Na fabulosa série de sátira política Yes Minister, há uma altura em que é proposta a Sir Humphrey a realização de um inquérito a um Ministério. A sua resposta foi a de que não se podem realizar inquéritos sem se saber antecipadamente quais são as suas conclusões, lembrando que o escândalo Watergate começou com uma simples investigação sobre um arrombamento.
A Comissão de Inquérito à TAP assemelha-se à investigação ao Watergate. Tendo começado tendo por objecto o pagamento de uma indemnização de € 500.000 a Alexandra Reis, tem vindo a extravasar desse ponto de partida, já de si suficientemente grave, para revestir as características de uma verdadeira Comissão de Inquérito ao Governo, em que todos os dias surgem novos factos que deixam os portugueses em absoluta perplexidade perante tamanha falta de escrutínio, dissimulação, incompetência e violação dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Em primeiro lugar surgiu a revelação de que a referida indemnização foi autorizada pela tutela através de WhatsApp, demonstrando afinal que a tentativa de atribuir responsabilidade pelo sucedido à administração da TAP era falsa. Não obstante, a sua administração veio a ser a seguir demitida em conferência de imprensa pública, onde é assumida a existência de um parecer jurídico que tornaria a decisão blindada a qualquer impugnação judicial. Quando o Governo é perguntado pelo referido parecer, que pelos vistos conteria a descoberta jurídica do século, vários ministros afirmam que a sua divulgação poria em causa os interesses do Estado. E o Governo começa por recusar a sua entrega à Comissão de Inquérito, alegando que extravasaria do âmbito da mesma, por ser posterior à sua constituição. No dia seguinte, porém, depois de os deputados ameaçarem com uma queixa à Procuradoria-Geral da República, o Governo vem afirmar que afinal não existia parecer jurídico algum, tendo-se baseado apenas no relatório da Inspecção-Geral das Finanças, que concluía pela ilegalidade da indemnização. O inspector-geral de Finanças não chegou, porém, sequer a ouvir presencialmente a CEO da TAP justificando-o com o facto de «falarem línguas diferentes…».
Sendo ouvida a CEO da TAP na Comissão de Inquérito, descobre-se que a mesma, antes de se deslocar ao Parlamento tinha reuniões preparatórias com o Grupo Parlamentar do PS, onde eram combinadas as perguntas e respostas, constituindo por isso um caso evidente de manipulação de testemunho. É difícil conceber maior descredibilização do Parlamento, quando os deputados se convertem em meros actores de uma peça de teatro, ensaiando o seu papel antes das sessões.
Mas a seguir o adjunto Frederico Pinheiro, que pelos vistos assistia e tomava notas das reuniões sobre a TAP, é mencionado no comunicado de 6 de Abril, o que torna inevitável que fosse chamado à Comissão Parlamentar da TAP. O mesmo deve ter-se sentido como John Dean, assessor de Nixon, a quem foi pedido que escrevesse um relatório referindo tudo o que sabia sobre o caso Watergate. À semelhança de John Dean, Frederico Pinheiro recusou assumir o papel de bode expiatório, assumindo que ia referir à Comissão de Inquérito as notas que tinha das reuniões. Nessa altura, exigem-lhe a entrega dessas notas e depois o ministro determina a sua exoneração por telefone, o que apenas é feito depois de se saber que o seu computador estava no Ministério e de já lhe ter sido apagado o histórico do telemóvel. Da mesma forma que parte das gravações de Nixon foi apagada, pelos vistos também se verificam apagões no Ministério das Infraestruturas, sem que os mesmos sejam cabalmente explicados.
É por isso manifesto que a exoneração de Frederico Pinheiro, que ocorre na noite de 26 de Abril, previamente a tudo o que se passou no Ministério das Infraestruturas, se fez para que o mesmo não tivesse mais acesso ao seu computador. Daí a reacção dos membros do Gabinete quando o mesmo vai buscar o computador, o que frustaria o objectivo evidente da sua exoneração. Tal leva o ministro João Galamba a contactar sucessivos membros do Governo nessa mesma noite e que o SIS seja chamado a intervir, não hesitando o mesmo em actuar de forma manifestamente ilegal, exigindo à noite na via pública a entrega do computador a um cidadão, em clara violação dos seus direitos, liberdades e garantias. Essa ilegalidade não é, no entanto, assumida pelo Conselho de Fiscalização, composto por antigos governantes de António Costa, que assina um comunicado a considerar legal a actuação do SIS, sem qualquer fundamentação jurídica consistente e sem sequer ouvir o principal lesado pela sua intervenção.
Nixon tinha sido reeleito por uma maioria esmagadora mas acabou por ter que se demitir um ano e meio depois, devido ao escândalo do Watergate. Como Cavaco Silva bem salientou, o que a Comissão de Inquérito à TAP tem vindo a descobrir justifica igualmente a demissão de António Costa, sob pena de degradação absoluta das instituições democráticas em Portugal. Vai o Presidente da República continuar a assistir passivamente a este estado de coisas? E vai o PSD fazer um acordo de revisão constitucional para retirar direitos fundamentais aos portugueses, quando os mesmos estão tão ameaçados por este Governo?