Quem diria que um livro sobre perturbações de ansiedade podia conter tantos e tão estranhos motivos de regozijo intelectual para o leitor comum? Poderíamos começar pelas designações complicadas, que de imediato evidenciam que estamos a falar de ocorrências pouco vulgares: ablutofobia, coulrofobia, koumponofobia, pnigofobia, trisquaidequadofobia, ou ainda aquela que dá pelo nome de hipotomonstrosesquipedaliofobia. Isso mesmo, leu bem: hipotomonstrosesquipedaliofobia.
O que significam estas palavras quase impronunciáveis? Veremos mais adiante. Não queremos estragar já o mistério.
Os nomes invulgares são apenas o início. Depois, O Livro das Fobias & Manias, de Kate Summerscale (ed. Vogais), conta-nos histórias insólitas de gente famosa ou anónima, cada qual com a sua particularidade mais ou menos bizarra. Temos o caso do imperador romano que se escondia debaixo da cama por causa das trovoadas; o do célebre realizador que tinha pavor de ovos; ou o do visionário que não suportava botões e por isso só usava camisolas de gola alta…
Por fim, há o bónus de estes medos irracionais, paralisantes, tal como os seus opostos – pulsões inexplicáveis com consequências por vezes ligeiramente embaraçosas -, oferecerem uma espécie de buraco da fechadura que nos permite espreitar para os recantos mais mal iluminados da mente humana. Ao longo do século XIX, os psiquiatras «passaram a ver as fobias e as manias como sinistros sinais das nossas histórias evolutivas e pessoais, manifestações dos instintos animais e dos desejos escondidos que havíamos reprimido», escreve Summerscale.
Sigmund Freud (1856-1939) foi um protagonista fundamental deste processo de desbravar terreno desconhecido. Na viragem do século, o pai da psicanálise entendeu que as fobias constituíam uma porta para o inconsciente e para os receios ou anseios recalcados dos seus pacientes.
Um caso famoso é o do ‘homem dos ratos’, nome de código do advogado Ernest Lanzer, que sofria de transtorno obsessivo-compulsivo, uma tendência incontrolável para fazer certas ações contra a sua própria vontade. Em 1907, Lanzer entrou no consultório de Freud para se tratar. Temia que se não fizesse o que essa incómoda ‘voz interior’ lhe ditava, coisas terríveis aconteceriam ao seu pai ou à futura noiva. Muitas vezes, desde que um camarada na recruta lhe falara de uma certa tortura chinesa, tinha pesadelos com ratos. Para não variar, o médico vienense fez remontar os problemas à infância e associou-os à sexualidade – ao desejo, ao prazer e à culpa. Poderia ser de outra forma? O certo é que o tratamento ao jovem advogado foi coroado de sucesso.
A guerra dos ratos
Medo de ratos: ora aí está uma das fobias mais comuns. «O horror a ratazanas e ratos», explica Summerscale, «que recebeu o nome de ‘musofobia’, do grego mus, ‘rato’, pode ser causado pela nossa prudência inata em relação a criaturas que contaminam alimentos e são portadoras de doenças».
Uma das vítimas desta fobia foi o escritor inglês George Orwell (1903-1950), pseudónimo literário de Eric Arthur Blair. No seu livro sobre a Guerra Civil de Espanha, Homenagem à Catalunha, o autor conta como dormia num celeiro onde «as nojentas criaturas saíam aos magotes do chão por toda a parte». Quem não ficaria horrorizado? «Um dia», continua Summerscale, o escritor «ficou tão sobressaltado ao ver uma ratazana ao seu lado numa trincheira que pegou no revólver e matou a criatura». Certa vez, nos seus tempos como polícia na Birmânia, Blair tinha ficado com um enorme peso na consciência por ver-se forçado a abater um elefante. Matar uma ratazana era um assunto bem diferente. Porém, se não levantava grandes questões filosóficas ou morais, o tiro que fulminou o pequeno roedor originou uma enorme confusão de ordem prática: tanto republicanos como nacionalistas pensaram que tinha havido um ataque do inimigo e puseram-se a disparar desalmadamente.
