Está o tabu montado

Costa soube sempre proteger-se e servir-se dos seus ministros como uma espécie de escudo, tornando-se inatingível e incólume aos ataques externos ou autoinfligidos. Mas, a partir do momento em que passou a ter que dar a cara por eles – como foi o caso particular do ainda ministro das Infraestruturas, João Galamba, e também do…

António Costa tem todas as condições para se recandidatar e ganhar em 2026».  A afirmação, de José Luís Carneiro, numa grande e bem fundamentada entrevista a Vítor Rainho (na última edição do SOL), deu o mote e o secretário-geral socialista não desperdiçou a oportunidade, antes pelo contrário, seguindo-se o líder parlamentar, Brilhante Dias, a dar sequência à estratégia. E está o tabu montado.

Há 15 dias, o SOL titulava em manchete que António Costa, com o adiamento do Congresso do PS de finais de agosto/setembro próximos para março de 2024 estava a criar as condições e a ganhar tempo, tal como Cavaco Silva em meados dos anos 90, para poder decidir sobre o seu futuro político quando lhe for mais conveniente e oportuno.

Ou seja, ao adiar a reunião magna dos socialistas para março de 2024 o líder socialista estava a atirar o Congresso seguinte (os estatutos determinam uma periodicidade de dois em dois anos) – este, sim e em princípio, o Congresso da sucessão –, para março de 2026.

O mesmo é dizer que, se este Governo de maioria absoluta cumprir a legislatura até ao fim (isto é, se Marcelo Rebelo de Sousa não dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas e, nomeadamente, se António Costa mantiver a sua afirmada indisponibilidade para vir a ocupar um lugar na Europa – como, por exemplo, o de presidente do Conselho Europeu), o primeiro-ministro em exercício só terá de anunciar a decisão sobre o seu futuro político nesse Congresso e nessa data de 2026.

E nessa altura terá todos os dados na  mão para decidir como bem entender.

Porquê?

Não sendo ele candidato a Belém, já saberá quem é que ocupará a cadeira de Presidente da República no quinquénio seguinte. E que garantias dará, ou não, na coabitação com o inquilino de S. Bento. Sendo que o novo Presidente estará impedido de usar a bomba atómica (dissolução da Assembleia da República e convocação de eleições antecipadas) nos primeiros seis meses do seu mandato. Ora, as eleições presidenciais decorrerão em finais de janeiro de 2026 e uma eventual segunda volta no final do mês seguinte. Em qualquer dos casos, a posse deverá ocorrer em março e os 180 dias seguintes acabarão em setembro, mês em que, a cumprir-se até ao fim a atual legislatura, ocorrerão as próximas legislativas (na pior das hipóteses, no início de outubro de 2026).

Por outro lado, Costa saberá também como estão as sondagens e qual a intenção de voto dos portugueses apenas a meio ano da ida às urnas.

Além de que terá igualmente na sua posse todos os dados da situação económica do país e o resultado da aplicação de milhares de milhões de fundos europeus, quer do PRR quer do Portugal 20-30.

Por junto, na altura saberá melhor do que ninguém com o que pode contar, ou não.

Além disso, a seis meses de eleições, assegurará com toda a certeza a mobilização do partido e suas principais estruturas dirigentes, nacionais e locais, em torno da liderança que sair do Congresso.

Restará saber qual o grau de desgaste com que António Costa chegará lá.

Para isso, é certo e sabido que vai mesmo ter de podar os ramos mortos de podres e fazer um refrescamento de imagem do Governo.

Por mais que queira resistir e seja contra remodelações de fundo, é inevitável.

Ao longo dos sete anos de chefia do Executivo, Costa soube sempre proteger-se e servir-se dos seus ministros como uma espécie de escudo, tornando-se inatingível e incólume aos ataques externos ou autoinfligidos.

Mas, a partir do momento em que passou a ter que dar a cara por eles – como foi o caso particular do ainda ministro das Infraestruturas, João Galamba, e também do da Educação, João  Costa –, tornou-se ele próprio no escudo e alvo desprotegido.

Por isso, a substituição destes ministros é obrigatória e não pode demorar muito.

Há ainda uma vantagem acrescida para António Costa deste tabu assim montado: uma vez que só decidirá o seu futuro político em março de 2026, não terá de esclarecer nada nem ninguém sobre cenários de eventuais entendimentos ou acordos de coligação para a futura governabilidade – terá sempre como desculpa não poder estar a condicionar as opções do seu eventual sucessor.

É claro que o mundo dá muitas voltas e três anos em política é uma eternidade, mas que António Costa conseguiu pôr o calendário a jogar a seu favor, isso é um facto.

Como é um facto que, por este caminhar, se o mandato deste Governo começou com o Presidente da República a ameaçar fazer cair o Governo no caso de Costa ter a ousadia de aceitar um lugar na Europa, afinal poder ser essa mesma a única via de evitar que a estratégia do tabu montado possa resultar em pleno.

Até porque, em política, o que hoje é verdade amanhã pode ser mentira e vice-versa. Como António Costa tão bem sabe.