30 a 50 elementos o têm -, não sendo o problema muito diferente na GNR. «O equipamento é o mesmo que foi utilizado em 2004, com os capacetes a serem o problema mais preocupante», acrescenta mesma fonte.
Fronteiras repostas
Sem poder esperar pelo Plano de Mobilidade final, as autoridades policiais, sob a batuta de Paulo Vizeu Pinheiro, secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI), tentam organizar-se como podem. Já foi decidido que as fronteiras terrestres, aéreas e marítimas serão repostas e que os agentes e guardas destacados poderão questionar todos aqueles que entrem em território nacional. Já se sabe que o SIS estará atento a eventuais terroristas que queiram fazer algum atentado durante esse período, como o reconheceu Paulo Vizeu Pinheiro em entrevista ao DN: «O SIS tem vindo a fazer um trabalho extraordinário da avaliação das ameaças, quer ao Santo Padre, quer sobre as ameaças, quer sobre a própria JMJ em si».
E será no centro de comando, que terá, além das forças de segurança, militares, bombeiros, do SIRP, e um representante do Governo e outro do Presidente da República, que serão tomadas as grandes decisões, em casos de extrema gravidade, estando Vizeu Pinheiro ao comando do grupo. «Os mais antigos lembrar-se-ão do sequestro nas instalações do BES, em Campolide. Era preciso neutralizar os sequestradores e a ordem teria que partir de alguém. Na altura ainda se ligou para o ministro da Administração Interna, mas como a ordem demorou, o comando de Lisboa acabou por dar ordem para abater o assaltante. No caso da JMJ, cabe ao centro de comando tomar as decisões na hora», explica fonte das secretas.
Ontem, Vizeu Pinheiro esteve na sede da Fundação da JMJ, onde afirmou que «o objetivo é que a Jornada seja verdadeiramente de celebração, de alegria, de fé, de encontro, mas em segurança», como se lê no site da Fundação.
Um selo polémico
A semana ficou marcada pelo lançamento de um selo alusivo à JMJ por parte do Vaticano, que ‘ofendeu’ tantas mentes mais sensíveis. Fonte oficial da JMJ garante que a decisão do selo partiu dos serviços do Vaticano e que a organização portuguesa não teve nenhuma participação na mesma, nem pela retirada de circulação do selo, opção tomada pelo Vaticano depois da polémica criada.
O selo, onde se via o Papa Francisco no lugar do Infante D. Henrique e jovens no lugar dos navegadores, no Padrão dos Descobrimentos, provocou tanta polémica, mesmo no interior da Igreja portuguesa, que o Vaticano decidiu retirar de circulação o selo de autoria de Stefano Morri. Os ‘ofendidos’ alegavam que o mesmo remtia para o Estado Novo e para sua política de propaganda. Um padre português, que não achou o desenho particularmente feliz, não deixa de estranhar a polémica, até porque o Papa está sempre a falar na «evangelização, na necessidade de conquistar novos cristãos, de descobrir novos mundos. O Padrão dos Descobrimentos representa tudo isso. Novos mundos. Conheço muitos bispos estrangeiros que quando vêm a Portugal adoram ir ao Padrão, à semelhança de milhares de turistas». «Os estrangeiros não olham para o Padrão dos Descobrimentos como alguns portugueses que entendem que é um símbolo do Estado Novo e da ditadura. O Padrão dos Descobrimentos, para eles, representa a conquista de novos mundos e de como os portugueses se aventuraram, em caravelas frágeis, por esse mundo fora, à conquista e para espalhar o evangelho», acrescentou.
Certo é que aqueles que ainda conseguiram comprar o dito selo antes do cancelamento, poderão estar perante uma relíquia bem valiosa.
Por fim, diga-se que a Fundação da JMJ, em conjunto com os CTT, lançou dois selos alusivos ao evento, mas que não deram qualquer polémica e estão à venda em todas as lojas.