Outro receio desgraçadamente comum e relacionado com animais é o de aranhas. «Cerca de 4 por cento das pessoas ficam aterrorizadas com aranhas», esclarece a autora. «Numa tentativa de perceber o sentido evolutivo da aracnofobia, o biólogo Tim Flannery especulou que pode ter havido uma aranha muito perigosa na zona da África onde o Homo sapiens surgiu pela primeira vez como espécie». A busca surtiu efeito, Flannery encontrou uma candidata: «a aranha da areia de seis olhos (Sicarius hahnii) é uma criatura com a pele semelhante a couro e parecida com um caranguejo que se esconde sob a superfície do deserto da África do Sul». Se isto ainda não parece suficientemente assustador, acrescente-se que a Sicarius (palavra que em latim significa ‘assassino’) «monta uma emboscada à sua vítima e tem uma picada venenosa que pode matar crianças».
Será esta a explicação para o tão comum medo instintivo de aranhas? Pode haver também motivos culturais. «Segundo o psicólogo Graham Davey, durante centenas de anos as aranhas foram consideradas culpadas pelas pestes que atingiram a Europa: só no século XIX é que as pulgas das ratazanas foram identificadas como os verdadeiros agentes de infeção». Num estudo de 1994, o psicólogo notava que os europeus são especialmente suscetíveis a estes artrópodes de oito pernas: «em zonas de África e das Caraíbas as aranhas não são vilificadas como criaturas sujas, mas consumidas como uma iguaria».
Pele de foca contra trovoadas
Vamos agora recuar ao tempo de Augusto, o primeiro imperador de Roma. Sobrinho-neto, filho adotivo e herdeiro de Júlio César, Octaviano (o título de Augusto só viria mais tarde) tinha apenas 18 anos quando o ditador foi assassinado, nos idos de março de 44 a.C. Isso não o impediu de perseguir os assassinos do seu tio-avô e de iniciar uma campanha bem-sucedida rumo ao poder. Primeiro, dividiu-o com Marco António e Lépido, na modalidade de triunvirato. Mas, aos poucos, a sua ambição política foi-se tornando mais e mais evidente. Octaviano tornou claro que não queria dividir o poder com ninguém, muito menos com António e a sua rainha oriental, Cleópatra VII Filopátor, que ameaçavam deslocar o centro de gravidade do império para o Egipto.
No dia 2 de setembro do ano 31 a. C., os dois exércitos adversários defrontaram-se junto à costa da Grécia – estima-se que 400 navios de cada lado. A frota de Marco Agripa, o homem de Octaviano, derrotou a de António e Cleópatra, que ainda assim conseguiram escapar. Um ano depois, Octaviano entrava triunfalmente no Egipto e António e Cleópatra suicidavam-se para não serem capturados: ele deixando-se cair sobre o gume de uma espada; ela, segundo a lenda, com a mordedura de uma víbora.
Mas o poderoso Octaviano, que eliminara os assassinos de César e os seus próprios concorrentes um a um, também tinha um ponto fraco: medo de trovoadas. Foi um médico de Nova Iorque de finais do século XIX, George Miller Beard, que «deu àquele problema o nome de brontofobia (do grego bronte, ‘trovão’) e referiu que era muitas vezes acompanhado por astrofobia (de astrape, ‘relâmpago’)». Sempre que ouvia o ribombar do trovão, Octaviano, mais tarde Augusto, procurava «rapidamente abrigo debaixo de uma cama ou numa cave subterrânea». Apesar de toda a sua coragem, poder e confiança, perante uma trovoada o imperador comportava-se como uma criança assustada. E mais: viajava sempre com uma pele de foca, que acreditava ser um amuleto protetor contra as tempestades elétricas. Outro ilustre brontofóbico seria o escritor irlandês James Joyce. Em pequeno, a governanta ensinara-o a benzer-se de cada vez que via cair um relâmpago.
Hitchcock: pássaros e ovos
Quando se fala de medos irracionais, um dos nomes capazes de nos acorrer à mente é o de Alfred Hitchcock, o mestre do terror e do suspense.
Nos seus filmes e séries, o cineasta tanto podia contar a história de uma pessoa que era enterrada viva, como de um detetive que sofre de vertigens ou de um rececionista de motel que vive e fala com o cadáver da mãe. O mais célebre dos filmes de Hitchcock é talvez Os Pássaros, que se inspira nalguns relatos que davam conta do comportamento agressivo das aves numa cidade costeira da Califórnia, em 1961.
