Arábia Saudita. São milhões aos pontapés

Os sauditas estão a ganhar protagonismo no mundo do futebol. O incentivo dos petrodólares é cada vez mais atraente, resta saber se a elite do futebol permanecerá na Europa. A UEFA reagiu e teve a resposta.

por João Sena

A narrativa não é nova. O Governo saudita quer diversificar a economia e torná-la menos dependente do petróleo. Nesse sentido, elaborou o plano estratégico “Visão 2030”, que passa por um forte investimento no desporto e turismo, entre outros setores de atividades.

O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman quer dar projeção ao campeonato com a contratação de jogadores que atuam na Europa e, simultaneamente, aumentar a receita da liga profissional para 490 milhões de euros até 2030 – esse valor foi de 120 milhões na época passada. A ideia é oferecer um espetáculo desportivo de qualidade, com estrelas estrangeiras pagas a peso de ouro que motivarão os sauditas a ir aos estádios e outros a viajar até à Arábia Saudita para assistir aos jogos. A ideia remete-nos para a famosa afirmação de Paulo Futre em 2011: “Vai vir charters de chineses todas as semanas para ver o melhor jogador chinês da atualidade”. Os responsáveis da liga saudita acreditam que o campeonato pode atingir a notoriedade das ligas espanhola e italiana.

Como têm capitais ilimitados e não estão sujeitos ao regulamento financeiro da UEFA conseguem atrair bons jogadores, o que é uma importante vantagem competitiva face aos europeus. Além de muito dinheiro, a Arábia Saudita tem outra característica que é o facto de a população ser fanática por futebol, ao contrário do que acontece em países vizinhos como o Qatar e Emirados Árabes Unidos.

O desmedido interesse dos sauditas pelo desporto mais popular no mundo pode impactar o futebol do Velho Continente. Ao receberem largos milhões de euros com a venda de jogadores com carreira feita, os clubes ficam com uma capacidade financeira que lhes permite ir ao mercado contratar as grandes promessas do futebol mundial e gera-se um efeito multiplicador de entrada de dinheiro que pode  desequilibrar as competições internas e as provas europeias. Existem dois bons exemplos: O Manchester City contratou Jack Grealish por 140 milhões de euros, foi a contratação mais cara de sempre no futebol inglês, isso só foi possível porque pertence a um fundo dos Emirados, e o PSG juntou na frente de ataque Messi, Mbappé e Neymar, três dos quatro jogadores mais bem pagos do mundo com a ajuda de um fundo governamental do Qatar.

Pressão sobre a UEFA Percebe-se agora que a contratação de Cristiano Ronaldo foi o primeiro “tiro” de uma programada ofensiva no futebol. A surpreendente transferência de Rúben Neves para o Al Hilal e a possibilidade (não desmentida) de Bernardo Silva ser o próximo grande investimento da Saudi Pro League deixou em alerta os responsáveis do futebol europeu, que parecem assustados com a possibilidade de êxodo dos futebolistas que jogam nos principais clubes europeus.

A Liga dos Campeões é a joia da coroa da UEFA e a saída de algumas estrelas poderia retirar brilho à competição e afetar os contratos de publicidade e de televisão. Há exemplos que mostram o impacto da saída dos melhores jogadores: a liga espanhola perdeu muito com a transferência de Ronaldo para a Juventus e voltou a perder quando Messi foi para o PSG.

O presidente da UEFA, Aleksander Ceferin, criticou a estratégia de contratações: “É um erro da Arábia Saudita. Eles deveriam investir na base, formar treinadores e desenvolver os seus próprios jogadores”, afirmou o responsável pelo futebol europeu à televisão neerlandesa NOS, adiantando “contratar jogadores quase em final de carreira não é o sistema adequado para desenvolver o futebol no país. É um erro semelhante àquele que a China cometeu”. Ceferin foi mais longe e lançou um repto “alguns olham para a Arábia Saudita como forma de ganhar dinheiro no final da carreira, mas digam-me um jogador de topo, que esteja no auge da carreira, que tenha ido jogar para a Arábia Saudita? Não tem só a ver com o dinheiro. Os jogadores querem conquistar competições de topo. E as competições de topo estão na Europa”, concluiu.

As afirmações de Ceferin tiveram resposta contundente de Hafez Al-Medlej, presidente do Comité de Marketing da Confederação Asiática de Futebol. Numa entrevista ao jornal saudita Kooora garantiu que o projeto da Arábia Saudita para o futebol nada tem a ver com o chinês, “esse discurso é falso. Não contratamos jogadores que estão acabados”, e deu o exemplo de Rúben Neves, de 26 anos, que vai jogar no Al Hilal. Hafez Al-Medlej deixou alguns avisos a Ceferin: “Estamos apenas no começo. Todos os jogadores transferíveis podem ser alvo dos clubes sauditas. A experiência da China nada tem a ver connosco, o objetivo deles era puramente de marketing. A Arábia Saudita tem um projeto de Estado para todos os clubes”. O exemplo chinês que começou com grandes contratações e acabou com a falência das empresas que apoiavam esses clubes dificilmente acontecerá na Arábia Saudita. O dinheiro do fundo de investimento publico e o das empresas privadas vem todo do Estado, e enquanto houver petróleo dinheiro é que não vai faltar no reino saudita.