Perante a sucessão de casos suspeitos (ou declaradamente fraudulentos) envolvendo figuras do universo socialista, ouve-se dizer com cada vez maior frequência: «Os socialistas são todos uns aldrabões».
Será verdade?
Obviamente não é: há aldrabões em todos os partidos.
Sucede que a génese do PS é mais suscetível a certo tipo de fraudes do que a do PSD.
E, por outro lado, desde o 25 de Abril o PS tem estado muito mais tempo no poder do que o PSD, o que atrai muita gente com interesses obscuros.
O Partido Socialista é historicamente um partido profundamente ligado ao Estado e à Função Pública.
É herdeiro direto do Partido Republicano Português (rebatizado de Partido Democrático em 1911), que dominou desde o princípio ao fim a 1.ª República.
Tinha uma influência sobretudo urbana, na pequena e média burguesia citadina – comerciantes, empregados do comércio, funcionários públicos -, exatamente como o PS.
E tal como tem acontecido com o PS nesta 3.ª República, controlava o poder mesmo quando estava fora do Governo, mercê da sua presença a vários níveis da máquina do Estado.
O PS é hoje liderado por António Costa – o PD teve em Afonso Costa o seu líder mais marcante.
O PSD é um partido completamente diferente.
Não tem raízes históricas.
As suas ligações ao Estado são frágeis: funda-se sobretudo na sociedade civil.
O seu fundador era um bem-sucedido advogado do Porto, trabalhando em profissão liberal, Francisco Sá Carneiro.
A sua base assenta não no Estado, no funcionalismo, mas nos pequenos empresários, nos profissionais liberais, nos empreendedores.
Haverá lá muita gente pouco honesta – como ainda ontem se viu – mas as ‘aldrabices’ passam-se em geral fora do universo do poder, no mundo dos negócios.
O prolongado casamento entre o Partido Socialista e o Estado gerou um clima de promiscuidade que facilita a corrupção e o nepotismo.
Assistimos no PS a episódios sucessivos envolvendo os poderes públicos, assistimos a fraudes com subsídios do Estado ou da Europa, assistimos a trocas de favores e a tráfico de influências.
Os casos não são de agora: vêm de trás.
Quem não se lembra do escândalo da UGT, no tempo de Torres Couto, envolvendo dinheiros do Fundo Social Europeu destinados a supostos cursos de formação?
E do caso Emaudio, envolvendo o governador de Macau, Carlos Melancia, amigo chegado de Mário Soares?
E da destruição da PT, a nossa empresa-estrela na época, levada a cabo por um dueto composto por José Sócrates e Ricardo Salgado, com cumplicidades no Brasil?
Agora, surgem os escandalozinhos envolvendo este Governo – mas que também são reveladores do mesmo fenómeno.
É o secretário de Estado que se demite por suspeitas não só de corrupção na compra de material para o Ministério da Defesa mas também de contratos-fantasma de consultoria, no valor de dezenas de milhares de euros.
E vêm à memória outras histórias.
A história do segundo marido da ministra Ana Abrunhosa, António Trigueiros de Aragão, que recebeu fundos europeus quando ela era presidente da respetiva CCDR.
A história do marido da ministra Elvira Fortunato, Rodrigo Martins, gestor de uma Associação que recebeu subsídios do Ministério tutelado pela mulher.
A história da empresa do pai do ministro Pedro Nuno Santos, que também foi beneficiada com um subsídio qualquer.
É surpreendente, de resto, a quantidade de empresas e instituições ligadas a membros do Governo ou seus familiares, muitas delas recebendo subsídios e outros apoios.
Até o ministro da Saúde, com aquele seu ar inocente, tinha uma empresa cuja situação não resolveu logo quando foi para o Governo.
O PS não é um ‘partido de aldrabões’, como alguns pretendem – mas está minado por múltiplos laços que se foram construindo ao longo dos anos entre muitos militantes seus e os poderes públicos.
É uma teia que já não é possível desmontar.
Mesmo que o PS saia do poder, ficarão os seus altos funcionários no aparelho do Estado, ficarão os autarcas, ficarão presidentes e diretores de instituições públicas, etc., a exercer a sua influência e a retirar dela eventuais benefícios pessoais.
Dizer que no PS são todos aldrabões é uma generalização altamente abusiva e mesmo desonesta.
Mas há de facto muitos casos de desonestidade que mancham o Partido Socialista e fazem dele o campeão de muitos negócios obscuros envolvendo o Estado português.
Quem duvida?