por Luís Castro
Jornalista
Que gente! Que opiniões! Há névoas de enganos que fazem com que sejamos o discurso dos outros; há uma cegueira que nos deixa de olhos abertos; há um país brando por dentro que emudeceu por fora e se aterra à volta. Faltam homens de pé e à ordem, daqueles que improvisam e têm os pés firmes no Direito. Começa a faltar o pão aos crentes e vivem-se tormentas. Restam fragmentos de existência porque nos colocaram a inteligência de quarentena.
E não precisamos de passar horas à frente de uma Televisão, também conseguimos mentir sozinhos. Elas usam cores fortes e repetem narrativas dramáticas para que nos sintamos em perigo e tenhamos medo. Foram tomadas por zurros de ‘burrologistas’ que falam sobre o que não sabem, pelo sibilar de ‘tudologistas’ que brincam com caixas de fósforo num país de muita palha que arde rápido; pelos uivos de ‘acacianistas’ que ignoram os factos e imprimem opiniões. Eça dizia que para aparecerem num jornal, há assassinos que assassinam.
Aos políticos disseram-lhes que ponham ilusões na Televisão que o povo acredita; e que estejam sempre lá, para que mantenham o contacto. Mas não lhes disseram que de nada serve ser notícia hoje e arrependerem-se amanhã; que por alguma razão Deus os fez com duas orelhas e apenas uma boca – para ouvirem o dobro do que falam. Que já não são comentadores ou conselheiros, antes politiqueiros. E, já agora, que encham menos a boca com Abril e que o realizem.
A política sempre foi um ‘lodaçal malcheiroso’ conduzida à porta fechada, como lhe chamou lorde Rosebery. Mas escancararam-se as portas e veio-nos o cheiro – não se pode viver num esgoto sem que se lhe sinta a fedentina. Afinal haviam construído um esgoto social. E se é nesse exauro onde ideias e Ideais se confrontam com a realidade, também é aí que os populistas e extremistas abraçam o conflito e nos convencem que caminhamos no meio da desilusão.
Podemos dar um palácio a um rato, mas ele vai sempre preferir um esgoto. Daqueles que roem as coisas e atiram nuvens ao vento; dos que nasceram anjos, mas não lhes cresceram as asas; dos desgraciosos que rastejam num vácuo insondável. Antero de Quental haveria de contemplá-los como sombras das quais só chegam murmúrios feitos de ais. Portugal continua a gemer e pouco mais se nos vê do que a face imóvel. Há pessoas enojadas, outras indiferentes.
E se ‘o homem nasceu livre e em todo o lado anda acorrentado’, assim se lê no primeiro capítulo do Contrato Social, com o regresso das políticas populistas e a raiva ao sistema que favorece os ricos e os poderosos, o pensamento de Rousseau voltou a ser atual. A vontade do povo deveria guiar o Estado sem reservas, mas ele mete a mão em todos os cantos e recantos e as elites corruptas cooptaram os interesses por toda a Europa. Espantam-se, agora, que tenham emergido gerações de rebeldes descontentes e marginais que procuram a sua identidade sem submissão e servidão. Se lessem Étienne de La Boétie, percebiam que a autoridade assente na obediência consentida dos oprimidos não dura para sempre.
Platão avisava que o homem seria amarrado se a Justiça falhasse; Aristóteles pedia que os políticos lutassem mais pela Justiça do que pelo poder; Confúcio, entendia que só com Justiça haveria ordem e harmonia na sociedade; Sócrates (o filósofo) alertava que o maior dano que se poderia causar a uma cidade seria a injustiça. Os filósofos deixaram escrito que para fazermos coisas corretas, antes teríamos de nos tornar pessoas corretas e quem não buscasse o conhecimento acabaria a praticar o mal. Deveríamos revisitá-los.
Urge acordar do letargo. Por isso, deveríamos também revisitar os discursos de António Arnaut, Magalhães Lima, José Estevão ou Alves Martins para que se expurguem os empalhados e aqueles que falam muito, mas que rapidamente se cansam na luta e deixam as armas no campo de batalha. E porque há palavras que não são ditas com os lábios, é fundamental lembrar a primeira lei oculta: Calar e Escutar.