E depois da covid-19? Hábitos que ficam para sempre (ou, pelo menos, por muito tempo)

A maior mudança é óbvia: o modelo híbrido de trabalho. Mas não é a única. Lavam-se mais as mãos, ainda se usam muitas máscaras, o exercício pode ser feito em casa e as igrejas também têm algumas adaptações.

A pandemia de covid-19 trouxe muitas mudanças à vida da sociedade que, ainda que muitas vezes não se aperceba, continua a usá-las. O uso das máscaras, o lavar e desinfetar as mãos mais vezes, o cumprimentar alguém ou até o método de trabalho são muitas das alterações que chegaram à nossa vida por obrigação e que, em muitos casos, vieram para ficar.

No que diz respeito ao trabalho, a maior mudança é, claro está, o teletrabalho. Até março de 2020 parecia impossível para muitos – patrões e trabalhadores – fazer determinadas (ou até todas) tarefas a partir de casa mas a pandemia veio provar que isso é possível. E em muitos casos continua a sê-lo. E, ainda que talvez não em regime total, pelo menos em regime híbrido.

Fernando Neves de Almeida, partner da Boyden Portugal, não tem dúvidas: “Hoje em dia [o trabalho híbrido] serve mais para empresas de serviços e é difícil encontrar alguém que não ofereça o modelo híbrido porque as pessoas agora não querem outra coisa”. Ao i, o responsável detalha que “hoje em dia se se quiser recrutar alguém, tem que haver sempre o modelo híbrido”.

Falando em vantagens e desvantagens deste modelo de trabalho, o responsável começa pelas desvantagens. “Depende muito da natureza das pessoas. A maior parte das pessoas que conheço preferem o modelo híbrido, embora haja algumas pessoas que preferem o modelo presencial porque gostam mais, não gostam de estar em casa, gostam mais de interagir com outras pessoas. Mas a maioria das pessoas prefere o modelo híbrido. Das desvantagens que pode ter o modelo híbrido diria que o que pode ser mais difícil é a cultura da empresa. Pode ser mais difícil as pessoas apegarem-se à empresa, quando não têm relações com os colegas, torna-se mais difícil reter as pessoas”. E diz que um setor onde se nota muito isso é o da tecnologia em que, garante, “há pessoas que chegam a mudar de emprego várias vezes sem nunca saírem de casa”. Outro lado menos favorável que Fernando Neves de Almeida enumera é o da formação profissional dos próprios colaboradores. “Normalmente, em qualquer impasse de carreira, os mais juniores vão aprender com os mais seniores, quer pelo exemplo, quer pelo ensinamento do posto de trabalho. As pessoas vão aprendendo umas com as outras e o facto de quanto mais híbrido for o modelo, menos possibilidade dessa aprendizagem”, apesar de defender que há sistemas de formação para resolver esses problemas. Mas reforça: “O principal problema, repito, é ser mais difícil criar espírito de pertença e cultura organizacional e é mais difícil a formação no local de trabalho”.

No que diz respeito às vantagens, é claro que a maior delas é a flexibilidade. Mas atenção! “Mas por grande flexibilidade também não nos enganemos porque às vezes o ser híbrido não quer dizer que a pessoa em casa trabalha as horas que quer ou que trabalhe menos. Se se marcar reuniões umas a seguir às outras, a pessoa não pode pensar em fazer uma pausa e trabalhar à noite. É bom não ficarmos com a ideia que lá por ser híbrido que pode ir tomar café quando lhe apetece. Quanto mais alta foi a função da pessoa, mais consegue gerir o seu tempo. Mas isso também é verdade no presencial”. E diz que, para a sociedade no seu todo, será melhor este modelo híbrido também por haver menos trânsito ou porque a pessoa se desloca menos, o que significa mais poupança.

Fernando Neves de Almeida não tem dúvidas que este modelo híbrido será o futuro “a não ser em casos industriais, em que é preciso a pessoa estar lá, acho que o futuro vai ser muito o trabalho remoto, cada vez mais”.

