As Festas Juninas espalhadas pelo mundo

Não é apenas aqui, em Portugal, que se comemoram os Santos Populares. Apesar de se irem transformando ao longo do tempo, tanto no Brasil como na China, não se deixa passar em branco a data. Humberto Viana, natural de Minas Gerais, explica aquilo de que mais sente saudades das Festas Juninas. Enquanto Vítor Ferreira, dá a…

Não é preciso sair à rua para sentir o cheiro a sardinha que entra pelas janelas e nos invade as casas, principalmente ao final da tarde, dando conta que já chegámos, desde o princípio do mês, a uma das alturas preferidas do ano de muitos portugueses. É sabido que os santos populares que – durante todo o mês de junho –,  animam o país, são, para além de sinónimo de comer e beber bem, motivo para  nos reunirmos com as pessoas de quem gostamos, relembrando as músicas populares com as quais crescemos e que, nesta altura, se tornam a banda sonora preferida de muitos portugueses, nos mais variados cantos de Portugal.

Sardinha assada, caldo verde, caracóis, bifanas, chouriço, salada de pimentos, são apenas algumas das iguarias tradicionais da época que representam bem a forma como “gostamos de nos sentar à mesa”.

O relógio quase marca a meia noite. No entanto, quem passeia pelo Bairro Alto (Bica), Alfama, Graça, ou Mouraria, é possível que julgue que não passam das 21 horas. Nesta altura do ano, parece que a vida acontece a qualquer hora e que ninguém tem pressa de ir para casa, mesmo nos dias de semana. É desta forma que a cidade lisboeta vive a época. As vozes misturam-se. Das barraquinhas que servem os petiscos, ouvimos gargalhadas e cada um tenta vender os seus produtos da melhor forma que consegue, tendo em conta a confusão. As pessoas cantam com chapéus em forma de sardinha, dançam, formam comboios de sorrisos, imitam as danças das marchas populares e oferecem manjericos, mostrando o orgulho de ser-se português. Mas e lá fora? De que forma os outros países vivem os Santos Populares? De que maneira esta “tradição religiosa” se espalhou pelo mundo?

 

As Festas Juninas

Humberto Viana, natural de Minas Gerais, é um tatuador e empresário de 45 anos, dono do estúdio Skin Art Tattoo. Apesar de ter escolhido o Litoral Alentejano como sua casa, há 18 anos, no mês de junho, o seu pensamento está no Brasil, junto dos seus amigos e família. “Neste mês comemoramos os três santos. Ocorrem festas características da data, as chamadas Festas Juninas, onde são feitas danças típicas como a quadrilha, o pau de sebo, a dança das fitas, a barraca do beijo, entre outras”, lembra. “Claro que não podem faltar as comidinhas. Gostamos de caldos quentes, uma vez que estamos no inverno. O  capim canela, o caldo de feijão, o quentão…”, continua.

“Esta altura faz-me sempre viajar até à minha juventude onde participava a 100%, principalmente na dança quadrilha, com roupas tradicionais e passos ensaiados. Eram durante os ensaios e posteriormente no dia da festa que rolavam os engates”, brincou o tatuador. Mas aquilo que mais lhe ficou na memória foram as noites aquecidas e iluminadas por “uma bela fogueira”, onde a população se reunia para a partilha de “uma boa prosa”.  “Sempre foi um período muito feliz para mim. Em Portugal, nunca participei. Por isso, a única coisa que sei é que se come muita sardinha”, admitiu.

Tal como referiu o tatuador brasileiro, no Brasil, as famosas Festas Juninas também são comemoradas durante todo o mês –  de 1 a 30 de junho –, em honra a três santos populares: 13 de junho é o Dia de Santo António, 24 de junho é o Dia de São João e dia 29 de junho é o Dia de São Pedro. Segundo a All Magazine, em todo o país, estas festividades viraram um marco para a cultura popular brasileira. Também conhecida como Celebração do Meio do Verão, as festas ocorrem maioritariamente entre os dias 19 e 25 de junho, ou seja, entre o solstício de verão (no hemisfério norte) e o de inverno (no hemisfério sul).

De acordo com os meios de comunicação internacionais, as comemorações cresceram no Nordeste – neste momento, com eventos que movimentam a economia da região, com destaque para Campina Grande, cidade sede do maior evento de São João do mundo, com um público estimado de 2,5 milhões de pessoas –, acabando por conquistar o coração de quase todo o Brasil. O Rio de Janeiro começa também a ser conquistado pelas festas juninas, mas ainda longe da alegria e ‘loucura’ de Caruaru ou até mesmo João Pessoa.

Os historiadores e sociólogos acreditam que a sua origem esteja diretamente relacionada às festividades pagãs realizadas na Europa durante a passagem entre primavera e verão. As festas tinham como objetivo principal “afastar espíritos maus que pudessem atingir as colheitas que iriam ocorrer durante o mês”. Porém, com o cristianismo tornando-se a principal religião do continente europeu, as comemorações da época começaram a possuir um cunho cristão. Foi a partir desse momento que se começaram a destacar as figuras dos santos. Recorde-se que, neste país, a celebração foi introduzida pelos colonizadores portugueses no século XVI.

