Jorge Palma. “Quando tinha vinte anos dizia que não queria viver para lá dos quarenta”

Com um novo disco no bolso e uma série de aclamados concertos, estivemos com Jorge Palma para falar sobre a nova fase da sua carreira.

Depois de ter lançado o seu décimo quarto álbum, Vida, o primeiro disco de originais em 13 anos, e de ter feito um concorrido e elogiado concerto no festival NOS Alive, o i esteve reunido com Jorge Palma para falar sobre este momento positivo da carreira e recordar algumas histórias do passado. 

O artista conta-nos as principais diferenças entre como era trabalhar em estúdio no início da sua carreira e atualmente, mas não fica apenas pelas memórias do passado, partilhando connosco alguns dos artistas atuais que mais admira e como ter “sangue fresco” ajuda a sua música a manter-se atual e interessante.

Palma aproveita ainda para refletir sobre alguns dos excessos que marcaram a sua carreira, confessando que sempre gostou de “experimentar”. Contudo, agora, revela-nos que está a aprender a viver a vida ao “natural” e a desfrutar disso.

 

Este ano lançou Vida, o seu primeiro disco de originais em 12 anos. Porquê este intervalo tão longo?

Não sou o tipo de pessoa que escreve diariamente. Não tenho um método fixo, como aquelas pessoas que acordam e, todos os dias, sabem que têm de dedicar o seu tempo à escrita. Não é assim que funciono. Mas, nos últimos tempos, não senti necessidade, em termos económicos, de lançar músicas novas. Tenho tido sempre muitos concertos, por isso não senti que fosse necessário lançar um álbum para chamar a atenção do público. Entretanto, o tempo foi passando, mas também não tive pressa absolutamente nenhuma. Escrevi a primeira canção deste disco há meia dúzia de anos e, de vez em quando, se me surgisse uma ideia, ia desenvolvendo umas canções.

É assim que nascem as suas músicas? Na inspiração do momento.

Sim. No caso deste disco, acho que as canções casam bem, apesar de terem estilos completamente diferentes. Eu tenho muitas influências, desde a música clássica, ao jazz, ao rock… Todas estas músicas diferentes vivem dentro de mim, daí existirem todos estes arranjos diferentes. Acho que está um disco engraçado, mas eu sou suspeito (risos).

Depois de tanto tempo afastado dos estúdios, sentiu que existia alguma ferrugem a retirar?

Estive longe de estúdios, mas continuei a gravar. Gravei o álbum ao vivo com o Sérgio Godinho, Juntos (2015), assim como um concerto ao vivo com uma orquestra de câmara dirigida pelo maestro Cesário Costa (2021). Mas não me senti enferrujado, ao longo destes anos tenho ido a estúdio a gravar com outros músicos, fazer duetos, por exemplo. É uma experiência que estimo sempre bastante, é um autêntico laboratório de experiências e uma oportunidade de aprendizagem.

Já que está a falar de trabalho de estúdio, na sua opinião, quais são as principais diferenças entre as sessões de estúdio da época em que começou a gravar comparado com atualmente?

Em termos tecnológicos não tem sequer comparação. A primeira gravação que fiz, que foi com o meu grupo de sindicato, que era um grupo rock que incluía um conjunto de metais, foi gravada em quatro pistas, em 1970.

Era algo que devia dar um trabalho enorme.

Sim, era preciso fazer pré-misturas, passar tudo para uma ou duas pistas, depois ir acrescentando outras camadas. Mas a tecnologia foi evoluindo rapidamente. No meu primeiro álbum a solo, Com Uma Viagem na Palma da Mão (1975), já gravei em 16 pistas, o que era também muito complicado porque existiam muitos instrumentos. Era um pouco inspirado em rock sinfónico, por isso, era preciso uma grande atenção ao detalhe e saber precisamente quando um instrumento, como um sino, tinha de ser tocado.

Acha que, atualmente, este processo, como é tão mais facilitado, acaba por perder um bocado do seu encanto? 

Atualmente, existe um número infinito de pistas e possibilidades. O Pro Tools é uma invenção do caraças (risos). Não se perde magia nenhuma no processo. O trabalho é muito facilitado, o que nos deixa muito mais à vontade para gravar. A única coisa que se perde é o aspeto cómico, onde uma pessoa tenta fazer milagres com os seus recursos já limitados (risos).

Alguma vez imaginou que iria fazer música durante tanto tempo?

