Jonestown. Agora e na hora da vossa estúpida morte

18 de Novembro de 1978: um fanático infame chamado Jim Jones que tinha aspirações a ser Deus levou ao suicídio colectivo de 918 pessoas que habitavam um Templo de Projecto Agricultural no meio da selva, junto à fronteira da Guiana com a Venezuela.

GEORGETOWN – Jim Jones era um canalha de pai e mãe. Uma daquelas bestas de 124 patas que volta e meia a natureza vomita. Ora bem, veio a cavalgadura ao mundo no maldito dia de 13 e Maio de 1931 e o Senhor das Moscas deve ter feito uma festa de arromba lá nos quintos dos infernos porque era mais um filho que vinha parar à superfície redonda e apenas ligeiramente achatada nos polos a que chamamos Terra. Claro que ninguém, a não ser o Chifrudo, podia imaginar que a cidadezinha de Crete, Indinana, tinha acabado de ser infetada pelo fruto das atividades íntimas de James Thurman Jones e sua amantíssima esposa Lynetta Putnan, mesmo que o pai da criatura tivesse sido uma das famosas vítimas do gás mostarda da I Grande Guerra e não batesse decididamente bem da caixa dos pirolitos e a mãe fosse uma doidivanas que assumia ser descendente de uma família finória do País de Gales misturada com sangue cherokee. O casal era, por isso, menosprezado pela vizinhança e nem um nem outro tinham grande capacidade para angariar trabalho pelo que basicamente não havia um tostão lá em casa que não adviesse da pedinchice. E, com isto, em plena Grande Depressão, o menino Jones, de apenas três anos de idade, foi posto na rua juntamente com os pais que não conseguiam acumular fosse o que fosse para pagar a casa miserável onde viviam. Uns primos mais próximos e mais condoídos ofereceram-lhes uma barraca em Lynn, uma aldeia próxima que não tinha nem eletricidade nem água corrente. Passaram fome mas fome a sério. De vez em quando remediada à custa de uma lebre que James matava à pedrada.

A loucura de Lynetta foi-se agravando com o tempo. Não tinha qualquer tipo de sentimento para com o filho que, com o pai a passar cada vez mais longos períodos internado em hospitais, vivia ao Deus-dará, geralmente caminhando completamente nu pelas ruas com ar ausente e valendo-se da probidade de quem resolvia ter pena dele, um erro que ignoravam estar a cometer porque se algo Jim Jones nunca mereceu foi a bondade alheia.

O mamífero também percebeu – apesar do seu aparente alheamento – que aproximar-se de igrejas e de alguns crentes podia trazer-lhe benefícios. Um desses crentes foi Myrtle Kennedy, pastora da Igreja Nazarena, um movimento que surgiu nos Estados Unidos no século XIX e que tinha a imensa ambição de cristianizar todos os povos de todas as nações. Foi então que, segundo palavras suas, encontrou Deus, embora mais tarde todos percebessem que era um Deus muito específico. Contaram alguns dos garotos que partilharam a sua infância que Jim era fascinado por funerais e respetivos defuntos. Que não perdia a oportunidade de se esgueirar para dentro de uma casa mortuária e roubar objetos que encontrava nas urnas preparados para descerem à terra juntamente com os seus infelizes proprietários. E que tirava uma excitação mórbida do assassínio de pequenos animais, como pombos ou gatos, desde que conseguisse que sangrassem com abundância. Além disso gabava-se de ser capaz de uma série de prodígios, entre os quais o de saber voar. A partir de certa altura intitulou-se  o Anjo da Morte. Um anjo que se dedicava a atividades tão cretinas como as de urinar no vinho de missa ou de barrar com caca de vaca as páginas dos livros de orações. Além disso fazia questão de ser provocantemente ordinário com as pessoas em geral, cumprimentando-as de forma assaz expansiva: «Good morning you sun of a bitch!» ou «Hello you dirty bastard!». Há que dizer que não deixava de ter o seu sentido de humor. Mas os sentidos de humor além de diversificados têm tendência a serem mal entendidos.

