O (mau) estado da Nação…

Marcelo promete continuar ‘vigilante’. E nas comemorações do 10 de Junho, entregou-se ao simbolismo, apontando a necessidade de ‘cortarmos os ramos mortos que atingem a árvore toda’.

Duas semanas fora de Portugal, com acesso limitado à ‘fita do tempo’ político do burgo, pouparam-nos – revendo o ocorrido – aos contorcionismos semânticos do ‘ajudante’ adjunto do primeiro-ministro, quando testemunhou na comissão parlamentar de inquérito à TAP, sobre os mistérios à volta do SIS; à surpreendente falta de ambição de Luís Montenegro, ao admitir, numa entrevista televisiva, que uma eventual derrota do PSD nas próximas eleições europeias, «por dois ou três pontos», não seria um mau resultado; ou ao ‘render da guarda’ no BE, onde Catarina Martins concluiu um mandato desastroso, que encolheu o grupo parlamentar bloquista de 19 deputados para cinco, preparando-se agora para substituir Mariana Mortágua como inefável ‘comentadora’ televisiva, esse refúgio habitual de políticos no desemprego ou em trânsito para novas sinecuras.

Pior, no entanto, do que esta ‘narrativa’ do quotidiano baço, protagonizada por um governo em queda livre ou por uma oposição esfarrapada, à esquerda e à direita, é a nova tendência de o primeiro ministro se entregar a malabarismos de linguagem, com apartes de ‘compère’ ao estilo da antiga revista à portuguesa, para fugir a perguntas incómodas de alguns deputados.

Percebe-se, por isso, que à falta de obra para mostrar, Costa prefira ‘baratinar’ as oposições com aparente gozo populista, enquanto recruta um exército de plumitivos e de especialistas em propaganda, pagos regiamente pelo erário público, para cuidar do ‘circo’ mediático, e mascarar o descalabro da sua liderança, semeada de ‘casos e casinhos’ que não abonam a sua apregoada habilidade e ‘jogo de cintura’.

No meio disto, os avençados do costume procuram encostar o Chega ao PSD – em nome da estratégia socialista, destinada a convencer Marcelo de que não há alternativa –, passando a mensagem de que mais vale os portugueses aceitarem, abúlicos e agradecidos, as ‘migalhas’ distribuídas, do que embarcarem numa qualquer ‘aventura’ à direita, com André Ventura travestido de Satanás.

Já Eça escrevia, em finais do século XIX, que «o país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada. Os carateres corrompidos (…). Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida».

Claro que de então para cá, o país mudou como seria inevitável, mas manteve intactas as suas idiossincrasias. Basta saber o que está em tramitação na Justiça ou consultar o que já é público sobre investigações policiais complexas e demoradas.

O Estado de Direito marca passo, graças a uma Justiça inoperante, incapaz de julgar Sócrates, Pinho, Salgado e outros suspeitos de várias malfeitorias; a Educação deseduca os alunos da escola pública, instrumentalizados pela ‘luta’ dos professores; a Saúde agrava a doença, sem saída para milhares de pacientes em intermináveis listas de espera; os transportes públicos agonizam no meio de greves intermitentes e rotativas na CP – e de obras mal planeadas no Metro, sem respeito pelos utentes; e a administração pública incha os quadros para encobrir a gritante ineficiência.

E enquanto o PS cerra fileiras para proteger os seus, envolvidos em não poucos embaraços, o PSD tarda em descolar para um projeto que galvanize o eleitorado (como aconteceu agora com o PP nas regionais espanholas), e parece já feliz e conformado com o facto de as sondagens lhe atribuírem ligeira vantagem sobre o PS.

Voltando ao princípio: duas semanas fora do país pouparam-nos a medir de perto a erosão e os estragos de uma governação socialista, novamente atraída pelo pântano do qual fugiu Guterres.

Em Belém, Marcelo promete continuar «vigilante», valha isso o que valer. E nas comemorações do 10 de Junho, entregou-se ao simbolismo, apontando a necessidade de «cortarmos os ramos mortos que atingem a árvore toda».

Com João Galamba por perto, não foi preciso ‘meter explicador’ para se perceber a quem se destinava a parábola.

O certo é que o 10 de Junho não correu bem, desde o discurso elíptico do Presidente, à irritação de Costa com cartazes do protesto dos professores, ou à vaia ouvida por Galamba.

Compreende-se, assim, melhor o retrato pessimista traçado pela sondagem divulgada pelo Expresso, ao revelar uma profunda insatisfação dos inquiridos, desde o combate à corrupção e à criminalidade, aos impostos que recaem sobre o rendimento, ou à Habitação, Educação e Saúde públicas, cujo estado lastimoso só pode gerar frustração e descontentamento.

Apesar de tudo, a economia teve um comportamento positivo, o que prova que a sociedade civil está a mexer, mesmo à revelia do governo e em contraciclo com a degradação continuada dos serviços públicos. O que não ilude o (mau) estado da Nação, sem eco nos discursos do 10 de Junho.