Nunca pensei muito a longo prazo e é algo que continuo a não fazer. Gosto de viver o dia a dia. Mesmo pensar em projetos que só vão acontecer daqui a um ano… a vida muda muito e acaba por sair tudo ao contrário. Trabalho em música desde os meus 20 anos, sempre a ganhar dinheiro, por isso, cedo percebi que iria conseguir viver com este trabalho. 

Mas nunca teve uma fase da sua vida que tivesse ficado mais preocupado?

Não. Para já, quando tinha vinte anos, dizia que não queria viver para lá dos quarenta. ‘Isso já é um gajo muita velho!’. Depois, à medida que vamos ficando mais velhos, a perspetiva vai mudando. Neste momento, com 73 anos, acho que os 90 anos são uma idade muito nobre (risos). Espero conseguir chegar lá com muita saúde. 

Nunca ficou preocupado, depois de escrever tantas canções, que as histórias que tem para contar pudessem chegar ao fim?

As histórias surgem de todo o lado, basta uma pessoa estar num modo de absorver, reproduzir, brincar e conjugar as ideias. Algumas histórias são verídicas, outras mais ficcionadas e até umas que são pura invenção, mas acredita que nunca vão acabar. Existem períodos em que não estava nada inspirado, não me saía nada, e foi algo que aconteceu várias vezes. Até períodos relativamente longos.

O que é que um artista, que depende de momentos de criação, faz quando passa por estes bloqueios?

Existe sempre o lado da execução, portanto, desde que não faltem concertos e propostas para outros projetos, como colaborações com outros músicos, não existe necessidade de entrar em pânico. Foi algo que nunca me aconteceu. Se estiver mais bloqueado gosto de ler uns livros, ajuda a alimentar a máquina e a manter-me mais ativo. Quanto às histórias, é uma questão de dar atenção a alguns pormenores que acontecem no nosso dia a dia. Ouvir música, ir a concertos, visitar exposições, tudo isto ajuda a dar forma a novas canções.

Tem o hábito de ouvir música nova ou fica-se pelos clássicos?

Os velhotes continuam a ser uma grande fonte de inspiração, continuo a aprender muito com a escrita do Bob Dylan, Paul Simon, James Taylor, Leonard Cohen… Quanto à música nova, depende da fase da minha vida, existem alturas em que estou informado em relação ao que acontece lá fora, mas também aqui dentro. Em Portugal, faz-se muita coisa boa.

Quem é que gosta de ouvir desta nova geração?

Através do contacto e convívio com músicos mais novos acabo por ficar sempre a conhecer melhor as obras dessas pessoas, mas também de artistas com quem trabalham. Como foi o caso de A Garota Não, a Marisa Liz, a Márcia, Mazgani, o próprio David Fonseca, que já é um clássico. Mas existem também putos que estão a aparecer que me impressionam muito. Dei um concerto em Viseu, no dia 20 deste mês, e, um dos convidados foi o Gustavo Reinas, um miúdo que ganhou o The Voice Kids a cantar uma canção minha, a Passeio dos Prodígios. Tem muito talento e admiro muito o seu trabalho.

Sinto que também gosta de levar estes músicos mais novos para a sua banda, como o Nuno Lucas e o João Correia, que também tocam com outros músicos, por exemplo, acompanham o Bruno Pernadas. Ter este sangue fresco a fazer música consigo é essencial?

Sangue fresco é essencial. Atualmente, o músico que me acompanha há mais tempo é o meu filho Vicente, que toca comigo há mais de vinte anos, tornou-se um bom músico e é uma parte essencial da banda. Depois tenho o Pedro Vidal, que é guitarrista e também diretor musical, e também estará na mesma idade do João e do Nuno.

Mas este sangue fresco não chega só com os membros da sua banda, neste disco conta com alguns convidados de luxo.

A começar pela Manuela Azevedo e o Rui Reininho, na Plantas da Lua.

Há pouco estava a dizer que Vida tinha muitas influências diferentes. Para mim, esta música é a mais fora da caixa de todo o álbum.

É capaz de ser (risos). Gosto muito dos timbres de ambos e acho que funcionam muito bem juntos. É sempre uma festa enorme poder gravar com eles. Somos amigos há muito tempo e temos feito várias coisas juntos. Existe uma grande cumplicidade, não é preciso explicar em grande detalhe o que é preciso fazer, é um processo livre. Gosto muito de trabalhar assim. Dou as notas gerais do que quero mesmo que exista na música, mas depois dou-lhes toda a liberdade para se expandirem e me impressionarem.

