por António Maria Coelho de Carvalho
OCA reformado
Perdoem-me por ter transcrito o desabafo que os meus amigos alentejanos já terão tido vontade de escrever no Aeroporto de Beja!
Não o fiz por ter costela alentejana, nem por ser simpatizante do PCP, que não sou; nem o facto de ter sido controlador de tráfego aéreo me dá qualquer credencial para opinar sobre a localização do aeroporto.
No entanto, algumas coisas pouco divulgadas, para não dizer escondidas, fizeram com que os restos de energia que ainda tenho se traduzissem em indignação. Naquela indignação que Mário Soares aconselhava.
Em 2007, durante um governo PS de José Sócrates, em que participava António Costa, o presidente da EDAB, José Queirós entrevistado pela Lusa, previa 1,8 milhões de passageiros no Aeroporto de Beja em 2020, justificando o seu otimismo quanto ao futuro desta obra do seguinte modo:
• A qualidade das infraestruturas construídas pelas autoridades alemãs ainda no Estado Novo, para o poderem usar para treino dos seu aviões militares;
• O baixo custo em que ficara a transformação da Base Aérea 11 em aeroporto comercial (33 milhões de euros);
• Os empreendimentos turísticos de grande dimensão que se avizinhavam no litoral alentejano e na zona de Alqueva, que iriam transformar o Alentejo numa região de alto valor turístico, sendo o aeroporto de Beja complementar aos de Lisboa e Faro;
• Apostando nos voos de passageiros de companhias ‘charter’ e ‘low cost’, dados os custos operacionais reduzidos;
• Aproveitando as «excelentes condições naturais», difíceis de encontrar em aeroportos perto de grandes cidades;
• Garantindo o transporte de cargas que não pode ser feito no aeroporto de Faro, em parte devido ao comprimento da pista;
• Explorando a proximidade de Sines, para se transformar numa importante plataforma de distribuição aérea de produtos destinados à Europa.
Na entrevista, José Queirós referiu-se ainda ao projeto da Associação da Indústria e do Comércio dos Chineses em Portugal (AICCP), que queria criar, junto ao Aeroporto de Beja, um parque empresarial dotado de condições necessárias para se transformar num entreposto comercial de distribuição de produtos chineses na Europa e num polo industrial para montagem de produtos semiacabados.
Era esta a ‘narrativa’ em 2007.
Em 2010, o Tribunal de Contas critica o investimento naquele aeroporto e a gestão da EDAB, considerando que os custos tinham derrapado, o aeroporto ainda não estava operacional, nenhum dos objetivos estratégicos tinha sido cumprido, pois não havia operadores, nem negócios com companhias aéreas, nem acessos, logo a infraestrutura não representava qualquer benefício para a região.
O Governo, pela voz do secretário de Estado das Obras Públicas, e a EDABE negaram as acusações, mas o TC considerou que a operacionalidade do aeroporto estava bastante comprometida.
Em 2011, no dia 13 de abril, o aeroporto foi inaugurado mas, diz a Wikipédia, «tem estado praticamente vazio e sem voos e passageiros na maioria dos dias».
Em 2011, o Governo de José Sócrates pede ajuda financeira à troika. De 2011 a 2015 governa o PSD de Passos Coelho, que ganha as eleições mas não fica no Governo porque António Costa inventou a ‘geringonça’.
Em 2016, já reformado, José Queirós confessou a sua «enorme desilusão» ao jornalista Miguel Videira, afirmando que entre os responsáveis pela falência do projeto elegia em primeiro lugar a ANA – Aeroportos de Portugal, que tinha ficado com a concessão do aeroporto mas não tinha cumprido minimamente o contrato com o Estado português de desenvolver todas as ações no sentido de criar ocupação para o aeroporto, quer junto de operadores aéreos quer em manutenção e engenharia de estacionamento.
Acusou também a TAP, que desistiu, através de um simples telefonema, do compromisso de instalar no Aeroporto de Beja um centro de manutenção e entregou a manutenção à Varig. Acrescentou que, com o prejuízo que a Varig tem causado, já poderiam ter sido criados vários centros de manutenção no aeroporto de Beja.
Sobre a ausência de captação de operadores aéreos de passageiros para Beja, o antigo presidente da EDAB também responsabilizou o poder político, dando como exemplo a demora das negociações com a Ryanair que, após uma reunião com o então secretário de Estado, Paulo Campos, levaram a Ryanair a trocar Beja por Faro.
José Queirós não deu, concretamente, nenhuma explicação para o fracasso do Projeto do Aeroporto de Beja mas recordou que na altura, 2016, havia uma grande campanha para a construção do novo aeroporto de Lisboa e era preciso garantir que a Portela tinha esgotado a sua capacidade, para se poder avançar com a construção desse novo aeroporto.
Sobre o futuro, disse que ainda esperava ver o Aeroporto de Beja como um instrumento de desenvolvimento do Alentejo, porque, «se não se cuidar do desenvolvimento do Alentejo, qualquer dia é um deserto humano».
(Conclusão na próxima edição)