Para não variar, sobraram os equívocos na inauguração de um memorial às vítimas dos incêndios florestais de Pedrógão Grande. O que deveria ter sido uma solenidade vivida em sentido recolhimento à memória das dezenas de pessoas que pereceram nessa tragédia, acabou por se tornar numa encenação para ‘cortar a fita’.
Em vez de uma homenagem partilhada, a quem perdeu a vida nesse fatídico desastre, assistiu-se a uma trapalhada de desencontros e de alegados problemas de agenda, para justificar o injustificável no descerramento do Memorial.
Em Pedrógão Grande – recorde-se –, falharam os meios de socorro, desde bombeiros à Proteção Civil; falharam as comunicações de emergência; e falhou o governo da ‘geringonça’, com essa inacreditável e lacrimejante ministra Constança Urbano de Sousa, afastada mais tarde, no tempo em que Costa ainda respeitava a vontade presidencial.
Como nada disto se apaga ou prescreve, foi penoso ver o Memorial ‘reinaugurado’ pelo governo, com António Costa acolitado por João Galamba e Ana Abrunhosa, enquanto Marcelo compareceu também, vindo de Palermo, em ‘contrarrelógio’, depois de ter tomado conhecimento da nova data da homenagem «pela comunicação social».
Afinal, feita uma visita furtiva, a sós, ao monumento, correu a ‘dar um jeito na agenda’ para não perder a cerimónia oficial. Bizarro.
De ‘candeias às avessas’, nesta como noutras matérias, o Presidente e o Executivo acabaram juntos como se nada tivesse acontecido antes.
No meio disto, o país é tratado como se fosse mentalmente infantil e as populações flageladas de Pedrógão Grande não merecessem mais do que um simulacro de compaixão, em registo mediático.
Como ‘prémio de consolação’ para o sentimento de abandono, o Presidente anunciou que o Dia de Portugal será ali celebrado, no próximo ano, nos municípios mais afetados pelos incêndios, para que seja, «mais do que uma celebração, um compromisso» com o desenvolvimento do interior.
Foi um ‘golpe de asa’ para cobrir muito desleixo e negligência que as populações não perdoam. Nem esquecem.
Neste ‘teatro de sombras’, para além do ritual evocativo de Pedrógão Grande e dos discursos de circunstância, o que avulta são as estratégias desenhadas pelos gurus de serviço, para ninguém sair molestado nas sondagens.
Como se sabe, a popularidade é viciante, e tem ‘consumo’ garantido por parte de Costa e de Marcelo.
De um lado, a partir de São Bento, contrata-se uma legião de assessores e de ‘peritos’ em propaganda e gestão de crises, na ressaca dos estragos provocados por sucessivas novelas de mau gosto no interior do Governo.
Já por Belém prefere-se ‘convocar’, quase diariamente, os jornalistas – que, aliás, não se fazem rogados – tanto para ‘comentar’ irrelevâncias, como para advertir o primeiro-ministro, de que se ‘fizer agulha’ para assumir um cargo internacional, terá de confrontar-se com a dissolução do Parlamento.
A reação de Costa foi, aliás, divertida. Perguntou ele, em tom inocente, em declarações ao Público, a propósito das suas ambições europeias, se «alguma vez eu poria em causa a estabilidade que tão dificilmente conquistei?».
O conceito de ‘estabilidade conquistada’ do primeiro-ministro é, no mínimo, uma excentricidade, se olharmos à sucessão de dislates, de figuras tristes de governantes, e de histórias desconcertantes que têm atravessado o seu Governo, desde que tomou posse.
O caso protagonizado por João Galamba – ou o episódio rocambolesco do SIS e do portátil do adjunto – foram apenas as demonstrações mais recentes da barafunda instalada e da falta de sentido de Estado.
Manter Galamba em funções, apesar da sua clara impreparação para o lugar – e contra a vontade de Marcelo –, foi apenas um exercício gratuito do ‘posso, quero e mando’, com o qual Costa quis afirmar a sua autoridade.
Nas sondagens, como bem se sabe, medir a popularidade de políticos e de governantes é um item recorrente.
Marcelo-comentador entrou no star system muito antes de ser eleito Presidente, e tem porfiado, desde então, obsessivamente, pela sua popularidade.
Por seu lado, Costa gere com pinças a exposição mediática, em contraste com o Presidente que exagera nessa vertente, quando teria tudo a ganhar em resguardar-se e falar menos.
Esta dialética tem alimentado não poucas especulações sobre a coexistência entre Belém e São Bento, marcada por um despique permanente, embora se socorram mutuamente quando precisam de amparo.
Em meio século desde a fundação, o PS ocupou o poder – o que é diferente de governar – durante 25 anos. Com o atual Executivo, contudo, sobressaíram os sarilhos e as contradições que, noutras circunstâncias, e com outro Presidente menos cúmplice, já teriam ditado a sua queda.
Mas Marcelo, que gosta de ser popular, odeia a rutura. E Costa sabe disso.