Por José Maria Matias, Aluno do mestrado de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa
No dia 9 de maio assinalou-se o aniversário da assinatura da Declaração Schuman e por isso a data ficaria conhecida como o ‘Dia da Europa’. Este ano as celebrações ficaram marcadas pela realidade da guerra na Europa, pela polarização política mais evidente entre o federalismo europeu e os defensores da soberania das nações, pelo ataque cada vez mais feroz do humanismo ateu à herança cultural cristã europeia e pela migração como resposta rápida aos desafios demográficos. A UE está mais dividida entre o Norte e o Sul, o Oeste e o Este, conservadores e relativistas, cristãos e ateus, diferentes gerações, sexos, e por fim, entre instituições supranacionais e as nações europeias.
Algumas destas divisões passam despercebidas pela instantaneidade da espuma dos dias e pela falta de profundidade do debate político. Tudo isto afastou a UE de olhar, convenientemente, para si própria num exercício de autoanálise que estava obrigada a fazer. Aliás, em vez disso, refugiou-se em teias burocráticas complexas ficando cada vez mais distante dos europeus. Bruxelas não tirou as devidas lições da crise financeira de 2007, da crise dos migrantes em 2015 ou da pandemia em 2020. Como tal, a UE parece cada vez mais distante do espírito da declaração Schuman, incapaz de olhar para a sua História, condicionada por lentes ideológicas e ímpetos revisionistas. Simultaneamente percebe-se que a atual encruzilhada institucional prende uma verdade mais profunda, a integração europeia está num impasse: nunca mais conseguirá dar passos em frente e dificilmente entende-se nos passos atrás que deveria dar.
Se no princípio de maio celebrámos o dia da Europa, na semana seguinte, Portugal receberia George Weigel. Um intelectual norte-americano que ficou mundialmente famoso por escrever uma biografia do Papa João Paulo II e por ser o autor do livro The Cube and the Cathedral: Europe, America, and Politics Without God. Numa conferência em Lisboa, Weigel foi chamado a responder sobre o que era a Europa. Qual a sua matriz e identidade e o que une os povos europeus. A sua resposta foi esclarecedora. A civilização europeia seria o encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma. Ou seja, a Europa era formada pelo encontro com o Deus de Israel, pela filosofia e o método científico de Atenas e pelo direito romano. No fundo, Weigel estava em linha com a noção de identidade europeia de Bento XVI, que ficou imortalizada num célebre discurso em 2011 no Parlamento alemão. Ou até indo mais longe, trazia de volta as discussões levadas a cabo por políticos e intelectuais no fim da segunda Guerra Mundial sobre o que era o espírito europeu, numa Europa moralmente em escombros. Muitos dos contributos nestas discussões compreenderam o cruzamento da civilização grega e romana com a herança cristã; era daqui que surgia a unidade que conjugaria a diversidade. Esta é a matriz da Europa e os fundadores do projeto europeu percebiam isto.
Compreender esta noção de identidade europeia que une os povos e nações, com o atual contexto social, económico e político europeu, leva-nos a crer que existe uma diferença substancial entre a Europa de Jerusalém, Atenas e Roma com a Europa de Bruxelas e Estrasburgo. Mais, parece até cada vez mais evidente, que a Europa de Bruxelas e Estrasburgo está a sobrepor-se à Europa de Jerusalém, Atenas e Roma e com isso, subverte para sempre o espírito da Declaração Schuman e até da própria Europa. Evitar isso será o maior desafio da UE. No entanto, se conseguir superar esse desafio, garantirá a sua sobrevivência!