Um adulto do pior 

Vamos apanhar este cretino já na idade adulta com interesses literários bastante estranhos que iam do Mahatma Ghandi a Adolf Hitler e de Mao Tse Tung a Karl Marx. O seu cérebro caliginoso estava a formar uma ordem de pensamento que o levaria a criar a sua própria religião, uma religião na qual a morte assumia um papel fundamental. Basta ler o que escreveu na fase embrionária da sua estúpida filosofia: «Estou pronto para matar até ao ponto do terceiro grau. Isto é, sinto-me tão agressivo e tão hostil que a assassinar será algo natural. Nunca ninguém me deu amor. Estou aqui sozinho. Estive sempre sozinho». Como se a solidão justificasse o homicídio.

A personalidade de Jones formou-se com base numa mistura de sentimentos negativos e de confusão pseudo-intelectual. A mulher com quem se casou também contribuiu para a desgraça completa. É um facto que, com os dólares que ia ganhando à custa de patranhas bacocas conseguiu inscrever-se na Universidade de Richmond e terminar os estudos, ganhando notoriedade graças a comportamentos divergentes que necessitavam de vigilância forte, de tal forma que quando se ofereceu para auxiliar no Hospital de Reid houve ordens superiores para que jamais o deixassem sozinho com os pacientes. Foi então que conheceu uma enfermeira chamada Marceline Mae Baldwing com a qual contraiu casamento em Junho de 1949. Juntos assistiam a sessões de politização levadas a cabo pelo Partido Comunista e juntos procuraram a resposta à pergunta: «Como infiltrar o marxismo no povo através da igreja?». Pareceram esquecer-se de que viviam nos Estados Unidos. Em breve tanto a dupla como os seus parentes mais próximos passaram a ser alvo da atenção quotidiana do FBI.

Foi já em Indanapolis, onde Jim e Marceline se instalaram a seguir, que Jones se começou a intitular-se Pastor Metodista ensinando as pobres crianças da Sommerset Southside Methodist Church que só podiam mesmo ouvir do pior que alguém poderia dizer. De certa forma, a besta assumiu o papel de Profeta. E, nestas coisas de profecias, há sempre meia-dúzia de tolos disposta a aceitá-las de braços abertos. E, de braços abertos, como se fosse mesmo capaz de voar, como assegurava quando era um fedelho, Jim afastou-se do metodismo e encostou-se ao pentecostalismo, um movimento evangélico que dá uma importância especial à comunicação com Deus através do Espírito Santo. Sim, não havia dúvidas que Jim Jones começava a ver-se a si próprio no papel de um santo espírito.
 Chegou a altura inevitável para um bicho de ego gigantesco como o de Jim Jones fundar a sua própria igreja. Vendo bem, para quê darem-se ao trabalho de chatear o Espírito Santo com recados para Deus se Mr. Jones estava ali à mão de semear. Erguendo-se sobre os seus seguidores como o Profeta Elias, voz de Deus e manifestação de Cristo, fundou o Peoples Temple Christian Church Full Gospel.

Jonestown!

Em 1961, já depois de ter adotado um ror de crianças como filhos, preferencialmente negras para demonstrar a sua posição perante os distúrbios raciais que explodiram por todos os Estados do Sul dos Estados Unidos, Jones anteviu um ataque nuclear contra Indianapolis e tornou-se tão obcecado com essa possibilidade que decidiu que não podia continuar a manter ali a sua congregação. Vários pseudo-profetas como ele tinham encontrado lugares para desenvolverem as suas igrejas no Brasil e noutros países sul-americanos pelo que Jim enfiou na cachimónia que tinha chegado a altura de deixar os EUA definitivamente.

Depois de ter passado uma temporada em Belo Horizonte, no Brasil, e uns meses no Rio de Janeiro a impingir a sua religião de pacotilha aos infelizes miúdos das favelas, o seu interesse virou-se para a Guiana, na altura ainda colónia britânica. O seu cérebro estava, nesse momento, tão desacertado – e o consumo de estupefacientes só contribuía para ainda maior desacerto – que, numa pregação, chegou ao ponto de bradar: «What you need to believe in is what you can see…. If you see me as your friend, I’ll be your friend. As you see me as your father, I’ll be your father, for those of you that don’t have a father…. If you see me as your savior, I’ll be your savior. If you see me as your God, I’ll be your God!».

