Tutti Frutti

O PSD parece conformado com um eterno segundo lugar, aspirando essencialmente a fazer acordos com o PS…

Por Luís Menezes Leitão

 
 

A operação Tutti Frutti constitui um trágico sintoma de tudo o que está mal na justiça e na política portuguesa, representando infelizmente mais uma demonstração do descrédito em que as nossas instituições têm caído nos últimos tempos.

Em relação à questão da justiça, é extremamente grave que uma investigação que decorre há sete anos não tenha tido qualquer evolução durante esse período. Confrontada com a situação, a procuradora-geral da República limitou-se a dar a desculpa recorrente da falta de meios. É verdade que existe uma manifesta falta de meios na justiça, resultante da ausência total de investimento no sector, mas a mesma não pode justificar o não avanço de uma investigação com esta relevância para o sistema democrático. Seja para arquivar ou para acusar, é mais do que tempo de esta investigação ser encerrada.

 

Mas a principal questão que esta operação levanta é de ordem política, demonstrando uma proximidade perigosa entre os dois principais partidos portugueses, o PS e o PSD, numa questão com tanto relevo, como o são as eleições autárquicas na capital do nosso país. A simples possibilidade de ambos os partidos se terem concertado para apresentar candidatos mais fracos nas juntas de freguesia que o outro partido governava é demasiado grave para que a mesma não tenha uma resposta política adequada. Neste aspecto é importante que o presidente do PSD tenha solicitado ao Conselho de Jurisdição do partido uma sindicância à escolha dos candidatos a essas eleições. Espera-se que, ao contrário do que ocorre com a investigação do Ministério Público, esta sindicância seja rápida e permita rapidamente chegar à descoberta de tudo o que se passou. Neste âmbito, o facto de se saber que os deputados do PSD reagiram mal à menção do caso no Parlamento pelo seu líder parlamentar é um sintoma preocupante, quando deveria haver uma absoluta transparência sobre este assunto.

 

Na verdade, o caso Tutti Frutti constitui o mais gritante exemplo de uma ligação entre os dois principais partidos do país, que nunca deveria existir. Efectivamente, o PSD tem neste momento um problema muito sério, que atravessou toda a liderança de Rui Rio e que pelos vistos persiste na liderança de Luís Montenegro, que é o espírito de Bloco Central, o que lhe torna extremamente difícil realizar uma efectiva oposição a este Governo. Na verdade, o PSD parece conformado com um eterno segundo lugar, aspirando essencialmente a fazer acordos com o PS. É por isso que o PSD está neste momento a fazer um acordo com o PS para uma revisão constitucional, que limitará os direitos fundamentais dos cidadãos, apenas para legitimar as grosseiras inconstitucionalidades que o Governo praticou durante a pandemia. Em lugar de defender a Constituição e os direitos fundamentais dos cidadãos, o PSD apoia uma revisão constitucional para defender a anterior política do Governo PS. No preciso momento em que os direitos fundamentais dos portugueses estão em risco, com o SIS a perseguir cidadãos para lhes exigir a entrega de computadores na via pública,  com o aval do seu Conselho de Fiscalização, o PSD acha que deve apoiar o PS na restrição dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição.

 

E o PSD já está por isso a desvalorizar as eleições europeias, admitindo perdê-las por pouco. Enquanto António Costa derrubou António José Seguro no PS por ter ganho as eleições europeias por poucochinho, Luís Montenegro acha que se pode manter na liderança se ganhar as eleições europeias por poucochinho. O PSD está assim com um claro espírito derrotista, o que o impede de se assumir como alternativa de Governo.

Tudo isto parece de facto muito tutti frutti. Apesar de parecer uma expressão italiana, Tutti Frutti é uma criação do americano Ray Motorhead na década de 50, que pretendeu juntar todas as frutas num único sabor. Mas, na verdade, a sua criação não passa de um composto de substâncias aromáticas sintéticas, que não traz qualquer benefício à saúde, e tem um sabor absolutamente insípido. Ora, na política é essencial que os eleitores saibam precisamente o que diferencia as diferentes propostas eleitorais. 

 

É por isso mais do que altura de o PSD se definir como efectiva oposição, acabando com esta proximidade ao PS, e rejeitando quaisquer acordos com este, incluindo na revisão constitucional e nos serviços de informação. Ponham os olhos no que fez Cavaco Silva quando, depois do Congresso da Figueira da Foz, acabou com o Governo do Bloco Central, terminando com uma fase do PSD muito semelhante à que o mesmo actualmente atravessa.