Se a vida fosse um filme, as suas músicas fariam, com certeza, parte da banda sonora. Viveu uma infância marcada por desequilíbrios familiares. No entanto, isso nunca foi sinónimo de falta de música, o que o levou, ainda em pequeno, a sentar-se em frente a um piano. Mais tarde, foi pioneiro a transformar o instrumento de teclas num aliado do rock and roll, marcando também pela excentricidade das indumentárias escolhidas para cada concerto – há quem diga que o artista tem mais de 20 mil óculos de sol. Um defensor dos direitos da comunidade LGBTQIA+, adepto das causas humanitárias, é um militante na luta contra a HIV desde o surgimento da doença. Foi condecorado Cavaleiro da Coroa Britânica e membro da Legião da Honra Francesa e conseguiu fugir do mundo das drogas… Um homem sem pudores, uma estrela que conquistou o mundo inteiro e que, durante 52 anos, revolucionou a indústria musical internacional a cada canção. Elton John deu no sábado (dia 8 de julho) o último concerto da sua longa digressão de despedida, em Estocolmo, na Suécia.
Aos 76 anos, o cantor vencedor de cinco Grammy e com quase 5 mil atuações por todo o mundo, encerrou as tours para, como revelou, «dedicar mais tempo à sua vida pessoal».
Uma razão para viver
No concerto, que foi o segundo na cidade e durou mais de duas horas, o artista britânico agradeceu a todos por «52 anos de pura alegria a tocar música», optando por ‘Goodbye Yellow Brick Road’, uma das suas músicas históricas, para encerrar o momento. «Tocar para vocês foi a minha razão de viver, e vocês foram absolutamente magníficos (…) Vou levar-vos sempre na minha mente, no meu coração e na minha alma», exclamou para os milhões de fãs que encheram a Tele2 Arena. «Esta noite foi mágica. Estou a tentar processá-la, e creio que não me darei conta, durante algum tempo, de que acabaram as digressões. Não vos consigo explicar as saudades que sentirei dos fãs e o quão sensibilizado me sinto pelo seu apoio. Ficará comigo para sempre», afirmou ainda.
De acordo com os meios de comunicação suecos, Elton John, «vestido com uma bata incrustada de pedras de fantasia e usando óculos de grandes dimensões», homenageou os membros da sua banda, considerando-os «os melhores, absolutamente os melhores». Outra das surpresas da noite foi o facto de a banda Coldplay, que também se encontra em digressão pela Suécia, ter chamado Elton John do palco Ullevi, em Gotemburgo. «Todas as bandas que ajudaste e inspiraste adoram-te, nós adoramos-te. Sentiremos muito a tua falta», afirmou o cantor Chris Martin, juntamente com aplausos do público.
Recorde-se que a digressão de despedida de Elton John, apelidada ‘Farewell Yellow Brick Road’, começou em 2018, mas foi adiada devido à pandemia da covid-19. Agora, estima-se que mais de seis milhões de pessoas tenham assistido aos concertos que tiveram no alinhamento clássicos como ‘Your Song’, ‘Bennie and the Jets’, ‘Candle in the wind’, ‘Rocket Man’, ‘The bitch is back’, ‘I’m still standing’, ‘Crocodile rock’ ou ‘Saturday night’s alright for fighting’.
Um dos principais momentos desta longa «viagem», foi a participação do artista no Festival de Glastonbury, Reino Unido, no mês passado, onde se despediu dos concertos na terra que o viu nascer – este ano o Festival de Glastonbury obteve uma das maiores afluências de sempre da sua história.
Segundo a Billboard, esta foi uma das tours mundiais com maiores receitas de bilheteira de sempre, sendo a primeira a atingir os 900 milhões de dólares, o equivalente a 820 milhões de euros em vendas de bilhetes.
Uma paixão pelo piano
Mas de que forma Reginald Kenneth Dwight se transformou em Elton John? Como é que um rapaz que nasceu no Reino Unido, no seio de uma família pobre e com falta de sensibilidade, se torna um dos artistas mais aclamados do mundo, ganhando, durante a sua carreira, cinco Grammys, cinco Brit Awards, dois Óscares, dois Globos de Ouro, um Tony, um Disney Legends, o Kennedy Center Honors; sendo classificado com o 49.º lugar na lista dos cem músicos mais influentes da era do rock and roll pela revista Rolling Stone e se torna o artista solo masculino mais bem-sucedido na Billboard Hot 100 de todos os tempos?
Nascido em 1947 como Reginald Kenneth Dwight, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, a sua infância «não foi fácil». O dinheiro era escasso e os seus pais tinham alguns problemas. Segundo a Rolling Stone, a sua mãe, Sheila Eileen, tinha bipolaridade e era muito rigorosa. Já o seu pai, Stanley Dwight, apesar de nunca lhe ter batido, agredia-o verbalmente.
Contudo, ambos tinham bom gosto musical. Durante a década de 1950, o rapaz começou a interessar-se pelos álbuns que a família colecionava e acabou por se apaixonar pelo estilo de Elvis Presley e Bill & His Comets. Aos três anos, o menino já tocava piano. No entanto, a sua mãe só notou a sua habilidade um ano depois, quando o ouviu a tocar uma música do compositor francês Émile Waldteufel no piano da avó. E, foi apenas com sete anos que começou realmente a ter aulas para aperfeiçoar o seu dom. Não foi preciso muito até ter recebido uma bolsa de estudos na Royal Academy of Music, no centro de Londres.
