Os solos portugueses estão incrivelmente secos. No fim de maio, 36% do território continental encontrava-se em seca severa ou extrema. Com o verão a aproximar-se, a tendência é para a situação agravar, depois de os valores de precipitação também não serem nada animadores nos últimos meses de primavera. Este abril foi o terceiro mais seco e o quarto mais quente desde 1931. Choveu apenas 23% do valor normal. Maio também não deu tréguas: a precipitação foi 35% abaixo do normal.
Ano após ano, quando os termómetros começam a indicar um aumento da temperatura e o risco de incêndio volta a estar na ordem do dia, soam os alarmes. Contudo, assim que esta época mais adversa passa, o tema volta a cair no esquecimento e o país mergulha no campo das intenções, sem nunca partir para a ação.
Apesar disso, há quem vá apontando o caminho para que Portugal consiga fazer uma melhor gestão da sua água, criando infraestruturas que permitam fazer chegar este recurso aos locais onde se registam as maiores carências.
Uma das soluções que tem sido apresentada para combater a seca é o transvase da água, isto é, a transferência de água entre bacias. Este género de infraestruturas consiste na criação de canalizações, abertas ou fechadas, dependendo dos quilómetros que a água vai ser transportada e da evaporação existente nas respetivas zonas, que liguem diferentes locais. A hipótese não é nova, mas tem sido recuperada nos últimos tempos. Um dos defensores desta ideia é Carlos Mineiro Aires, antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros. Quando relançou esta discussão, no ano passado, mereceu a reprovação dos seus pares, nomeadamente de Joaquim Poças Martins, como escreveu o i na altura.
A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) também chegou a defender a construção de novas ‘autoestradas da água’ com o transvase de afluências de norte para sul do país.
A verdade é que já existem transvases em Portugal, mas a relutância em relação a esta questão continua a ser muita.
“Transvases sempre houve, há um no Alqueva, da bacia do Guadiana para a bacia do Sado, há outro na Cova da Beira, da bacia do Douro para a bacia do Tejo. Agora, os receios começaram a aparecer quando houve algumas experiências que deram alguns problemas, nomeadamente em Espanha, que tinham que ver com a qualidade da água”, explica ao i António Carmona Rodrigues.
Há vários anos que ambientalistas denunciam o agravamento da poluição das águas provenientes de Espanha, sobretudo no rio Tejo.
O engenheiro hídrico e antigo ministro das Obras Públicas, que foi recentemente designado para o cargo de presidente do Conselho Consultivo da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), não tem uma posição desfavorável à construção de transvases, mas considera que devem ser introduzidas orientações que definam em que condições é que se pode transvasar de uma bacia para outra.
“Quando se transvasa água de uma bacia chamada doadora, a bacia recetora deve fazer prova de que já faz um bom uso da água. Não faz sentido estar a tranvasar água para uma bacia recetora que tem uma baixa taxa de eficiência da água ou que não cumpre determinadas regras”, alerta.
Um dos riscos que este género de infraestruturas acarreta é precisamente o impacto que pode ter nas disponibilidades de água das bacias doadoras. Exemplo disso é o que se passa no transvase Tejo-Segura, em Espanha, uma das maiores obras de engenharia hidráulica na Península Ibérica.
“Todos aqueles municípios à beira Tejo, como Toledo, andam sempre preocupados porque às vezes têm pouca água e estão a transvasar água para o Segura, não só para agricultura, mas também para atividades menos prioritárias, como para aproveitamentos turísticos”, corrobora Carmona Rodrigues.
Também por essa razão o ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa sublinha que “deve ser igualmente avaliado se há consequências positivas ou negativas tanto para a bacia recetora como para a bacia doadora”.
captação de águas pluviais pode ser solução? Com a seca a tornar-se uma realidade cada vez mais inescapável, algumas das soluções emergentes para o problema da escassez de água passam também pela dessalinização e reutilização de águas residuais (ver págs. 10-11). Mas há quem defenda soluções menos radicais e dispendiosas.
Armando Silva Afonso, que se dedica há vários anos ao estudo da eficiência hídrica em edifícios, acredita que a aposta deveria passar pelo aproveitamento das águas pluviais.
Esta solução apresenta menores custos, nomeadamente de manutenção, e menores riscos sanitários, mas tem também um duplo papel perante as alterações climáticas: “Por um lado, ajuda a amortecer cheias e inundações e pode conduzir a uma redução dos caudais de cheias na ordem dos 20%, o que é um valor muito significativo tendo em conta que vamos ter cada vez mais precipitação concentrada, o que contribui para um maior risco de cheias. E, por outro lado, permite substituir a água potável por não potável para certas utilizações”, referiu o professor catedrático (já aposentado) do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro, em declarações ao i.
As águas pluviais podem suprir alguns dos consumos nas habitações, seja em autoclismos, máquinas de lavar, sistemas de rega, etc. Além de contribuírem para a preservação dos mananciais de água doce no inverno e para a disponibilidade de água nas barragens quando chega o verão. Contudo, ao contrário de países como o Brasil, onde já é obrigatório o uso da água das chuvas em novas edificações, Portugal ainda não deu passos significativos para legislar soluções que permitam a circularidade da água.