Já Pedro Rocha e Silva, CEO da Neves de Almeida HR Consulting, detalha que a maior parte das empresas tem adotado um modelo híbrido mais rígido e outras num modelo mais flexível. “A palavra chave que cada vez mais vai marcar este mundo de trabalho é a flexibilidade, a capacidade de ajustar aquilo que é a presença ou não de acordo com a tipologia de tarefas que temos para desenvolver”, diz ao i, acrescentando que esse é “cada vez mais o caminho que está a ser seguido e que, naturalmente, vai avançando nesse sentido de as empresas e as próprias pessoas irem ajustando as suas dinâmicas”.

E lembra que embora haja áreas de trabalho em que não é possível este modelo e que há pessoas que não estão dispostas a adotá-lo, continua a ser um caminho a seguir.

No entanto, há outro problema. “O mercado de recrutamento deixa de ser x para ser metade desse x porque obviamente as novas gerações privilegiam e valorizam bastante a tal flexibilidade ou, em algumas áreas até, a possibilidade de trabalhar a maior parte do tempo numa lógica remota o que traz desafios acrescidos às organizações mas não só no ponto de vista de recrutamento e atração mas diria que, essencialmente, a nível de como manter a ligação das pessoas às organizações quando a interação delas com a organização em si e com os colegas não é tão forte como era anteriormente nos regimes presenciais”.

O especialista detalha que esta mudança está a trazer às organizações “a necessidade de ajustar políticas de acompanhamento, monitorização e motivação dos colaboradores”.

E atira: “Não tenho dúvidas que isto é o futuro, nomeadamente o tema da flexibilidade que, em alguns casos, até pode representar menos horas remote mas claramente a possibilidade de escolher quando é que posso trabalhar remote e acho que é isso que é valorizado pelas pessoas que é a possibilidade de, em cada momento, ou em cada dia, escolherem o que querem fazer, é a tendência”.

Apesar de a mudança ter sido forçada por motivos pandémicos, “já era uma tendência” mas “houve uma aceleração e é difícil voltar atrás”. Mas, diz Pedro Rocha e Silva, “o saldo é positivo. A grande maioria das empresas e colaboradores manifestam-se satisfeitos sobre o que é a utilização do trabalho remoto, nomeadamente a nível de produtividade, qualidade de vida”.

Já Vânia Fonseca, Career Associate Mercer Portugal, destaca ao nosso jornal que as expectativas da comunidade de talento, independentemente da geração, “evoluíram e hoje esperam que as organizações ofereçam a possibilidade de trabalhar remotamente. Isto teve impacto direto em toda a jornada do colaborador”. Hoje em dia, destaca a responsável, “o candidato tem expectativa de apenas ir às instalações da empresa numa fase mais avançada do processo”, destacando que “o onboarding já não tem necessariamente uma configuração totalmente presencial” e que cada vez mais as empresas “disponibilizam formações digitais, híbridas e plataformas de e-learning”. Vânia Fonseca destaca ainda que a liderança “já não precisa estar na mesma região do que a sua equipa direta para poder acompanhar e desenvolvê-los, para fazer reuniões de feedback e co-construir planos de desenvolvimento”.

Mas a responsável alerta que o impacto sentiu-se não só na relação com o colaborador, “mas também na forma como o próprio cliente consome e interage com as empresas. Tal veio naturalmente provar que a estratégia de negócio e de pessoas têm de estar inevitavelmente alinhadas, tendo a área dos RH ganhado uma maior relevância e posicionamento estratégico nas organizações”.

Questionada sobre as vantagens e desvantagens destes sistemas híbridos, Vânia Fonseca destaca a “promoção de um melhor work-life balance, diminuição de custos e tempo de deslocação, e promoção de mais momentos de concentração – que na maioria das vezes resulta em maior produtividade”, defendendo que “esta adoção vem também responder às expectativas do mercado de talento – em que vários candidatos questionam sobre as práticas de flexibilidade logo numa fase inicial do processo de recrutamento”. Nesse sentido, diz a responsável, “a existência de modelos de trabalho flexível numa organização contribui positivamente para o seu posicionamento e marca enquanto empregador para o talento”.

Mais do que desvantagens, defende, “os desafios prendem-se com a dificuldade dos colaboradores em desconectar do trabalho, e quando não devidamente preparados, das organizações fomentarem uma cultura de verdadeira colaboração, e dos líderes gerirem as suas equipas, garantindo a confiança e ultrapassando crenças sobre este assunto”.

