O Governo na casa de banho

Em palavras simples, portanto, ninguém sente a cor de rosa da economia e estamos fartos de ver o povo mudar de caminho mesmo com bons resultados.

Consta que por estes dias o primeiro dos ministros deu conta de si a ouvir um clássico de Rui Veloso.

Esse mesmo, aquele em não só se diz que ‘já não há estrelas no céu a dourar o meu caminho’ como, o que será substancialmente mais grave, ‘parece que o mundo inteiro se uniu para me tramar…’.

Por isso mesmo, depois de dar corda à verve de um inimaginável porta-voz do PS, acrescentou com o sorriso de uma noite cinzenta que alguém está a inventar uma crise artificial.

No seu entendimento, ninguém pensará em mais nada porque a economia está a correr bem, logo não há motivo para alarme.

Ele sabe que Portugal é o país da OCDE mais dependente do Banco Central Europeu e que este vai deixar de investir 4 mil milhões de euros em dívida portuguesa até ao fim do próximo ano, que o crescimento se não repetirá no mesmo patamar, que o desemprego cresce e que a inflação persiste.

E sabe também que a maioria das pessoas continua a viver no limite da sua capacidade.

Isto é que num campeonato entre a insatisfação e a satisfação a primeira teria uma vitória arrasadora.

 

Em palavras simples, portanto, ninguém sente a cor de rosa da economia e estamos fartos de ver o povo mudar de caminho mesmo com bons resultados.

Por mais que se pretenda, não é só isso que conta.

A avaliação de um Governo é complexa.

O momento é mais difícil quando várias vozes se ouvem no mesmo sentido de afastamento crítico ou de denúncia.

Demos de barato as intervenções do Presidente.

A declaração de Cavaco Silva é mais profunda e mais completa.

Não vai ao pormenor de citar as várias promessas do Governo quanto aos médicos de família, às habitações, aos empregos, ao investimento público.

Basta-lhe falar em mentira.

E é suficiente salientar a juventude qualificada em fuga para o estrangeiro, ou a ineficiência do Estado, ou o exagero do nível de impostos para traduzir a incomodidade de cada um.

 

A sua opinião é importante, não por ser do PSD, mas por incorporar um grau apreciável de experiência governativa.

Um escrito de António Barreto é mais cruel ainda.

Uma República de Garotos, titula.

E explica como a função governativa consegue descer a níveis inimagináveis de responsabilidade e de decência.

Dir-se-á, todavia, que é gente da mesma geração com um grau similar de exigência que outro tempo marcou.

É tempo de revisitar o velho brocardo latino ‘ridendo castigat mores’ e de exemplificar com a sua atualidade.

Um humorista, de outra geração, com uma diferente e declarada opção política, Ricardo Araújo Pereira, é verdadeiramente demolidor.

A forma como desmontou a construção da mentira, usando as palavras dos próprios, como denunciou a desfaçatez, como retratou a falta de vergonha, foi absolutamente exemplar.

 

Pouco resta a uma comissão de inquérito depois disto.

E eis como a imensa variedade e experiência dos citados significa mundo inteiro.

O que ficará para a pequena história é que um dia, num gabinete ministerial, em pleno século XXI, cinco pessoas se trancaram numa casa de banho.

Sem se dar conta disso, ou talvez tentando iludir a realidade, o governo tem um comportamento mimético.

O Governo está a fechar-se, também, na casa de banho.

E não há SIS que o salve.