Os profissionais de saúde do Instituto de Oftalmologia Gama Pinto (IGOP) temem que o Governo esteja a projetar o desmantelamento da instituição e a pôr em causa o bom funcionamento do espaço, preparando-se para anunciar a criação de unidades de oftalmologia em hospitais com equipas do instituto, correndo este o risco de ficar sem meios (humanos) para continuar a assegurar os tratamentos aos doentes. Já o Ministério da Saúde garante que não existem motivos para alarmes, justificando que se trata de integrar o espaço – que continuará em funcionamento – nas novas Unidades Locais de Saúde, em Lisboa. Mas, afinal, por que é que os profissionais de saúde se encontram tão preocupados?
«Muitos médicos vão sair, muitos doentes vão ficar sem acompanhamento e outros vão mesmo cegar», assegura uma fonte do instituto que não compreende como é que os profissionais de saúde não foram contactados sobre esta integração, comunicada no princípio do ano.
Segundo a mesma fonte, no final de 2022 foi adquirido material novo, como microscópios e equipamentos de oftalmologia. «Foi investido muito dinheiro numa coisa que vai fechar?», interroga. «De repente, pelo facto de sermos um instituto público e não termos um modelo de financiamento que nos permita ter grande autonomia, estamos nesta situação. O CEO da saúde acabou com estes institutos públicos», lamenta, acrescentando que Manuel Pizarro «equacionou e avançou com as integrações deste tipo de institutos, como aconteceu com o Miguel Bombarda».
De acordo com a equipa, nunca ninguém os interrogou sobre estas mudanças, se a integração faria mais sentido acontecer no Hospital Santa Maria, ou nos hospitais centrais, nos Capuchos ou no São José. No entanto, contactada pelo Nascer do SOL, a diretora do serviço de oftalmologia dos hospitais centrais, Rita Flores, opôs-se à integração. «Disse que não tinha espaço físico para que todos nós lá conseguíssemos trabalhar. Até porque as instalações são muito antigas. A própria diretora do serviço não concordou com esta integração», explica a mesma fonte, revelando que, no princípio, os profissionais foram avisados de que iriam para o Hospital Santa Maria. «Era o que nos parecia mais lógico, uma vez que fazemos urgências lá», partilhou. No entanto, os planos acabaram por mudar.
«Escrevemos uma carta ao ministro da Saúde, assinada pela doutora Marta Vila Franca, a pedir que nos ouvisse, que conhecesse o espaço… O mais engraçado é que antes das decisões, ninguém foi conhecer as nossas instalações», lamentou. «O nosso instituto tem mais de 100 anos, é o único instituto desta especialidade, com muito boas condições. Os nossos doentes são vistos em gabinetes com um só médico, um só doente, uma só lâmpada de fenda. Temos condições muito semelhantes às que vemos nos hospitais privados. Temos 4 salas de bloco! Nós queríamos que o ministro visse isso», acrescentou.
Qual o futuro dos doentes?
Manuel Pizarro aceitou o convite. E, durante a visita, acabou por ser interrogado sobre o motivo da escolha dos hospitais centrais para a integração. «Houve pressões por parte, provavelmente, de alguém da nossa administração que preferiu ir para os centrais, não perguntado aos profissionais de saúde. Nós fomos empurrados, apesar da direção de lá não nos quer», alegou a fonte. «Eles não nos querem e nós não queremos ir. Isto é muito desagradável. Tem sido muito desagradável o ambiente», admitiu. Além disso, segundo a mesma fonte, o ministro da saúde foi ainda interrogado sobre «a questão das urgências». «Nós fazemos urgências em Santa Maria, mas vamos ser integrados no São José? Santa Maria vai ficar com défice de médicos para as urgências (um mal crónico do nosso SNS). Ele disse que estava tudo garantido mesmo assim. Que a integração estava prevista para junho», continuou. Porém, a integração acabou por ser adiada «após ser promovida uma reunião onde o Santa Maria garantiu que se deixasse de receber médicos para urgências que não as faria de noite, aos fins de semana».
«Não há nenhum estudo que mostre aquilo que fazemos, a estrutura que temos, a maneira como trabalhamos… O que é que vai acontecer aos nossos doentes?», interrogou, acreditando que o mais provável é que muitos médicos acabem por sair do SNS. «Muitos já se encontram em busca de outras oportunidades. Na oftalmologia da medicina privada existe muita procura. Estamos neste registo», alertou.
Para a fonte do instituto ouvida pelo Nascer do SOL, a integração «faz sentido», já que o modelo de financiamento do espaço «dificulta as coisas». No entanto, garante, as condições físicas do Gama Pinto «são muito melhores do que as dos hospitais centrais». «Os doentes vão-se perder no momento em que nós sairmos. As coisas foram feitas de uma forma não pensada. Se as coisas acontecerem assim, muitos médicos vão sair, muitos doentes vão ficar sem acompanhamento e outros vão mesmo cegar», reforça com preocupação.
Ainda em estudo
Segundo o Ministério da Saúde, não há razões para alarme, já que ainda está tudo a ser estudado. «O Ministério da Saúde, através da Direção Executiva do SNS, está a promover uma reorganização operacional das unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde, onde se inclui o Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto (IOGP), com o objetivo de reforçar a articulação entre os diferentes níveis de cuidados de saúde e a resposta em rede entre as várias instituições», lê-se na nota enviada ao Nascer do SOL.
«Neste quadro, está a ser preparado o alargamento a todo o território do modelo de Unidades Locais de Saúde, unidades funcionais que juntam sob a mesma gestão os cuidados primários (Agrupamentos de Centros de Saúde) e hospitais de uma determinada zona geográfica», continua.
De acordo com o texto, «a integração do IGOP noutra unidade funcional tem vindo a ser estruturada nos últimos meses neste contexto mais amplo de reorganização das unidades de saúde do SNS. A criação de novas ULS (Unidade Local de Saúde) na região de Lisboa e Vale do Tejo acontece a par dos trabalhos de revisão das urgências metropolitanas, estando a ser definidos os planos de negócio das diferentes unidades». «Como foi esclarecido aos profissionais no início do ano, o objetivo de integrar administrativamente o IGOP numa unidade funcional de maior dimensão é potenciar a utilização dos recursos e a capacidade de resposta à população deste centro oftalmológico, que irá manter-se a funcionar nas atuais instalações», remata.