por Luís Filipe Pereira
Economista, gestor
A situação política e institucional do país tem vindo a degradar-se significativamente em consequência do comportamento do Governo face às revelações surgidas no âmbito da CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito ao ‘caso’ TAP.
No âmbito dos trabalhos desta CPI, a propósito da averiguação dos termos e condições em que foi atribuída e de quem tinha sido responsável pela autorização da avultada indemnização à ex-administradora da TAP, Alexandra Reis, o país teve conhecimento que o então ministro das Infraestruturas (MI), último responsável pela tutela da empresa, começou por afirmar que não se lembrava de tal indemnização para depois se vir a descobrir que ele próprio a tinha autorizado.
Também o atual MI na sua audição na CPI, respondendo às graves acusações do seu ex-adjunto, pretendeu dar uma versão dos acontecimentos ocorridos no seu Ministério que é pouco ou nada verosímil e que não resiste ao mais simples e elementar dos raciocínios.
A versão do MI pretende convencer o país de que o seu ex-adjunto queria roubar um computador com informação classificada, tentando refutar a acusação por este feita, na CPI, de que a verdadeira intenção do MI era o de o impedir de ter acesso e de tornar públicas as notas que ele tinha elaborado, contidas no computador em causa, que relatam a reunião que o MI manteve com a ex-CEO da TAP e também aquela efetuada entre esta responsável, o Grupo Parlamentar do PS e elementos de gabinetes de membros do Governo, na véspera da audição da ex-CEO na Assembleia da República
A versão do alegado roubo do computador, afirmada pelo MI e corroborada e sustentada pelo primeiro-ministro, levanta várias questões que qualquer pessoa, atenta e com bom senso, não pode deixar de colocar. as quais, sem respostas claras, concludentes, tornam insustentável a versão do Governo:
– Qual foi o móbil do ex-adjunto? Manter na sua posse (vender?!) informação sensível? Mas o ex-adjunto detinha esta informação há meses ou anos e era um homem de confiança política do MI (e do seu antecessor) até ao momento em que fez saber que teria de revelar as notas que relatam as reuniões havidas com o ministro, a ex-CEO e o Grupo Parlamentar do PS, se fosse chamado a depor na CPI.
– Se a causa do despedimento do ex-adjunto não teve por objetivo impedir que este revelasse publicamente as notas das reuniões, como afirma o MI, foi absolutamente indispensável, para recuperar o computador alegadamente roubado, que esse despedimento fosse efetuado com extrema urgência, pelo telefone, a horas tardias, e cessando abruptamente uma relação de anos de confiança do ex-adjunto com o PS? O ex-adjunto deixou de ser repentinamente confiável?
– Se o motivo para as cenas lamentáveis e degradantes para o prestigio de uma instituição, como o Ministério das Infraestruturas, se deveu, por parte das pessoas afetas ao MI (chefe de gabinete e adjuntas), ao intuito de recuperar o computador que alegadamente tinha sido roubado, e que continha informação classificada e não porque aquele computador detinha o relato das reuniões havidas, como se compreende que não tenha havido idêntica preocupação e determinação, até com o emprego de força física, em relação ao smartphone do ex-adjunto que tinha capacidade e possibilidade de conter também a mesma informação classificada? Porque neste não estavam as notas das reuniões?
A forma como o SIS foi envolvido na recuperação do computador continua hoje a não ser deliberadamente esclarecida pelo primeiro-ministro e os outros membros do Governo envolvidos.
Insistentemente questionados, recusam sistematicamente dar uma resposta clara, conclusiva, a questões simples que podiam e podem ser respondidas de forma direta sem tergiversações, jogos de palavras e habilidades argumentativas: Quem autorizou o envolvimento do SIS? Se tinha havido um roubo porque foi o SIS envolvido, que não tem competências legais para o fazer, e não a Polícia Judiciária (ou a PSP)?
Esta recusa sistemática de não responder de forma objetiva, esclarecedora, a questões simples e diretas, levou um órgão de Comunicação Social (O Observador) a noticiar recentemente: Costa e Mendonça Mendes fugiram 28 vezes a confirmar a versão de Galamba.
É evidente que esta afirmação apenas vincula aquele órgão de Comunicação Social e os autores da noticia, mas não deixa de ser uma consequência da indefinição deliberada (pantanosa) criada e mantida pelo Governo quanto a esta questão.
