O assunto não tem grande importância, mas no imaginário popular tem que se lhe diga. Quem não se lembra dos governantes condenados por irem ver a seleção portuguesa no estrangeiro com despesas pagas por empresas? E de Ferro Rodrigues severamente criticado por mandar ‘todos a Sevilha’ em plena pandemia? António Costa é mais um que vai à borla e de avião ao futebol. E o povo, que vai no seu carrito que deixa estacionado a 3Km do estádio e tem de ir a pé o resto do caminho, e depois paga o seu bilhete, olha para estes políticos e vê-os como uns reizinhos que têm privilégios especiais e muitas vezes usam o Estado em seu proveito – e insurge-se.
Depois do caso Galamba, a sucessão de casos continua.
Nas comemorações do 10 de Junho, António Costa queixou-se de uns cartazes empunhados por professores que o mostravam com um nariz de porco.
Indignado, acusou os cartazes de serem «racistas» – a palavra mágica que hoje faz tilintar todas as campainhas. E muitos comentadores, da esquerda à direita, choraram por ele comovidas lágrimas, declarando-lhe a sua «solidariedade». Sérgio Sousa Pinto, que não é propriamente parvo, fez-se de parvo e disse: «Se António Costa se sentiu vítima de racismo, então os cartazes eram racistas».
Ora, Costa ‘sentiu-se’ vítima de racismo, ou ‘afirmou-se’ vítima de racismo? É que são coisas diferentes.
Não é impossível que tenha aproveitado a situação para tirar dela vantagens politicas. A verdade é que, a partir desse momento, os professores passaram de vítimas a agressores, e António Costa passou de réu a vítima.
António Costa tem a escola de José Sócrates. Este também transitava com tremenda facilidade de uma situação a outra. Quando a Justiça o indiciava por um crime, dizia-se vítima de perseguição dos juízes. A culpa nunca estava do seu lado – estava sempre do lado de quem o acusava.
Com Costa passa-se o mesmo.
Os cartazes eram racistas porquê? Porque o representavam com traços hindus? Mas deviam representá-lo como? Com traços nórdicos? A caricatura exagera sempre os traços mais característicos de uma pessoa. Em Costa, acentuará sempre a sua origem.
Mas o aspeto mais relevante do cartaz não era obviamente esse. O mais relevante era o nariz de porco e os lápis espetados nos olhos. Os olhos tapados significavam cegueira; os lápis simbolizavam os professores. Juntando dois mais dois, os manifestantes afirmavam que António Costa tem-se mostrado cego à ‘justa luta’ dos professores.
Quanto ao nariz de porco, é relativamente habitual ser usado nas caricaturas políticas. Os republicanos, que os socialistas tanto elogiam, representavam o Rei D. Carlos como um porco. E diziam dele as piores coisas, como que estava «pronto para o matadouro». Ele acabaria por ser assassinado, como sabemos.
Não vi no cartaz qualquer intenção racista. Entendamo-nos: o racismo é o ataque ou discriminação de uma pessoa por ser negra, indiana, amarela, etc. Ora, António Costa não era ali atacado por ser indiano – era atacado por ser primeiro-ministro e não dar aos professores aquilo a que eles se acham com direito. Se Costa fosse nórdico, continuaria a ser atacado com a mesma agressividade, só que aí teria os lábios finos e a pele branca. Mas os lápis lá permaneceriam nos olhos e o nariz de porco manter-se-ia.
Inclino-me pois a pensar que, como Mário Ramires referia na passada semana, o nariz de porco tivesse mais que ver com Orwell e com a sua fábula Animal Farm, no título original. É a história de um conjunto de animais explorados pelo dono de uma quinta que se revoltam e assumem o poder. Só que, com o andar do tempo, sob o comando de um porco chamado Napoleão, o sistema evolui para uma ditadura de animais corruptos, ignorantes e violentos.
Ora, isto já faz sentido: para os professores, António Costa é um prepotente que impõe a sua lei aos pobres dos professores, símbolos da cultura oprimida.
Perante isto, o primeiro-ministro afirmou-se vítima de um ataque racista. É o que está a dar. Na prática, foi um António Costa em ‘versão Mamadou Ba’ aquele que se viu em Peso da Régua.
O chefe do Governo devia saber, porém, que não é bom falar de racismo a propósito de tudo e de nada. Está provadíssimo que falar com insistência de certos temas tem um efeito multiplicador. Os incêndios criminosos, a violência doméstica, os ataques nas escolas, os suicídios, etc., acabam por ser estimulados pela sobre-exposição mediática.
Não se pode garantir que Costa foi ‘oportunista’ ao dizer o que disse sobre o cartaz. Pode ter sido apenas infeliz. Mas o efeito foi o mesmo: toda a gente o apoiou e condenou os professores. Melhor não lhe poderia ter corrido o 10 de Junho. Por azar, logo veio esta história do jogo de futebol estragar a festa.