“A ocorrência de uma onda de calor não está descartada”

Alfredo Graça, geógrafo e editor-chefe da Meteored Portugal, e Hélder Lopes, climatólogo da mesma plataforma, explicam ao i quais são as previsões de temperatura – incluindo as do mar – para o mês de julho.

“De acordo com o mapa concebido no nosso Departamento de Meteorologia na Meteored, prevê-se um julho mais quente do que o habitual, mas sem atingir os valores extremos do ano passado. A temperatura máxima poderá situar-se entre 0,5 ºC e 1 ºC acima da média climatológica de referência (anomalia térmica positiva) em grande parte da geografia do Continente”, começou por escrever, em comunicado, o geógrafo e editor-chefe da Meteored Portugal (tempo.pt), Alfredo Graça e realça agora ao i.

“Mesmo assim, prevê-se uma anomalia térmica positiva ligeiramente maior – entre 1 ºC e 1,5 ºC – para as regiões do país correspondentes à parte mais setentrional do distrito de Viana do Castelo, ao Nordeste Transmontano, a pequenas áreas dos distritos de Viseu e Vila Real, à faixa do litoral entre o Porto e Melides (distrito de Setúbal) e à totalidade ou quase totalidade do Alentejo e dos distritos de Lisboa e Santarém”, avança o mestre em Riscos, Cidades e Ordenamento do Território pela FLUP e mestrando em Ensino de Geografia na mesma instituição. “Apesar de não estar previsto calor tão extremo como em julho de 2022, a ocorrência de uma onda de calor não está descartada”, sublinha.

Recorde-se que, há exatamente um ano, a Europa enfrentava uma onda de calor. Na Polónia, por exemplo, a subida das temperaturas chegou acompanhada de tempestades violentas que provocaram queda de árvores, inundações e danos em vários edifícios, acima de tudo, no norte do país. No início de julho, em Helsínquia, capital da Finlândia, estavam 26 graus e, em Portugal, 21.

A previsão dos valores máximos, para o território nacional, variava entre os 35ºC e os 40ºC no Alentejo e no Vale do Tejo. Algumas localidades do país já registavam temperaturas acima dos 35 graus Celsius no primeiro dia de julho de 2022, sendo que o registo mais elevado verificou-se na estação de Oriola, em Portel, no Alentejo, que chegou aos 36,6ºC. Sabe-se que estas temperaturas mais altas que os valores normais para esta altura do ano deveram-se “ao surgimento de um fluxo de leste” sobre Portugal Continental, num “padrão meteorológico de bloqueio” que levará a que o tempo mantenha condições semelhantes durante toda a primeira quinzena, de acordo com o IPMA.

A onda de calor que se fez sentir contribuiu para um excesso de mortalidade em Portugal (continente e ilhas), há um ano, tendo sido contabilizadas 238 mortes entre os dias 7 e 13 de julho, como anunciou a Direção-Geral da Saúde (DGS). Numa nota partilhada pela DGS, o indicador que avalia o efeito previsto das temperaturas elevadas do ar na mortalidade “atingiu o valor de 1,28 no dia 14 de julho de 2022, traduzindo um impacto significativo na mortalidade causado por efeito da onda de calor”.

Regressando à atualidade: “Qual é a influência da possível formação de um bloqueio escandinavo no tempo em Portugal?”, pergunta Alfredo Graça. “Nas últimas atualizações do nosso modelo de confiança (ECMWF) começou a desenhar-se a possibilidade da formação de um bloqueio anticiclónico em redor da Escandinávia, o que resultaria num padrão meteorológico semelhante ao da segunda quinzena de maio e primeiras semanas de junho, com os efeitos que todos recordamos. Até agora, este verão, tem tido uma atmosfera muito dinâmica, com um padrão que se distingue do de verões anteriores (para já)”, indica.

