por Luís Castro
Jornalista
Em tempos houve um Portugal onde os esbirros gritavam: «Está preso! Marche para a cadeia». Nem que fosse com duas costelas partidas. Lá dentro tratariam das vértebras. Nos clubes e nas lojas maçónicas faziam-se subscrições clandestinas em socorro dos presos e conspirava-se por eles. Em sítios ermos e a horas mortas, sujeitos embuçados sussurravam aos ouvidos. Nessa altura, não sopitavam e não havia dormentes, só descontentes.
Em tempos houve homens de bons costumes, dos que lutavam pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade – daqueles que se perderam no compasso do tempo e no esquadro da sabedoria; dos obreiros que sabiam que houve Luz mas que vieram das trevas. Entre as colunas já não há ‘Liberté Chérie’, só na marselhesa ou pelas memorações dos que lutaram lá longe, nos campos de concentração.
E porque ideal atingido é ideal morto – e como outro não se impôs –, começaram a combater-se uns aos outros. A lealdade aos princípios deu lugar ao nepotismo das compadrices e pela Igualdade também já não se arregaçam mangas. Vivemos um período de esterilidade com uma paralisação terrível das vontades.
Nos mosaicos da telerrealidade, vê-se que por cá continuam as chusmas comichosas – de chatins, onzeneiros e alcaiotes; de alvissareiros, troquilhas e estorvos; de testas de ferro e cabeças de pau. Os zumbidores tomaram conta dos nossos ouvidos e do ‘bairro alto’ silêncio ou cumplicidade no lambisco.
Vivemos com o que recebemos e marcamos a vida com o que damos. Mas os políticos já não cheiram ao feno dos campos, foram engolidos pela Babilónia burguesa e barata e refastelam-se agora no ventre digestivo lisboeta. E as sentinelas da Liberdade são cada vez menos livres. Já não são o quarto poder, meteram-nas no quarto com o poder.
Como a vida intelectual desnivelou, os engenheiros do caos roubaram-vos o maço e cinzelam a atenção mediática e inflamam as paixões. A propaganda alimenta-se de emoções negativas e alavanca o conflito político na base da oposição entre o povo e as elites. Populistas e nacionalistas uniram-se porque o que lhes interessa não é a política, é a opinião pública.
Tal como na Grécia Antiga, os demagogos alimentam-se da punição dos poderosos. Querem que nos enervemos, que sintamos perigo e que tenhamos medo. Há uma enorme quantidade de raiva que quando libertada gera um enorme poder de fogo – não o que mantém a chama acesa na busca da Verdade, mas a que nos leva para uma realidade paralela.
E, como se não bastasse, já dizia Ramalho Ortigão, a parlamentarice absorve o espírito dos governantes, são mal feitas as leis e a desmoralização dos costumes políticos chegou a uma impudência que escandaliza. Faz-se tudo à pressa, está-se a perder o amor pelo trabalho e a educação onde o Estado intervém precisa de umas reguadas. Pouco mudou, de lá até cá. E como faltam os bons Mestres, também faltam os bons Aprendizes.
O guerreiro da sintaxe figurada diz-se atento, mas quer mergulhar a Nação numa sarrabulhada. Radicais prometem um governo de desforra e os Conservadores já não resolvem problemas, subsidiam-nos. O asno, esse madraço e manhoso, já não sacode o mosqueiro – diz que são moscas fartas porque se as sacudisse viriam outras famintas. Não lhes franze a pele nem lhes abana com as orelhas. Inerte e estacado no valado, acha que já não vale a pena porque há muitos anos que a revolução não tem quem a represente.
Ao malhete da Justiça paralisou-se-lhe a vontade e à espada do poder apagou-se o flamejo e a clarividência. Faltam velas de Fraternidade. Os figurões, do Grande já não têm pouco e os cavaleiros partiram para Oriente. Dos outros nada sei, mas estes quebraram a cadeia de união e deixaram os azuis Lusitanos a beber do pipo, com a boca no espicho enquanto os pontapés dos outros não os fazem largar a vasilha e agarrar as canelas. Que dê, pelo menos, o suficiente para que bebam até ‘adormecer’.
Como o Guarda do Templo já lá não está e a Câmara de Reflexão ficou vazia, os homens de espírito estreito ocuparam o Palácio e atiram copos de água choca a quem lhes passa por perto. Sentem-se melhor na mediania.