Mentir ou mudar de opinião?

Luís Aleluia era um ator, autor e encenador cheio de talento. Como membro da direção da Casa do Artista abraçava as suas causas e acompanhava de perto o seu funcionamento.

Por Luís Paulino Pereira, Médico

Pouco passava da meia noite daquela trágica sexta-feira, 23 de junho. Em frente à televisão assistia ao espetáculo sempre deslumbrante do fogo-de-artifício no Porto, assinalando as festas de S. João. No final da transmissão, surge, de repente, uma referência a Luís Aleluia que me surpreendeu. 
Quis certificar-me do que tinha sucedido, e não foi preciso esperar muito, pois as redes sociais, os telefonemas ininterruptos e as mensagens no telemóvel confirmaram logo o pior cenário. O nosso querido Luís Aleluia partira. Não queria acreditar. Tínhamos estado a tratar de assuntos de trabalho uma semana antes e, mesmo sendo médico, habituado a lidar com estes dramas, tornou-se-me muito penoso aceitar o sucedido. 

Estando fora de Lisboa, decidi antecipar o regresso à capital, por entender que a minha presença era importante no local de trabalho onde há algum tempo iniciei funções: a Casa do Artista.
Várias perguntas me têm sido feitas acerca da saúde do ator e quais as possíveis causas para o seu desaparecimento – visto aparentar um ar saudável, sem quaisquer sinais de doença visível. A minha resposta é sempre a mesma: foi uma partida inesperada. As causas já pouco interessam, pois o que agora conta é sabermos que, infelizmente, ele já não está connosco.

Apesar de nos conhecermos de Setúbal, foi a partir da altura em que entrei para a Casa do Artista que passámos a conviver regularmente. Seguidor dos meus artigos neste jornal, que sempre comentava, era um ator, autor e encenador cheio de talento, que estava no coração dos portugueses. E como membro da direção da Casa do Artista abraçava as suas causas e ia acompanhando de perto o seu funcionamento. 

Preocupado com os residentes, perguntava-me sempre como estava a saúde deste e daquele, deixando bem claro: «Doutor, não pode faltar nada a nenhum residente!». 
Quando nos despedíamos, se eu usava uma expressão vulgar do género «Até breve», ele corrigia-me de imediato: «Até breve, não. Até já!». ‘Até já’ como que quebra afastamentos prolongados e encurta distâncias entre as pessoas. Por isso, passei a adotar essa expressão, que nunca mais vou esquecer. 

Às refeições falávamos de teatro, de textos, de atores e encenadores, mas também da nossa cidade de Setúbal, do nosso rio azul, da Arrábida, da parte cultural e dos progressos da cidade de onde somos embaixadores. Facilmente se percebia que tinha Setúbal no coração e não escondia o seu passado, que o marcara profundamente. A Zita, sua mulher, também dedicada colaboradora da Casa do Artista, pessoa de causas e de valores, acompanhava-o para todo o lado e era um verdadeiro pilar em que ele se apoiava. Com os filhos, apostaram num projeto de família que, a partir de agora, noutros moldes, ela terá de continuar. 

Partilhámos a última refeição juntos uma semana antes da sua partida. Apresentou-me alguns projetos e quis saber a minha opinião, um dos quais envolvendo a Dra. Maria das Dores Meira, ex-presidente da Câmara Municipal de Setúbal, outra mulher dinâmica, de causas e amiga comum, que ele tanto admirava.

Luís Aleluia deixou-nos. «Na Casa do Pai há muitas moradas» – e naquela que lhe foi destinada estará de certeza a olhar por nós e pela Casa do Artista, uma das suas paixões nesta Terra. Em minha opinião, esta instituição pela qual ele tanto lutou prestou-lhe exemplarmente a melhor homenagem na despedida, aliás, com toda a justiça. Na missa de corpo presente, o padre Vítor Melícias, numa brilhante homilia carregada de emoção, enalteceu a sua obra, lembrando, acima de tudo, que «a vida não acaba, apenas se transforma». Os dois coros presentes deram à cerimónia a dignidade que se impunha, e aquele arrepiante Panis Angelicus envolveu-nos ainda mais no ambiente de saudade e de profunda comoção. Por fim, fiquei sem palavras quando vi nos Olivais os marchantes da Marcha do Bairro Alto, da qual ele tinha sido padrinho nas festas de Lisboa, semanas antes.

Meu caro Luís: pela minha parte, quero assegurar-te que farei sempre o meu melhor pelos residentes e funcionários da Casa do Artista. Procurarei não deixar cair os projetos que me apresentaste, mas, neste momento difícil, o que sinceramente me vai na alma resume-se a duas palavras: «Até já!».

(À memória de Luís Aleluia)