Afinal, tal como os relâmpagos, também os pássaros caem do céu e podem ser imprevisíveis.
Na longa-metragem de 1963, inspirada no romance homónimo de Dafne du Maurier, as gaivotas começam inexplicavelmente a atacar as pessoas na rua e, entre as personagens, há quem ache que isso é um sinal do Apocalipse. O cartaz do filme ostenta duas frases do próprio realizador, com o seu sentido apurado da publicidade: «Talvez seja o filme mais assustador que eu alguma vez fiz!». «… E lembre-se: o próximo grito que vai ouvir talvez seja o seu».
Curiosamente, Hitchcock não dizia ter medo de pássaros, mas sim de ovos. Seria uma variante da claustrofobia, o medo de espaços fechados, neste caso o desconforto por saber que pode haver um animal aprisionado dentro da casca? «Um ovo era apenas superfície ou apenas interior: impenetrável, horrivelmente intacto, quer estivesse inteiro ou partido, com casca ou viscoso», nota Kate Summerscale. E cita uma entrevista de Hitchcock à jornalista italiana Oriana Fallaci. «Alguma vez viu uma coisa mais repugnante do que uma gema de ovo a rebentar e a espalhar o seu líquido amarelo? O sangue é alegre, vermelho. Mas a gema de ovo é amarela, repugnante. Nunca provei.»
Em conversa com o seu biógrafo, o cineasta acabaria porém por se descair, revelando que «costumava comer ovos escalfados com torradas quando servia no Real Regimento de Engenharia». Resumindo: provavelmente havia uma certa dose de exagero nas suas manifestações de repugnância por ovos… a menos que esta se tivesse intensificado com a idade.
O medo de palavras compridas
E é chegada a hora de revelar, de forma sucinta, o que se encontra por detrás dos estranhos nomes referidos no início do texto. Ablutofobia: o medo de tomar banho. Afeta sobretudo crianças, mas não só. «O receio de tomar banho era comum na França do início do século XIX». E há quem suspeite que se prolongou até tempos mais recentes…
Coulrofobia: medo de palhaços. Stephen King tornou-o palpável com o seu romance A Coisa, de 1986.
Pnigofobia: «receio de asfixiar com comprimidos, líquidos ou alimentos».
Trisquaidequadofobia: medo do número 13. Summerscale cita Stephen King: «Quando estou a escrever, nunca paro de trabalhar se estiver na página número 13 ou num múltiplo de 13; continuo até estar num número seguro.»
Também há um nome específico para o medo das sextas-feiras 13: parasquevidequatriafobia. Com 24 letras, é um vocábulo comprido, mas não tanto como hipotomonstrosesquipedaliofobia: «uma palavra parcialmente disparatada que foi inventada, talvez na década de 1970, para descrever o medo de palavras compridas», explica a autora. «‘Sesquipedaliofobia’ seria o bastante para transmitir a ideia».
E, por último, koumponofobia: o medo de botões. Será uma projeção do receio de estar preso, como o botão fica preso na sua casa? Ou será por o formato do botão poder parecer-se com o de um inseto? Summerscale apresenta um caso que sugere uma explicação mais rebuscada: «Um homem que tinha fobia de botões lembrava-se de olhar para os botões da camisa do dentista quando era criança durante um doloroso tratamento dentário – talvez os botões lhe fizessem lembrar dentes, pendurados na gengiva em fibrosos filamentos ou a cair com um ruído seco no tabuleiro metálico do dentista. Os botões estão para as roupas como os dentes estão para os corpos: são partes que podem soltar-se e cair».
Uma das vítimas desta fobia era Steve Jobs, o fundador da Apple, que por isso usava sempre camisolas de gola alta – pretas, feitas de encomenda pelo estilista japonês Issey Miyake.
Que se tenha medo de aranhas ou trovões é perfeitamente compreensível. Em certas circunstâncias, podem matar-nos. Agora, que sentido faz ter medo de ovos ou de botões? Podemos encontrar uma pista na resposta que Hitchcock deu a Oriana Fallaci quando esta disse que os seus filmes eram ilógicos. «'Concordo’, declarou Hitchcock descontraidamente. ‘Mas o que é a lógica? Não há nada mais estúpido do que a lógica.’»