Concluída a maratona de inquirições na Comissão Parlamentar de Inquérito, vulgo CPI – criada para apurar o que se passou no labirinto de interesses e de influências cruzadas em que se transformou a TAP –, vieram à tona as contradições e os ‘ajustes de contas’ entre os principais atores políticos convocados, um curioso ‘painel de bordo’ sobre a arte de sacudir responsabilidades e de encobrir incompetências.
Para além do roteiro das indemnizações pagas a ex-gestores, o que ficou por esclarecer foi a formidável cambalhota do governo e de António Costa que, depois de renacionalizarem a TAP, querem agora voltar a privatizá-la, desdizendo tudo o que anteriormente defenderam.
Tão-pouco se ficou a saber se não teria sido preferível fechar a TAP falida e abrir no dia seguinte outra companhia aérea, com os melhores ativos da anterior, sem ‘gorduras’ escusadas, nem práticas comerciais desajustadas.
Foi o que aconteceu com a Swissair ou a Sabena e não consta que se tenham dado mal com a mudança. Imagine-se o que teria sido poupado aos contribuintes portugueses se, em vez da satisfação de egos e caprichos políticos, se tivesse adotado o mesmo figurino.
Mas não. Assistimos a essa novela absurda, segundo a qual o Governo de Passos Coelho fez a ‘má’ privatização da TAP, enquanto a anunciada privatização de António Costa é que é, formalmente, ‘boa’ para salvar a empresa e pô-la a bom recato.
E tudo isto tem sido dito com a mesma naturalidade com que o PS endossou ao PSD as culpas pelas drásticas medidas de austeridade, aceites pelo Governo de Sócrates, e inscritas no memorando negociado com a troika, com a ‘corda na garganta’ e o país à beira da bancarrota.
Claro que o afastamento compulsivo de David Neeleman da TAP custou a bagatela de 55 milhões, uns ‘trocos’ se comparados com mais de três mil milhões que foram ‘derretidos’ para assegurar a operacionalidade da empresa, revertida para o setor público.
Com a celebrada ‘companhia de bandeira’ de regresso à posse do Estado, convidou-se e despediu-se uma CEO francesa, que passou, num ápice, de ‘bestial a besta’ com o mesmo Governo socialista.
Perante este ‘baile de máscaras’, onde cada um procurou tirar a ‘cabeça do cepo’, até António Pedro de Vasconcelos, o cineasta-arauto do slogan ‘Não TAPe os olhos’, ficou ‘mudo e quedo’, como se nada tivesse acontecido e nunca tivesse rodado esse filme.
Descontada a ‘espuma’ mediática, o que pareceu interessar sobremaneira os comentadores avençados foi a ‘hermenêutica botânica’ de João Galamba contra Belém e a ‘ressurreição’ de Pedro Nuno Santos como putativo candidato à sucessão de Costa.
Por isso, mais do que o imenso dinheiro gasto, a fundo perdido, numa companhia com futuro incerto, o que esteve em causa foi a ‘guerra de herdeiros’, com Fernando Medina e Pedro Nuno Santos em diferentes ‘trincheiras’. Sem que nenhum deles ‘abrisse o jogo’.
Para já, a vantagem, segundo os media, coube a Pedro Nuno, embora a sua prestação fosse assaz irregular – firme no autoelogio, errática e omissa quando as perguntas o embaraçavam.
Afinal, foi ele quem disse em tempos que «o entendimento à esquerda não foi um parêntesis na história da democracia portuguesa e a direita tem se habituar a isso». E ao dizê-lo não lhe tremeram as pernas nem gaguejou como na CPI, quando a interpelação foi mais séria.
Uma coisa é certa: no PS, tanto o líder como os ‘ajudantes’ gostam de ter os aviões ‘debaixo de asa’…
Depois de o ‘ex-ajudante’, Hugo Mendes, admitir, nervoso, na CPI, ter sido «infeliz» quando quis alterar um voo da TAP para ‘mimar’ Marcelo Rebelo de Sousa, agora foi a vez de o próprio primeiro-ministro aproveitar um Falcon da Força Aérea para fazer uma escala imprevista em Budapeste, quando seguia a caminho de uma cimeira na Moldova.
Motivo desta ‘paragem técnica’, omitida pelo seu gabinete: assistir à final de futebol da Liga Europa, lado a lado com o seu homólogo Viktor Orbán. Uma fraqueza.
Depois das trapalhadas com Galamba e o adjunto, o primeiro-ministro resolveu ‘arejar’ num estádio húngaro, e utilizou um avião oficial, em nome do futebol.
Em contrapartida, falhou a inauguração do Memorial às vítimas dos trágicos incêndios de Pedrógão Grande, enquanto Ana Abrunhosa se desdobrava em desculpas esfarrapadas. As prioridades do chefe do Governo são outras.
Note-se que o Memorial foi obra das Infraestruturas de Portugal, empresa tutelada pelos ministérios de Medina e de Galamba. Mas nem um nem outro tiveram disponibilidade de agenda. Nem Costa, nem Marcelo. Lamentável.
Moral da história: repetiu-se uma chocante insensibilidade política, confirmando o alheamento dos seus protagonistas em relação do país real, mesmo quando este homenageia em Pedrógão a memória dos seus mortos. A bola é que conta…