por João Sena
As três primeiras etapas da mais importante prova velocipédica do mundo, transmitida para 190 países, desenrolaram-se no País Basco, com Bilbau a ser o ponto de partida. Contudo, a passagem da prova por esta região de Espanha não foi totalmente tranquila: a Polícia Autónoma do País Basco intercetou vários jovens que pretendiam ocupar a estrada e obrigar a prova a parar e, mais tarde, inúmeros bicicletas tiveram furos ao encontrar pioneses na estrada na parte final da segunda etapa, o que mereceu o comentário de Lilian Calmejan “Obrigado por esta estupidez humana”.
Em termos desportivos, se não houver uma grande surpresa, a edição deste ano vai viver do duelo entre Tadej Pogacar da UAE Emirates (vencedor em 2020 e 2021) e Jonas Vingegaard da Jumbo (vencedor em 2022), considerados os melhores do mundo atualmente. Pogacar afirmou: “Aprendi com os erros do ano passado, vou ter uma mentalidade e forma de correr diferentes este ano”. Ao passo que Vingegaard disse: “Fiz um estágio de duas semanas em altitude. Sei quais são os meus pontos fortes e estou preparado para vencer”. O dinamarquês quer chegar a Paris novamente com a camisola amarela, um símbolo que teve origem em 1919, quando a organização decidiu diferenciar de maneira clara e evidente o líder da classificação, até então era feita através de uma bracelete verde. Foi o diretor de prova à época, Henri Desgrange, diretor do jornal L’Auto, que escolheu o amarelo, porque essa era a cor que usava nas páginas do seu diário. Eugène Christophe foi o primeiro a vestir a camisola amarela na partida para a 11.ª etapa, já que não tinha sido possível ter a camisola antes. O francês andou de amarelo durante cinco etapas.
A Amaury Sport Organisation, organizadora da prova, concebeu um Tour com 21 etapas e 3.405 quilómetros. O ciclismo é um desporto exigente, em que o esforço individual e espírito de sacrifício têm um papel importante. Ao mesmo tempo, é fundamental o trabalho da equipa e, não menos importante, o apoio dos aficionados. A “corrente humana”, como os veteranos gostam de chamar, dão uma motivação suplementar quando se aproxima a meta.
Na edição deste ano, os ciclistas vão encontrar oito etapas planas, oito de alta montanha, com quatro chegadas no topo, quatro de média montanha e um contrarrelógio individual disputado nos Alpes, que termina com uma subida final de seis quilómetros. É claramente um percurso para os bravos da montanha.
Os especialistas em sprint podem brilhar nos três primeiros dias, depois só voltam a ter espaço para sobressair na etapa que leva os concorrentes até aos Champs-Élysées. A primeira semana tem passagem pelo Col de Soudet e Tourmalet e pode fazer a diferença e dar uma indicação de quem são os trepadores em melhor forma. As duas semanas seguintes serão demolidoras, merecendo destaque a 17.ª etapa, totalmente disputada nos Alpes, com 165 quilómetros sempre a subir descer, com passagem pelo Col de la Loze (2.300 metros de altitude) Mont-Blanc e Courchevel, e um desnível acumulado de 5000 metros.
Mano a mano
Os três primeiros dias tiveram alguma dureza e provocaram a desistência do líder da Movistar, Enric Mas, devido a queda, o que pode dar maior liberdade aos ciclistas portugueses da equipa. A primeira etapa terminou com o triunfo dos gémeos Adam e Simon Yates, que saltaram do pelotão a 400 metros da meta e travaram um mano a mano até final.
Na chegada a França, os velocistas foram mais fortes e o final da etapa, em Baiona, foi espetacular. O último quilómetro foi de tensão máxima, com vários ciclistas a lutar ombro a ombro pela melhor posição. Jasper Philipsen (Alcepin) aproveitou o grande trabalho de equipa para vencer a etapa em sprint. Com a chegada em pelotão não houve alteração na frente. Adam Yates mantém pelo terceiro dia consecutivo o primeiro lugar. “A equipa fez um bom trabalho e foi um dia bom para nós. As estradas têm sido boas e vou tentar levar isto com calma», disse o camisola amarela. Pogacar é segundo, a seis segundos, e Vingegaard ocupa a sexta posição, a 17 segundos.
A Volta à França deste ano conta com a presença de três ciclistas portugueses com muitos anos de experiência no World Tour. Rui Costa (Intermarché), Nelson Oliveira (Movistar) e Ruben Guerreiro (Movistar) aspiram a vencer, pelo menos, uma etapa, embora a sua principal missão seja trabalhar para a equipa. O antigo campeão do mundo de estrada deixou a UAE Emirates e juntou-se à Intermarché, onde diz ter maior liberdade para poder atacar. Está a fazer uma boa época e aparece num nível bastante elevado. A Volta à Suíça foi encarada como preparação para esta prova, mas a equipa abandonou após o falecimento do jovem Gino Mader.
Nelson Oliveira é um contrarrelogista e vai sentir dificuldades com o percurso deste ano, mas adaptado a trepadores. Rúben Guerreiro já demonstrou ser capaz de vencer etapas de grande dificuldade, pelo que é dos portugueses que pode obter melhores resultados. No final da terceira etapa, os portugueses estão longe dos lugares da frente, Rúben Guerreiro ocupa o 55.º lugar, Rui Costa é 68.º e Nelson Oliveira está na 70.ª posição.
Portugueses no topo
Na história desta mítica prova há vários portugueses em destaque. Alves Barbosa foi o primeiro a participar na Volta à França, foi 10.º classificado em 1956, mas o nome que mais se destaca é o de Joaquim Agostinho. O corredor participou 13 vezes na prova, venceu cinco etapas e terminou em terceiro duas vezes (1978 e 1979). Ficou na história da prova a mítica chegada ao topo do Alpe d’Huez, venceu a etapa, e Agostinho tem mesmo uma estátua na 14.ª curva dessa subida. Paulo Ferreira surpreendeu o pelotão e venceu uma etapa em 1984. Acácio da Silva foi outro português que se destacou na Volta à França. Em 1989, liderou a prova durante cinco etapas, foi o único português a envergar a camisola amarela. Participou em sete edições e venceu três etapas entre 1987 e 1989. Sérgio Paulinho ofereceu nova vitória a Portugal em 2010 e Rui Costa ganhou três etapas entre 2011 e 2013. José Azevedo nunca venceu uma etapa, mas terminou a prova no 5.º posto em 2004, que é o segundo melhor resultado de sempre.