Sobre os setores onde é possível aplicar este modelo de trabalho, a Career Associate Mercer Portugal diz: “Não acreditamos que existam setores onde o modelo de trabalho remoto seja impossível de aplicar, no entanto, existem funções com esse constrangimento”. E detalha: “Estas funções são normalmente de cariz operacional ou de client-facing, que se podem verificar nos mais variados setores. O setor industrial é provavelmente aquele que apresenta mais funções não elegíveis a estes modelos, mas cuja falta de elegibilidade pode ser colmatada por outros mecanismos de flexibilidade, para trazer o tema da equidade interna”.

Questionada sobre empresas que tenham abandonado totalmente o espaço físico, Vânia Fonseca diz que existem “várias empresas que abandonaram totalmente o espaço físico e entretanto outras que foram fundadas ou que abriram atividade em Portugal sem investir em escritórios” e que “colmatam a ausência de um espaço físico pelo agendamento de momentos mais intencionais de celebração, team building e de reflexão, que tenham como propósito a continuidade da promoção da cultura organizacional, da colaboração e confiança. Ainda que possam ser contactos presenciais menos frequentes, não deixam de ter o seu devido impacto positivo; pois contribui para que as pessoas se foquem mesmo em criar laços, proximidade e confiança durante aquele período em que estão juntas”.

 

E as máscaras, higiene, exercícios e missas…

As máscaras foram talvez uma das mudanças mais sentidas durante a pandemia e, embora já tenha acabado a sua obrigatoriedade, são muitos os que já não vivem sem ela pelos mais variados motivos. É comum vermos pessoas a usar máscaras não só em locais fechados mas também na rua. Até a pandemia chegar, a sociedade não estava muito habituada a utilizar máscaras, a não ser que, por exemplo, trabalhasse no setor da saúde. No entanto, percebeu-se que as máscaras funcionam e são uma ferramenta importante para limitar a propagação de doenças infecciosas, pelo que muitas pessoas continuam a usá-las não apenas para se proteger como para proteger os outros quando estão em público.

“Não me vejo a voltar a entrar num hospital sem máscara”, diz ao i Maria Carvalho que refere que a máscara é um bom método de proteção. “Principalmente nas urgências. Acho que, agora que nos habituámos, não custa nada usá-las de vez em quando para que nos possamos proteger a nós e aos outros”.

Mas não é apenas nos hospitais. José Teixeira vai todas as semanas à Igreja e anda frequentemente de transportes públicos. Por ser uma pessoa com alguns problemas de saúde, o uso de máscara serve para se proteger a si. “Sempre que há locais onde existam grandes ajuntamentos de pessoas eu protejo-me porque tenho o sistema imunitário em baixo”, diz ao nosso jornal.

E quem fala de máscaras, fala também de higiene. O álcool gel que tantas vezes esgotou durante a pandemia ou que viu o seu preço disparar, está agora a preços mais acessíveis e continua a fazer parte da rotina de muitos. Ainda no que diz respeito à higiene e ainda que muitos já adotassem este hábito antes, o simples facto de se deixar o calçado à porta de casa passou a ser uma realidade na casa de muitos portugueses que parecem continuar a fazê-lo.

Outro dos locais públicos que conta agora com pequenas alterações – ainda que não todos – são as Igrejas. Além de serem vistas várias pessoas com máscara no rosto durante a Eucaristia, são muitas as Igrejas que optaram por as pessoas não se cumprimentem na altura da saudação da paz. Nesta altura da missa, em que os fiéis se cumprimentam, muitas paróquias optaram por não levar a cabo esse contacto físico. Em muitas outras paróquias, os sacerdotes ou os ministros da comunhão usam álcool gel quando as pessoas tomam a hóstia.

Fora das igrejas, noutras áreas, é preciso falar ainda das atividades físicas. Ainda que já existisse, por força da pandemia, são muitas as pessoas que agora têm aulas nas suas próprias casas com personal trainers mas através do computador, por ligações de zoom. Uma tendência que parece ter chegado para ficar.

Juntam-se por exemplo, as compras online que dispararam ou o delivery que também aumentou. É por isso certo que a pandemia deu gás a muitos negócios e tendências que ficarão, se não para sempre, por muitos anos.