No dia em que o Manchester City se sagrou rei da Europa após conquistar a Champions League, também o Reino Unido dominou o Primavera Sound, com atuações concorridíssimas (e com alguns problemas técnicos) de grandes representantes das terras de sua majestade, nomeadamente Blur ou New Order.
Comecemos pelos cabeças de cartaz deste derradeiro dia, os Blur de Damon Albarn foram responsáveis por uma das mais impressionantes enchentes do Palco Porto (que, pelo segundo dia consecutivo, continuava com um cheiro insuportável) e brindaram os seus leais fãs com um concerto repleto de hinos, desde as festivaleiras Parklife e Boys & Girls, faixas mais contemplativas como a Sing, da fase em que a banda ainda piscava o olho ao movimento de shoegaze, malhas rockeiras, Song 2, e a baladas que foram cantadas em plenos pulmões, caso de The Universal.
Sem sair muito dos moldes típicos dos seus concertos e sem carregar muito no “acelerador”, a banda londrina cumpriu o seu trabalho e satisfez o apetite das diversas gerações presentes no concerto. O britpop continua vivo.
Minutos antes da atuação dos Blur, a banda de Manchester, New Order, ofereceu um dos melhores concertos do dia, apesar de ter enfrentado diversos obstáculos, com problemas técnicos, durante a performance da faixa True Faith, que obrigaram a banda a interromper o concerto em duas ocasiões.
Apesar de não terem conseguido concluir esta música, a banda, agora liderada por Bernard Sumner, regressou e, perante os fieis fãs que não arredaram pé, tocaram a épica Blue Monday, uma das mais importantes faixas no cânone da música eletrónica, Temptation – que teve um belo momento de fraternidade com grande parte dos “resistentes” da audiência a cantarem o refrão – e Love Will Tear Us Apart, um tributo aos Joy Division, banda cujo final abriu as portas à criação dos New Order.
Apesar do grupo de Manchester por vezes transparecer uma aura gélida e impessoal, toda esta situação serviu para mostrar que os New Order são apenas humanos defeituosos e a como lidaram o problema ofereceu aos artistas e à sua música uma nova dimensão humana e calorosa.
Foi um momento especial e é bonito ver como pessoas que, provavelmente, já podiam levar um neto para o festival continuam a saltar de alegria e entusiasmo quando ouvem os acordes iniciais da Love Will Tear Us Apart como se fosse pela primeira vez.
A invasão britânica não estaria completa sem falar da estreia a solo – já tocaram com os Franz Ferdinand, em FFS, no Super Bock Super Rock – em Portugal dos Sparks (a banda americana mais britânica de sempre, adotando o humor típico deste país, assim como o seu sotaque), que vieram apresentar o seu disco mais recente, The Girl Is Crying In Her Latte, editado no final de maio.
Com uma popularidade rejuvenescida depois de terem sido alvo de um documentário do realizador inglês Edgar Wright, os Sparks conquistaram uma nova audiência que, aliada aos seus fiéis seguidores, tem tido a oportunidade de pisar alguns dos maiores palcos por onde tocaram na sua carreira.
Com uma discografia que inclui 25 discos, os grupos formados pelos irmãos Ron e Russell Mael fizeram o seu melhor esforço para viajar e apresentar a maior parte da sua discografia, assim como do seu trabalho mais recente.
O resultado nem sempre foi o melhor, acabando por tocar algumas músicas mais esquecíveis, deixando grandes canções (como Amateur Hour ou My Baby's Taking Me Home), contudo, a sua performance, com o interessante contraste de personalidade entre os dois irmãos, alegre e energético Russell (vocalista, 74 anos) com o sisudo e constantemente estoico Ron (teclista, 77 anos), ajudou a manter o público interessado e dedicado ao concerto.
Esta bizarra mistura funcionou e foi correspondida com uma calorosa ovação. Esperemos, agora, que o grupo regresse a Portugal brevemente, de preferência para um concerto que os permita explorar ainda mais a sua discografia e que não deixem nenhuma malha por tocar.
Após abordar estes concertos numa nota positiva, iremos falar agora de uma das maiores desilusões da noite, o concerto de Yves Tumor, dono de um dos melhores discos de 2023, Praise A Lord Who Chews But Which Does Not Consume, que viu a sua performance ser “sabotada” pela péssima qualidade do som do concerto, onde praticamente não era possível ouvir nem a sua voz, nem o microfone dos músicos que o acompanham.
Apesar de uma entrega total, seja na performance, como na interação com os fãs, a qualidade inadmissível do som dos microfones do artista norte-americano acabou por não conseguir transmitir a qualidade das suas músicas mais recentes e não fez justiça ao seu aclamado trabalho.
Este bem pediu aos técnicos para aumentarem o volume, mas foi em vão. Pelo menos, Yves Tumor parece ter-se divertido, acabando por passar uma parte do concerto a cantar à frente dos seus fãs, assim como o seu guitarrista, Chris Greatti, uma “personagem” que parece saída de uma banda de tributo aos Van Halen, que acabou a fazer um solo de guitarra enquanto fazia crowdsurf por cima dos fãs.
Um dos últimos concertos da noite foi Unwound, lendária banda norte-americana de post-hardcore, que regressou no ano passado à atividade, que terminou o seu intenso concerto a distribuir flores aos seus fãs.
Uma imagem que foi tão bela, que queremos imaginar que deveria ser sempre assim que, no futuro, os festivais deveriam terminar: com uma banda a brindar os seus fãs pela paciência e dedicação, especialmente depois de quase quatro dias a apanhar chuva e frio para poderem estar à frente dos seus artistas favoritos.
O Primave Sound regressa em 2024, nos dias 7, 8 e 9 de junho.