Conversas para camelos

João Galamba não ficou, pois, em pânico por causa da informação ‘classificada’ que o adjunto tinha no computador – mas sim por causa de toda a informação que ali estaria armazenada e que poderia comprometê-lo.

Tive um colega que, ao ouvir certas conversas que à vista desarmada se percebia serem enganosas, tendo por único objetivo deitar areia para os olhos dos incautos, dizia: «Isso é conversa para camelos».

Lembrei-me disto ao ouvir as explicações avançadas por João Galamba e pelo próprio António Costa nesta história da TAP.

Primeiro, oito anos depois da privatização da companhia, o Governo veio alegar que o negócio foi mal feito, que prejudicava o Estado português, que David Neeleman era basicamente um parlapatão, pelo que a reversão da privatização se revelou não só necessária como inevitável.

Ou seja, os problemas da TAP deveram-se à venda feita à pressa pelo Governo de Passos Coelho, não tendo o Governo socialista qualquer responsabilidade no pesadelo que se seguiu.

Ora, aqui está uma típica ‘conversa para camelos’.

Pelo que sei, o negócio foi correto e legal.

David Neeleman era (e é) um empresário competente e respeitado no setor, e as decisões que tomou enquanto geriu a companhia foram racionais.

Finalmente, a privatização da TAP estava explicitamente prevista no memorando da troika assinado por José Sócrates: «Esperamos que as condições do mercado permitam a venda destas duas empresas [REN e EDP], assim como da TAP, até finais de 2011» – diz-se lá.

A venda da TAP não foi, pois, uma invenção do Governo de Passos Coelho mas sim o cumprimento de uma exigência dos credores.
 
O que António Costa quis esconder é que o negócio não foi revertido por razões técnicas ou empresariais: foi revertido por razões ideológicas.

Aliás, na mesma altura, foram anuladas outras decisões do Governo PSD/CDS, como as privatizações de empresas de transportes públicos urbanos.

Muito provavelmente, essas reversões foram impostas pelo BE e pelo PCP na assinatura do acordo de formação da ‘geringonça’, cujas condições nunca foram divulgadas. 

Costa tentou, assim, atirar habilmente para cima do Governo anterior todos os erros resultantes dessa decisão irracional.

As razões que invocou foram uma mascarada para esconder o imbróglio em que o seu Executivo se meteu ao trazer outra vez a TAP para a esfera do Estado. 

Outro exemplo de ‘conversa para camelos’ são as explicações dadas para a intervenção do SIS na recuperação do computador do adjunto de Galamba.

Não digo, como outros, que essa intervenção foi «gravíssima».

Confesso que não tenho o SIS em grande conta. 

Conheci bem um diretor daquela polícia, e o que ele me contava não abonava muito a seu favor; fiquei mesmo convencido de que os meus jornalistas eram bem mais competentes em matéria de investigação do que os seus agentes.

Não me interessa, portanto, quem ligou ou não ligou para o SIS, quem aconselhou a chamar o SIS, a que horas foi chamado o SIS, etc.

Tudo isso faz parte da pequenina luta partidária. 

O que nesta história me chocou foram as explicações de Galamba e do próprio António Costa.

Ambos tentaram vender a ideia de que a intervenção do SIS se justificava plenamente, porque no computador de Frederico Pinheiro estava informação ‘classificada’.

Nessas condições, o seu ‘roubo’ punha em causa a ‘segurança do Estado’.
Ora, este argumento não podia ser mais enganador. 

Para começar, o computador não estava ligado à rede do Ministério, pelo que não podia aceder a outra documentação além da que lá estava armazenada.

Depois, qual era a informação ‘classificada’ que o computador continha?

Eram documentos que lá se encontravam há muito tempo e tinham sido classificados pelo próprio Frederico Pinheiro!

Se este fosse um perigoso espião, como foi sugerido por Galamba, já teria copiado os documentos para outra fonte. 

E, se não o tivesse feito, quando foi ao Ministério buscar as suas coisas poderia tê-los passado para uma minúscula pen, saindo de lá com ela tranquilamente no bolso, sem necessidade daquele estardalhaço de quatro mulheres agarradas à sua mochila para lha arrancarem das costas.

João Galamba não ficou, pois, em pânico por causa da informação ‘classificada’ que o adjunto tinha no computador – mas sim por causa de toda a informação que ali estaria armazenada e que poderia comprometê-lo.

Esta é a verdade.

Galamba ficou em polvorosa por razões pessoais e não por razões de Estado.

A invocação das ‘razões de Estado’ foi uma ‘conversa para camelos’ arranjada à pressa.

E António Costa, que não é parvo, percebeu-o perfeitamente – pelo que as explicações que deu sobre o assunto foram pouco sérias, destinando-se a defender o ministro para não ter de o demitir. 

Ora, isto não é aceitável. 

Um primeiro-ministro pode estar iludido num qualquer assunto, isso perdoa-se; o que não se perdoa é que tente intencionalmente enganar os cidadãos.

Assim, aqueles que consideram que esta questão da TAP não tem importância nenhuma, que é simples folclore, que devíamos estar a discutir coisas ‘mais importantes’, estão a ver mal o problema: ela destruiu a credibilidade de um ministro e minou a de um primeiro-ministro. 

Já ninguém acredita no que Galamba possa dizer; e António Costa vai pelo mesmo caminho. 

O grande capital de um homem público é a confiança na sua palavra.

É isso que lhe garante a autoridade e assegura a importância daquilo que diz.

Ora, nesse aspeto, Galamba e António Costa saem muito mal desta história.