Pelo meio da sua vida vivida a trezentos mil quilómetros por segundo, que é a velocidade da Luz, o casal Jones parecia não gostar de nenhum dos locais em que se ia instalando. Em contrapartida os habitantes desses locais também não os viam com muito bons olhos. Ainda assim conseguiram congregar 2750 membros para o Peoples Temple, além de obterem 36 mil assinaturas de apoio ao seu projeto de fundarem uma cidade na qual pudessem ser auto-suficientes. Dinheiro não lhes faltava. Os pacóvios pareciam dispostos em encher-lhes os bolsos. Por outro lado, a desconfiança geral da imprensa caiu sobre Jones com violência e as acusações de poligamia e de abuso sexual de menores colou-se-lhe ao corpo de forma a feder à distância. Como resposta, Jim afirmava que tudo não passava de uma campanha invejosa contra a sua capacidade de realizar milagres. Milagres bastante duvidosos já que um deles, por exemplo, partia da ideia de juntar uma centena ou mais de crentes e deixá-los entontecidos à conta de doses cavalares de haxixe.

Cada vez mais cercado pela opinião pública e pelas investigações policiais, Jim tomou a decisão de viajar para a Guiana levando consigo os seus mais fiéis seguidores. Num local próximo da fronteira com a Venezuela, a norte de Georgetown, entre duas cidadezinhas, Port Kaituma e Matthews Ridge, fundou Jonestown, aquilo que ele definia como o paraíso da divulgação e exploração da política leninista. Uma comuna, por assim dizer. Sem qualquer tipo de conforto, com o mínimo possível de bens de consumo – até comida faltava – e noites brancas, ou seja, vigílias contínuas que estavam destinadas a detetar qualquer intenção hostil contra tão magnífico paraíso cristão-comunista.
No dia 18 de Novembro de 1978, Jim Jones convenceu-se de que o governo dos Estados Unidos tinha dado ordens para que Jonestown fosse bombardeada e destruída. Percebendo que não iriam ter nenhum tipo de apoio da parte da União Soviética, tal como esperavam, todos os habitantes da comunidade votaram pelo suicídio colectivo. Um líquido à base de cianeto foi distribuído generosamente por todos os mais de 900 (foram encontrados 918 corpos) fanáticos que se atiraram alegremente para a morte. Rouletta Paul foi a primeira voluntária – antes de tomar a mistela injetou com uma seringa uma quantidade considerável na boca da sua filha de um ano. Entretanto, o canalha Jim andava de um lado para o outro a animar os suicidas: «Não tenham medo de morrer! O principal é que consigamos manter a nossa dignidade. A morte é amiga. E as crianças devem morrer primeiro!». A selvajaria que varreu aquele pedaço perdido de selva na Guiana foi enojante. Houve pais a matarem filhos à facada. 85 membros da comunidade fugiram e desapareceram por entre as árvores até serem apanhados pelas autoridades. O corpo de Jim Jones foi encontrado no pavilhão central. O pulha dera um tiro de espingarda na própria cabeça. Os seus três filhos de sangue, Stephan, Jim Júnior e Tim Jones foram presos e obrigados a colaborar a longa investigação feita posteriormente sobre o macabro acontecimento. Numa nota testamentária encontrada no cadáver de Marceline estava designado que todo o dinheiro do Peoples Temple deveria ser entregue ao Partido Comunista da União Soviética através dos serviços consulares de Georgetown. Qualquer coisa como sete milhões e meio de dólares (equivalentes a uns 20 milhões nos dias de hoje). Jim foi um canalha do princípio ao fim da sua existência monstruosa, mas conseguiu enganar muitos papalvos que lhe deram dinheiro e lhe sacrificaram a vida nos confins de Barima-Waini.