Em síntese, as razões para este comportamento do Governo não são difíceis de encontrar. Têm a ver com a sua dificuldade de explicar duas situações muito graves que põem em causa as regras democráticas e o regular funcionamento das instituições.
A primeira situação tem a ver com a atuação do MI, sempre apoiado e sustentado pelo primeiro-ministro, o qual depois de muito instado e depois das declarações do seu ex-adjunto na CPI, admitiu que tinha tido uma reunião com a ex-CEO e promovido uma outra reunião em que esta responsável esteve conjuntamente com o Grupo Parlamentar do PS e membros dos gabinetes do Governo, entre eles o seu então adjunto.
Esta reunião permitiu preparar a ex-CEO para as questões que os deputados da CPI lhe iriam colocar no dia seguinte. Que outra razão poderia existir para uma reunião ocorrida na véspera da audição daquela responsável na CPI, tendo mesmo sido noticiado na Comunicação Social as questões que um deputado do PS, presente nessa reunião, lhe iria fazer no dia seguinte na CPI?
Esta atuação representa uma intromissão inadmissível do Governo na ação, nos poderes e nas competências de outro órgão de soberania – a Assembleia da República – o que configura uma situação objetiva de um funcionamento irregular das instituições.
A segunda situação tem a ver com a potencial utilização de um Serviço do Estado – o SIS – pelo Governo o que configura também um irregular funcionamento das instituições.
Como atrás referi, a atuação do Governo, não querendo responder de forma clara, conclusiva às questões que lhe são colocadas quanto ao envolvimento do SIS, mantendo deliberadamente uma situação de indefinição, só alimenta a convicção de que terá havido uma utilização ilegal e abusiva do SIS.
O Governo deveria ser o principal interessado, em nome das regras e da transparência democrática, em esclarecer rápida e cabalmente toda esta situação, deixando de iludir e de fugir às questões que são colocadas e cujas respostas qualquer cidadão gostaria (e tem o direito) de conhecer.
Os governos do PS ao longo dos últimos sete anos, não só foram incapazes, por um lado, de resolver os problemas dos portugueses na saúde, na educação, na justiça, na habitação etc., como é largamente referido na comunicação social, penalizando em especial a população mais carenciada e desfavorecida (que diz defender), e isto apesar da elevadíssima carga fiscal (que está 32% acima da média dos países da União Europeia (Fonte: Autoridade Tributária), como, por outro lado, está na origem do progressivo empobrecimento do país.
Portugal, nos últimos 7 anos, foi ultrapassado em termos de riqueza gerada, por países do Leste Europeu, que estavam numa situação muito mais atrasada em termos económicos e sociais e encaminha-se para a cauda da Europa. Em 2015, Portugal estava acima de 10 países da União Europeia e em 2021 o PIB per capita é apenas superior a 5 outros Estados Membros.
Desde 2015 o PIB per capita português desceu de 78% da média europeia para 74% em 2021 (dados do Eurostat).
Ao fim de sete anos de Governos Socialistas o país encontra-se numa situação generalizada de baixos salários (mais de 50% dos trabalhadores têm salários inferiores a 1.000 euros por mês – fonte MTSS), de baixas pensões (82% dos pensionistas vivem com reformas abaixo de 665 euros/mês – Fonte SS), de elevados níveis de pobreza (cerca de 2,6 milhões de pessoas, ¼ da população, vive com menos 660 euros/mês e sem transferências sociais quase metade da população seria pobre – dados do INE referidos a 2021) e de emigração massiva (nos últimos 7 anos a emigração supera já os 90% daquela registada nos anos 60, considerada a mais elevada de sempre – dados da Pordata).
A este sombrio panorama junta-se agora toda a situação atrás descrita que põe objetivamente em risco o regular funcionamento das instituições democráticas, como acima se referiu.
Numa democracia é fundamental que o Governo procure e consiga alcançar um melhor nível de vida e de bem estar para a população (o que não tem acontecido em Portugal nos últimos sete anos) mas é igualmente fundamental e determinante que os princípios e valores democráticos e as regras e funcionamento do Estado democrático sejam respeitados. Se tal não acontecer é o prestigio das instituições que está em risco e a própria coesão social que está comprometida.