“Com uma maior dinâmica dos centros de ação, as ondas de calor não costumam ser tão duradouras e, além disto, podem surgir outras situações meteorológicas. De facto, há algumas previsões a longo prazo que projetam a possibilidade do estabelecimento das altas pressões em redor da área Islândia-Escandinávia. Neste sentido, descargas de ar frio poderão baixar até à nossa latitude. No entanto, realce-se que os modelos de curto prazo projetam outros cenários, mais típicos desta altura do ano”, adianta, explicando que “não se descarta a ocorrência de episódios de chuva e trovoada em julho”.

“Julho é um dos meses mais secos do ano em Portugal Continental. Contudo, este mês também é famoso pelas trovoadas de verão – fortes nalgumas regiões do país – e às quais está associado o temido e catastrófico granizo por causa da destruição que acarreta para muitas culturas agrícolas. Mas, de momento, no que diz respeito à chuva, o nosso modelo de referência não vislumbra anomalias significativas para o mês de julho”, conclui.

 

Temperaturas do mar em Portugal batem recorde em Junho

 “O mês de junho registou as temperaturas do mar mais elevadas para o período dos últimos 20 anos. Dados lançados pelo Instituto Hidrográfico corroboram que durante o mês de junho de 2023, as temperaturas médias do mar registaram uma anomalia positiva face ao período entre 2000 e 2022. As boias de monitorização localizadas nos portos de Leixões, Sines e Faro apontaram temperaturas bem acima das médias históricas entre 2000 e 2020, superando também as médias dos anos mais recentes de 2021 e 2022”, declara Hélder Lopes, climatólogo da Meteored Portugal, que se doutorou em Geografia e Planeamento Regional na Universidade do Minho e em Geografia – Ramo de Mudanças Globais e Sistemas Naturais na Universidade de Barcelona.

“Em Faro, registou-se uma temperatura média na ordem de 20,6°C, representando um aumento de 1,0°C em comparação com os anos anteriores. Em 2022, a título de exemplo, a temperatura média da água foi de 19,7°C. No que diz respeito aos valores máximos registados no passado mês, a temperatura do mar em Leixões atingiu 21°C a 20 de junho. Porém, o recorde encontra-se em agosto de 2005, quando alcançou os 22,4°C”, continua, lembrando que “em Sines, registou-se uma temperatura de 20,7°C em 24 de junho, também situado abaixo do recorde de agosto de 2016”.

Por outro lado, “em Faro, a temperatura máxima alcançou 24,4°C a 22 de junho, mas não superou o recorde de agosto de 2010, quando se registou uma temperatura máxima de 26,6°C”, observa o também investigador do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT) e colaborador do Grupo de Climatologia do Instituto de l’Aigua (IdRA, Grupo de Climatologia – Barcelona). “Embora os valores máximos em junho tenham sido elevados e indiquem um aumento na temperatura do mar em Portugal, nenhum recorde absoluto foi quebrado. Entre 2000 e 2020, as temperaturas mais altas registadas foram de 21,2°C em Leixões, 21,9°C em Sines e 25,3°C em Faro”.

“Com base nos mapas elaborados pela Meteored Portugal e provenientes dos modelos ECMWF, nos próximos dias a ondulação será proveniente do noroeste, com altura variando entre 1 e 2,5 metros nas áreas da costa ocidental. A temperatura da água do mar oscilará entre os 14°C, na costa do Porto, e os 18°C em Sines. Já na costa sul, as ondas terão direção predominantemente de oeste, com altura entre meio metro e 1 metro. A temperatura da água do mar estará entre 20°C e 22°C na costa algarvia, indiciando bons valores para a ida a banhos”, revela, ressaltando, porém, “que, apesar do aumento generalizado das temperaturas do mar, estas estão relativamente baixas na costa norte de Portugal Continental, algo que já é comum nos verões da nossa latitude”.

“Esses valores mais baixos da temperatura da água ao norte de Portugal refletem o contexto geofísico associado aos regimes de nortada que ocorrem durante o verão e que contribuem para a circulação oceânica com o efeito de Coriolis. Isso significa que, nesta época do ano, ocorre um desvio para a direita da corrente gerada pela nortada, o que leva ao afastamento das águas superficiais em direção ao largo e à ascensão das águas mais profundas próximas à costa, com temperaturas mais baixas”, finaliza.