Campeonato. Último dia da criação

Hoje, pelas 18h, no Porto e em Lisboa, FC Porto e Benfica decidirão o título por interpostos adversários em campos diferentes.

Porque hoje é sábado estamos à espera. À espera que termine este campeonato longo longo que durou quase um ano, à espera de saber o nome do vencedor, à espera de perceber se as gentes correrão, alegres como garotos apanhando miosótis num campo de gipsofila, entre o Parque Eduardo VII e o Marquês de Pombal ou se irão juntar-se nos Aliados fazendo adejar ao vento bandeiras azuis e brancas. Durante meses a fio (até durante aqueles em que o campeonato parou para se jogar o Mundial do Qatar) andámos com a convicção feita certeza de que o título não poderia fugir ao Benfica de Roger Schmidt que surgiu surpreendentemente forte como um furacão, foi somando vitórias a mais vitórias e chegou, imagine-se!, ao conforto de dispor de dez pontos de avanço sobre o segundo classificado. Pois bem, no espaço de uma semana, os dez pontos esvaíram-se. Ferida na asa, a águia sangrou com violência derrotada em casa pelo FC Porto e em Chaves pelo Desportivo, golpe de tal forma duro que muitos foram os que atravessaram o córrego estreito que vai da euforia ao descrédito. No domingo passado, em Alvalade, lá se foram mais dois pontos. Com isto, ao chegarmos às 18h de amanhã, os encarnados já só têm dois pontos de avanço sobre os portistas. Chega? Não chega? Cumprir-se-á o destino que apontava para que o título se instalasse em Lisboa ou assistiremos a uma impensável reviravolta que o mantenha no Porto? Bem posso olhar para cima, para o céu, porque nunca aprendi a ler o futuro na inquietação dos pássaros. Mas aceitemos a realidade tal e qual ela é: se perder o seu jogo derradeiro, na Luz, face a um já despromovido Santa Clara, entraremos (com a sua dose de exagero, vá lá) nos labirintos da tragédia. Ou como explicar tantas exibições grandiloquentes praticadas pelo Benfica, tanto no campeonato como na Liga dos Campeões, sem um troféu que as suporte. Sim, porque a águia está a pisar o arame do tudo ou nada. E não, meus senhores e minhas senhoras, meus meninos e minhas meninas, como gritava o mestre de cerimónias do Circo Areola Paramés, não há rede por baixo que se meta no caminho do equilibrista em direção à morte.

 

Um bocadinho…

As frustrações podem não se medir aos palmos, como os homens, mas registam variadas amplitudes sísmicas. À mesma hora que o Benfica entrar no relvado para defrontar os açorianos o portistas investem como dragões contra o adversário que os visita, o Vitória de Guimarães. Dir-me-ão que um terramoto de fracasso coletivo fará estremecer os alicerces do Benfica de cima abaixo se a ‘derrota impossível’ surgir. Mas também há que não esquecer que estes oito pontos recuperados em tão curto espaço de tempo fizeram crescer nas Antas uma indisfarçável crença – ambição, pelos vistos, já havia e estava em grande. Imagine-se, portanto, que o FC Porto cumpre a sua obrigação de bater os vimaranenses e vai recebendo de Lisboa, agora já não com os radiozinhos a pilhas que se colavam às orelhas mas através dos bem mais modernos iPhones, a notícia mais do que provável vitória encarnada. Não é, também, por seu lado, uma tarde desoladora? Tantos serão os que mitigarão para consigo próprios a desfeita, encolhendo os ombros para com os seus botões: ‘Ora chiça! Chegámos até aqui e só faltava um bocadinho…’.

O bocadinho reflete-se como se sabe em dois pontos. Dois pontos que jogam a favor do Benfica como um ás de espadas – porque a comparação entre a diferença entre golos marcados e sofridos joga absolutamente a favor das águias (e assim se percebe que tendo aproveitado a sua ‘fase boa’ para assinar umas goleadas tem muita importância). Reparem: 79-20 para os de Lisboa; 70-22 para os do Porto). Se não for além do empate o Benfica obrigará os portistas a vencer por nada menos de 11 golos de diferença – os golos fora deixaram de valer e no confronto entre ambos fica tudo igual – 1-0 para o Benfica nas Antas; 2-1 para o FC Porto na Luz. Ah! O sábado! Que belo sábado o de amanhã. Manda dizer o senso comum que será um sábado vermelho em flor. Desde a primeira jornada que o Benfica está no primeiro posto e nunca o largou mesmo nas alturas em que andou, por assim dizer, a meter os pés pelas mãos. O futebol não vive de justiças nem de injustiças, é apenas futebol e isso é mais do que suficiente para abanar com os sentimentos populares. Quase poderia apostar, singelo contra dobrado, à moda dos livros do Texas Jack que será a Luz o palco dos festejos e as artérias de Lisboa ficarão entupidas como se a cidade estivesse à beira de um acidente vascular. Joga-se, no fundo, um Benfica-FC_Porto por interpostos adversários em campos diferentes à mesma hora. Seis horas da tarde de amanhã, sábado. E todos podemos versar como Vinícius: «Há um tensão inusitada/Porque hoje é sábado/Há adolescências seminuas/Porque hoje é sábado/Há um vampiro pelas ruas/Porque hoje é sábado/Há um grande aumento no consumo/Porque hoje é sábado/Há um noivo louco de ciúmes/Porque hoje é sábado». E há, de um lado e do outro, a sensação angustiante e a comemoração fantástica porque será sábado. E o domingo virá a seu tempo como dia de descanso porque todos o merecem: os que ganham e os que perdem… Descansarão melhor os mais felizes. É da natureza do homem.