A capa da revista National Geographic de maio de 1969 exibe uma imagem um tanto insólita. Quatro homens supervisionam uma operação delicada: a montagem de um rosto. Mas este rosto é de pedra, mede três metros de altura e foi esculpido há mais de três mil anos. Trata-se do rosto de Ramsés II – um dos mais poderosos faraós do Egipto, que governou durante 66 anos e teve qualquer coisa como cem filhos. Faz parte de um de quatro colossos que dominam a entrada de Abu Simbel.
Foi uma das maiores operações de engenharia dos tempos modernos. Levando a construção da barragem de Assuão à subida do nível do lago Nasser, como evitar que este fabuloso testemunho da Antiguidade ficasse submerso? Uma empresa sueca encontrou uma solução: mudando-o de sítio.
Entre 1964 e 1968 o famoso templo foi retalhado em mais de mil peças – que chegavam a pesar 30 toneladas -, desmantelado, transportado e remontado uns 200 metros adiante. Ali, numa zona mais elevada, ficou a salvo das águas. Nada foi deixado ao acaso: para que o peso do bloco do rosto não corresse o risco de esmagar a barbicha do faraó, foi colocado um contrapeso, três toneladas e meia de cimento, atrás da zona do queixo.
A edição da National Geographic de maio de 1969 descreve o processo em pormenor e documenta-o com fotografias supreendentes, como a da capa em que se vê parte do rosto de Ramsés a descer sobre um espaço vazio, para encaixar entre as laterais do nemés – o toucado real.
Problema: não é assim tão fácil encontrar um exemplar. Tenho-o procurado intermitentemente nos últimos anos, sem sucesso. Uma destas semanas, voltei a tentar numa plataforma de artigos usados. A pesquisa por ‘National Geographic 1969’ não obteve qualquer resultado. Sem grande convicção, tentei por ‘National Geographic anos 60’. Um resultado. Inquiri a vendedora se entre os números disponíveis havia algum de 1969. Na fotografia de alguns exemplares desse ano que me enviou identifiquei de imediato o rosto de Ramsés II.
A cordámos um preço. No dia combinado fui a Lisboa recolher as revistas: cerca de meia centena, dois sacos extraordinariamente pesados. Antes de os arrumar no banco de trás do carro fiquei um pouco a gozar a nova aquisição. Lembrei-me de como comecei a colecioná-las no princípio dos anos 90, quando um amigo, cujo pai tinha vivido nos EUA e era um fã incondicional da National Geographic, me ofereceu uma assinatura anual.
Passaram-se uns dez minutos. Preparava-me para regressar a casa quando vejo duas pessoas a saírem de um prédio.
– Filipa? – chamei.
Era precisamente a irmã do velho amigo a quem eu devia a minha devoção pela revista de capa amarela.
No trajeto para casa deparei-me com um engarrafamento hediondo. Deitei a mão a um dos sacos no banco de trás e tirei de lá outra revista de 1969, o mítico número que traz as fotos da chegada do homem à Lua. No meio do pára-arranca, tive tempo para folheá-la e descobrir que no interior existe um disco de vinil. ‘Sons da era espacial: do Sputnik à alunagem’. Pensei na missão da Apolo 11, na conquista do espaço, no avançadíssimo conhecimento que os egípcios antigos tinham dos céus e da astronomia, e naquele encontro inesperado. E lembrei-me do que esse velho amigo costuma dizer: ‘Está tudo ligado’.