O Ministério da Saúde abriu todas as vagas possíveis, mas só foram admitidos no concurso para especialistas de Medicina Geral e Familiar 393 médicos, o que corresponde a aproximadamente 40% das vagas disponíveis. Segundo as listas publicadas pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) no Diário da República, 393 médicos de família foram aceites no concurso, enquanto dois foram excluídos. Além disso, 20 candidatos foram admitidos no concurso para contratação de especialistas em saúde pública.
«Em primeiro lugar, importa dar nota de que houve um desenvolvimento positivo que foi a abertura de muitíssimas mais vagas do que aquelas dos médicos que concluíram a sua especialidade na primeira época. Bem como a celeridade do concurso», começa por explicar, em declarações ao Nascer do SOL, Jorge Paulo Roque da Cunha, sendo que, no início deste mês, todas as 978 vagas disponíveis para medicina geral e familiar foram abertas a concurso. O objetivo era manter os recém-formados e atrair especialistas que não estivessem a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS). No entanto, o Ministério da Saúde reconheceu que a contratação imediata de 200 a 250 médicos de família seria mais realista.
«Quando as vagas foram abertas num pressuposto de que houvesse mais médicos a concorrer, isso não se conseguiu e tal significa que continua a não ser atrativo trabalhar no SNS. 393 médicos concluíram a especialidade e 79 foram para o estrangeiro, privado, etc. Para além de não ter conseguido atrair um número substancial, o SNS_só ficou com 314 especialistas do total. E ainda haverá 10% que não ocuparão a vaga. Fazem a sua escolha e no prazo de 60 dias desistem», diz o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM). «Não vai haver substituição dos médicos que se reformaram nem daqueles que foram para o privado. São 1100 que se vão reformar este ano. Vai continuar a haver um crescimento de utentes sem médico. Não se criando condições para que os médicos trabalhem no SNS… Torna-se impossível. Um médico especialista aufere cerca de 1800 euros. Se vier do Porto para Lisboa, torna-se incomportável», sublinha o médico de família que exerce funções na Unidade de Saúde Familiar (USF) da Travessa da Saúde, em Camarate, no concelho de Loures.
«Tem de se aumentar os salários, diminuir a carga de trabalho, criar condições para as pessoas terem vida própria, fazerem investigação, etc. E aumentar as transições das USF para USF B. Em resumo, nada de novo em sentido de positivo ocorreu. E uma tendência que se verifica nos últimos cinco anos de forma inexorável. E presumimos que tudo se agravará nos próximos. Principalmente, em Lisboa e Vale do Tejo», explica, exemplificando: «Na Amora, eram necessários 20 médicos e foram ocupadas 8 vagas. 500 mil pessoas passarão a ter médico, mas até ao final do ano voltaremos a números próximos de 1 milhão e 500 mil sem médico».
A secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares, explicou que a abertura de todas as vagas disponíveis teve como objetivo garantir que todos os médicos interessados em trabalhar no SNS pudessem encontrar a melhor vaga disponível, independentemente do local. Recentemente, 355 novos médicos concluíram a sua formação nessa especialidade.
«Apesar de o Ministério da Saúde ter aberto 900 vagas no último concurso para médicos recém-especialistas em Medicina Geral e Familiar, só 395 médicos é que se candidataram, e destes, só 80% é que aceitaram uma vaga, ficando o concurso muito aquém das necessidades do país, onde 1.7 milhões de cidadãos não têm médico de família», diz, por sua vez, Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM). «Com a exceção da ULS do Nordeste, a quase totalidade das vagas no Norte foram preenchidas, mas ficaram por ocupar mais de 50% no Centro, 60% no Alentejo, 70% no Algarve e 80% em Lisboa e Vale do Tejo», constata a Assistente Hospitalar Graduada de Oncologia Médica no IPO Porto após a conclusão do concurso em causa.
«A FNAM olha para o desfecho deste concurso com preocupação extrema, que demonstra, mais uma vez, que os médicos estão cansados da falta de condições de trabalho que o SNS lhes oferece ao nível dos Cuidados de Saúde Primários, sobretudo no centro e sul do país», avança Joana Bordalo e Sá, adiantando que «estes resultados são da inteira responsabilidade do Ministério da Saúde, que insiste em adiar as negociações em curso, naquilo que é crucial para fixar médicos no SNS e que a FNAM tem vindo a defender».
«A FNAM tem apresentado propostas concretas no sentido de se firmar um acordo com grelhas salariais justas, condições de trabalho dignas e medidas que apoiem a parentalidade dos médicos. Por fim, os médicos querem garantir um projeto profissional no SNS que permita prestar o apoio seguro e de qualidade à população, além de poderem conciliar a vida profissional, pessoal e familiar», afirma, indo ao encontro da perspetiva de Jorge Paulo Roque da Cunha.
No final de julho do ano passado havia quase 1,5 milhões de portugueses sem médico de família, o número mais elevado dos últimos oito anos. Como o Nascer do SOL relatou na altura, a 1 de agosto, os novos especialistas começaram a iniciar funções nos centros de saúde, mas apenas aproximadamente 270 foram colocados e esperam-se ainda que cerca de 30 a 40 passagens à aposentação até ao final do mês, pelo que o reforço só deverá permitir atribuir médico a cerca de 400 mil utentes.