Por Manuel dos Santos
Parecendo fácil é cada vez mais difícil descobrir, no espaço de uma quinzena, o assunto âncora que deve orientar a lógica desta crónica periódica!
Realmente as matérias a que o Sr. primeiro-ministro (PM) chama ‘casos e casinhos’ multiplicam-se a uma velocidade avassaladora e quando parece que são o assunto de ‘hoje’, já são verdadeiramente o assunto de ‘ontem’ e serão depois substituídos pelo assunto de ‘amanhã’.
Mas o que funciona bem, no curto prazo, para enganar os distraídos ou os dependentes da situação atual, não chega para ocultar a grave crise moral que tem vindo a acentuar-se depois de 2015.
Está a surgir a altura em que se tornará inevitável um forte sobressalto cívico que obrigue a mudar este estado de coisas.
Apesar da evidente confusão reinante, cinco assuntos merecem um especial destaque.
O primeiro tem a ver com considerações recentes do Sr. PM que, objetivamente, ignoram as preocupações dos portugueses quanto à corrupção.
Já não bastava a incapacidade de criar e fazer funcionar os órgãos de transparência prometidos há muito tempo, foi ainda necessário lembrar que tudo isso, na prática, era capaz de ser secundário.
Vamos admitir, até para não deixar o Sr. Presidente da República isolado na sua generosa interpretação, que este ato do PM foi mais uma gaffe ou a prova da sua já reconhecida incapacidade de se exprimir de forma compreensível. Do mal o menos!
O segundo assunto tem a ver com o estranho silêncio de António Costa, membro do Conselho Europeu, sobre as declarações do seu colega Viktor Orbán.
O primeiro-ministro húngaro disse, na sequência do último Conselho Europeu que o pacote de ajuda financeira à Ucrânia, (50 mil milhões de euros) não tinha sentido, lógica ou utilidade, pois Putin ganharia a guerra de agressão que desencadeou, mantendo a economia russa em notável crescimento enquanto a economia europeia caminhava para a agonia.
Não competindo, exclusivamente, ao PM português, defender as decisões tomadas, justificava-se que, face à estranha, e ainda não explicada, cumplicidade verificada entre os dois colegas do Conselho, tivesse havido um sentido desabafo.
O terceiro assunto resulta das apreciações do Sr. ministro da Cultura sobre a valia e idoneidade dos deputados que constituem a CPI à TAP.
Realmente não se percebe o que levou o Sr. governante a descarregar a sua fúria apenas sobre os ‘comissários’ esquecendo que a maioria deles é o resultado dum processo de recrutamento de deputados que se preocupa mais com a fidelidade e subserviência às direções partidárias do que com a representação dos cidadãos que os elegeram.
O que devia ter preocupado o dr. Adão e Silva era o inenarrável relatório que a deputada do PS produziu. E já agora a sistemática recusa do PM em responder às questões pertinentes que lhe são colocadas.
Estes, sim, são atos que desqualificam a AR mas que nenhum governante, ou membro do grupo parlamentar maioritário, critica, pois as ordens são para cumprir e, como diz o cidadão comum, a vida custa a todos.
Compreende-se agora melhor porque é que o PM disse e reitera que só se pronunciará sobre a TAP no fim do processo de inquérito. Todos já perceberam quais vão ser as consequências políticas.
O quarto assunto é a tentativa do PM para condicionar a ação do Banco Central Europeu no combate à inflação.
Como lembrava recentemente o economista Ricardo Reis, num artigo com o título Cobiça e Inflação, é a política monetária que determina a inflação e, por isso, é prioritariamente, com a política monetária que se combate este fenómeno.
A inflação é, essencialmente um desequilíbrio entre a oferta e a procura que nem sempre se materializa na alta generalizada dos preços, como aliás sucedia na União Soviética com as prateleiras vazias, quando este fenómeno ocorria e… ocorria muitas vezes.
É óbvio que a política monetária causa perturbações e mal estar (é uma espécie de antibiótico contra a doença) e, por isso, é legítimo o uso de paliativos, através das políticas orçamental e de rendimentos, desde que não sejam transversais e se dirijam essencialmente aos que mais precisam.
Estar a atacar a política monetária do BCE que é dirigida a toda a Zona Euro, onde existe uma moeda de uso comum, para lá de revelar ignorância, é um profundo disparate.
E sobretudo é preciso recordar que foi com uma política de juros baixos (às vezes negativos) e com excesso de liquidez (quantitative easing), praticados pela Instituição, que os governos de Costa se foram aguentando.
Já tínhamos percebido que tudo isto era propaganda barata (embora inflacionada) para consumo interno, mas a recente diligência dos eurodeputados socialistas em visita a Frankfurt para obrigar a baixar os juros, eliminou quaisquer dúvidas, embora tenha aumentado o ridículo.
Finalmente, a cereja em cima do bolo.
«É completamente louca» – oito peritos, na maioria próximos do Governo, contrariam a decisão de optar, na rede ferroviária nacional, pela bitola ibérica que, segundo eles, será um garrote às exportações.
Como reagiu a isto o primeiro-ministro? Dizendo que tudo se resolvia a seu tempo «aparafusando aqui, desaparafusando ali».
Infelizmente esta irresponsabilidade é, hoje, a verdadeira imagem de marca do Governo. Quem quiser meter a cabeça na areia pode fazê-lo à vontade.