Segundo a UOL, quando introduzida no Brasil, a festa era conhecida como festa joanina, em referência a São João, mas, ao longo dos anos, teve o nome alterado para festa junina, em referência ao mês no qual ocorre, junho.

Durante este período são realizadas danças típicas, como o forró ou as quadrilhas. Além disso, também há produção de inúmeras comidas à base de milho e amendoim, como canjica, pamonha, pé de moleque, além de se beberem bebidas como o vinho e o quentão. Nesta altura, as pessoas vestem-se de caipira (pessoa que mora no campo).

Não é apenas no Brasil que se comemoram as festas juninas. A tradição estende-se à Suécia, numa festa apelidada “Midsommar”, considerada mais importante que o Natal, que serve para comemorar o solstício de verão com cantos e danças tradicionais ao redor de um mastro; a Porto Rico, onde São João é o santo patrono e onde um dos principais costumes da festa é o de se jogar de costas para o mar três, sete ou até doze vezes à meia-noite para que o mar leve tudo o que há de mau e permita o começo uma vida nova. Além disso estas festividades passam pelo Peru, por Espanha, Cabo Verde – onde existe um ritual para cada santo –, Canadá, entre outros.

 

O São João em Macau

Na Região Administrativa Especial de Macau, na República Popular da China, também se festeja o São João a 24 de junho, embora a verdadeira festa seja na noite anterior, mas estendendo-se por mais dias. “Sou do Porto, nascido, criado e vivido, como também ‘pertenci’ a Macau durante parte da minha vida”, explica ao i  Vítor Ferreira, professor associado de História da Universidade Fernando Pessoa. “Por isso, o São João é para mim algo idiossincrático, faz parte das minhas vivências. Nunca interrompi a festa, porque em Macau…há São João!”, reforçou, esclarecendo que “não é o São João do Porto, ou de Braga, ou dos Açores e do Brasil”, mas é “uma festa de parte da ‘tribo portuguesa’ de Macau, além de alguns chineses e de todos os curiosos que passam em São Lázaro, bairro antigo da cidade, na sua parte ‘portuguesa’, dentro do Centro Histórico Património da Unesco, nas noites de 23 de Junho”. Segundo o professor, reúnem-se por ali algumas centenas de pessoas, quase todas falantes de português, entre metropolitanos e macaenses.

Trata-se de um arraial, dir-se-ia. Aliás, é a denominação oficiosa do evento, “Arraial de São João” ou “Saint John Festival”, em Macau. “É, acima de tudo, um festival tradicional, de comunidade (lusófona), uma celebração de uma data que, numa qualquer osmose, se ‘confunde’ com a festa do santo”, afirma o especialista. “O santo veio à boleia da vitória dos portugueses sobre os holandeses, em Macau, a 24 de junho de 1622. Um punhado de bravos, entre portugueses reinóis, macaenses (filhos da terra) e alguns chineses, desbaratou por completo mais de 800 holandeses superiormente armados e muito mais preparados, um verdadeiro contingente militar”, contou. Segundo Vítor Ferreira, estes foram derrotados pelos abnegados portugueses, pela sua “coragem” e “pelo santo”, acreditaram muitos, na bênção do Baptista. O dia 24 de junho viria, mais tarde, a ser designado como “o dia do Padroeiro de Macau”. “Até ao adeus português, em 1999. Mas os portugueses mantiveram a festa, de forma mais tímida, mas no sentimento, a efeméride da data e o santo não foram esquecidos”, continuou.

Assim, desde 2007, que passou a haver esta festa de forma mais organizada e concentrada no bairro de São Lázaro. De acordo com o professor, esta festividade é organizada conjuntamente por várias associações e organizações locais ligadas à comunidade portuguesa de Macau. “Destaque-se a entidade que fez renascer a festa depois do handover de 1999, a Associação Macaense”, apontou.

Há música, dança, mostras de gastronomia, performances e atuações culturais de matriz portuguesa. “O significado cultural tem vindo a crescer e é hoje uma festa importante na comunidade portuguesa”, revelou. “Conversa, (re)encontros, cerveja, uns bailaricos informais e umas sardinhas assadas, numa festa que dura alguns dias. O epicentro é a véspera do dia do santo, mas algumas dezenas de barracas, artes e ofícios, jogos e os espetáculos musicais, compõem o todo da festa”, acrescentou.

“Por isso, na primeira pessoa, podia dizer que nas minhas duas cidades, reina o São João e já agora, duas curiosidades: o São João é o único santo (com exceção de Maria) de que se comemora não o dia da morte, mas sim o do nascimento; além disso, é padroeiro de Macau, em boa verdade, mas não o é do Porto, ao contrário do que se pensa!”, frisou.