Apesar de lhe ter calhado a «sorte grande», após alguns anos a estudar música clássica ocidental, o que o levou a apaixonar-se por Bach e Chopin, o jovem percebeu que não queria passar a vida a ler uma pauta e a tocá-la para o público. Ele queria algo maior: criar as suas próprias canções, fazer algo diferente.
Deixou, por isso, a Academia pouco antes dos exames finais e, aos 17 anos, começou a tocar numa banda chamada Bluesology, que criou com os amigos, escreve a revista de música britânica.
Mudança de nome
Depois de alguns anos de luta, a vida de John mudou em 1967, quando respondeu a um anúncio da Liberty Records que dizia: «Procura-se talento». Bernie Taupin, um escritor de Lincolnshire, respondeu ao mesmo anúncio, iniciando-se assim uma das maiores parcerias musicais de todos os tempos, que continua até hoje. Foi nesse processo que o artista percebeu que não gostava do nome dos pais e que queria um nome que «parecesse pertencer a um músico famoso», por isso, juntou dois nomes dos integrantes da sua banda – ‘Elton’ de Elton Dean, o saxofonista do Bluesology, e ‘John’ do vocalista Long John Baldry.
Na biografia lançada pelo cantor britânico, ‘Eu: Elton John’, em 2019, o mesmo revela que a mudança de nome o fez sentir «uma pessoa nova e regenerada», permitindo «deixar o passado difícil para trás». Aliás, o mesmo livro conta que os cabelos coloridos, roupas e sapatos extravagantes e óculos exuberantes eram «uma reação a tudo o que não podia fazer quando era criança». Na biografia, o músico narra todos os momentos de sua vida, incluindo a rejeição que sofreu no início da carreira, as tentativas de suicídio, as suas amizades com John Lennon, Freddie Mercury e George Michael, as férias inesquecíveis com o estilista italiano Versace, a tristeza que sentiu ao cantar no funeral da sua amiga, a princesa Diana, e conta até mesmo como foi dançar com a Rainha da Inglaterra.
Nos dois anos seguintes, Taupin e John escreveram músicas para artistas promissores da época. Mas 1969, com o álbum ‘Empty Sky’, Elton John começou a cantar a solo as músicas que escrevia com o amigo. Um ano depois, lança o segundo álbum, desta vez com o seu nome, onde fundiu música gospel com pop rock – as famosas músicas ‘Your Song’ e ‘Goodbye Yellow Brick Road’ estão incluídas no disco. ‘Rocket Man’ veio depois, catapultando a sua carreira com o álbum ‘Honkey Chateau’, em 1972.
Drogas, sexualidade e caridade
Foi precisamente na década de 70 que o artista atingiu o auge da sua carreira, o que acabou por lhe trazer alguns problemas. Em 1974 usou cocaína pela primeira vez, e acabou por desenvolver um vício. De acordo com o próprio artista, a substância causava-lhe euforia e fazia-o sentir bem. Depois de se ter «limpo», Elton John nunca teve problemas em falar sobre esse período mais negro da vida, acabando, mais tarde, também por ajudar outros artistas a ficarem sóbrios.
Mas a carreira do artista não parava de subir. ‘Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy’, de 1975, foi certificado como «disco de ouro» antes mesmo de ser lançado, assim como ‘Rock of the Westies’, menos de cinco meses depois.
Em 1976 o cantor partilhou que era bissexual. Recorde-se que o artista começou a namorar John Reid, um dos mais bem-sucedidos managers do rock que foi uma figura determinante no sucesso artístico de Elton John, incentivando as suas loucuras, o seu visual e as suas performances, tal como dos Queen. A relação durou apenas cinco anos. Em 1984, casou-se com a engenheira de som Renate Blauel, com quem viveu por quatro anos.
Em 1992, o cantor britânico fundou a Elton John AIDS Foundation, para ajudar a encontrar uma cura para a doença que afetou muitos na comunidade LGBTQIA+, incluindo o seu amigo Freddie Mercury. Nesse mesmo ano, conheceu o seu atual marido, o cineasta David Furnish. Casaram-se em 2014 – quando o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado no Reino Unido -, e têm dois filhos, Zachary e Elijah, com 12 e 10 anos, ambos nascidos através de gestação de «barriga de aluguer».
Ao longo da carreira, Elton John vendeu mais de trezentos milhões de discos, o que o coloca entre os dez artistas e bandas com mais álbuns comercializados no mundo.
Numa recente entrevista ao Metro UK, o marido do artista falou sobre a reforma do Rocketman. «É difícil. Sinto a sua falta quando não está connosco, assim como os meninos. Sei que ele também fica com saudades. Agora é hora de passar mais tempo juntos como uma família. Não poderíamos estar mais felizes e empolgados com isso», revelou. No entanto, David deixou claro que não há qualquer sentimento de ingratidão na vontade de Elton ao parar. «Ele ama estar no palco. Sente-se super agradecido. Mas os nossos meninos estão a crescer e precisam cada vez mais de nós. Termos a oportunidade de criar estas crianças traz-nos uma felicidade, alegria e satisfação sem fim», acrescentou.