Como é que é para um pai músico contar com o próprio filho na sua banda?

Agora, também comecei a meter o meu filho mais novo, Francisco, de 28 anos, na minha banda. Ele teve educação musical e não toca nada mal. Ele entrou pela primeira vez num disco, em Vida, onde canta e toca guitarra, e estou a convidá-lo para cada vez mais concertos. É uma experiência mesmo muito boa.

Sinto que tem recebido um feedback bastante positivo dos seus últimos concertos. Estive presente no seu concerto no NOS Alive e achei que estava em muito boa forma. Foi um encontro de várias gerações de fãs, onde quase ninguém arredou pé para ir ver Arctic Monkeys. Como é que se tem sentido nestes últimos concertos? 

Tem sido muito bom. Estou um bocado mal habituado, porque o meu público costuma ser muito participativo, porreiro e de todas as idades. No Alive, os Arctic Monkeys começaram a tocar quando estávamos quase a acabar, mas, efetivamente, muita gente continuou a ouvir as canções.

Foi desafiante tocar neste festival? É um ambiente um bocado diferente daquele que costuma estar habituado. 

Antes de entrar em palco, não costumo pensar em que público é que vou ter. Concentro-me, entro em palco e faço o que tenho a fazer. Quanto mais participativo é o público, mais pica dá para continuar a tocar. Dá gozo e uma grande segurança quando o público começa a cantar as minhas músicas. 

Surpreende-o que exista tanta malta nova a ouvir e a interessar-se pela sua música?

Neste momento tenho clientes de seis anos (risos). Mas fico feliz, faz-me sentir bem.

Saber que vai dar um concerto com pessoas tão novas no público obriga-o a mudar alguma coisa em palco?

Isso é algo que não me passa pela cabeça. O concerto está pensado de uma certa maneira e é assim que ele vai acontecer. Claro, às vezes acontecem imprevistos que acabam por levar a improvisos, mas isso até é algo que acho interessante. Esses miúdos que começaram a ouvir-me, através dos pais e avós, apesar de serem muitos novos, já conhecem as letras de algumas das minhas músicas.

Mas isto não o faz conter-se no rock ‘n’ roll e excessos que acontecem nos concertos?

É igual. Quanto mais sentimos que a nossa música está a ser bem recebida por parte do público, ficamos com cada vez mais entusiasmo, mas é um processo que faz parte.

A sua carreira teve uma fase mais marcada por uma certa autodestruição e alguns excessos, continua a achar que isto ainda existe na música ou os artistas estão um bocado mais protegidos?

Os exageros e os excessos continuam a acontecer com muitas pessoas, como é o caso do Clube dos 27. Essa gente estragava-se muito… Eu também me estraguei um bocado, mas não diria que era autodestruição. Era um processo de experimentação. Tive curiosidade de experimentar muitas das drogas que existem e, felizmente, nunca tive nenhuma overdose e consegui resistir. 

Mas teve de colocar um travão no álcool.

Ao álcool e ao tabaco, que é algo que me faz muito mal e tenho plena consciência disso. Tenho provas que dizem que os meus pulmões precisavam mesmo que parasse com o tabaco, mas é algo que não estou a conseguir. Às vezes consigo diminuir, mas depende muito da atividade que estou a ter nesse dia. Se estiver a tocar um instrumento, fumo menos. Se estiver a escrever, fumo mais. Facilmente, consigo passar temporadas longas sem beber, mas com o tabaco não dá.

O álcool ajuda bastante a desinibir durante a criação ou durante uma performance, enquanto músico, foi complicado deixar de contar com esta “muleta”?

Desde muito novo, o fator desinibição estava muito ligado com a forma como abordei a cerveja e outras bebidas. Mas vou-me aguentando. O tabaco também tem um fator de desinibição, nem que seja pelo sistema nervoso. 

Imagino que subir para cima do palco, tocar para tanta gente, de certa forma, deve ajudar ir num espírito um pouco mais leve.

Isso é algo que já não faço. Acabas por perder o medo do palco, o que é algo que não é bom. Neste momento, antes de entrar em palco, seja em que concerto for, tenho aquele momento em que estou mesmo nervoso. Assim que entro, as pessoas batem palmas, pego no instrumento, começo a tocar… só aí é que o nervoso desaparece.

Este nervoso não foi algo que foi desaparecendo com o passar do tempo?

Não, nada disso, talvez até pelo contrário. 

Porquê?

Precisamente por não tomar desinibidores antes de subir para palco (risos). Estou ao natural e, quer queiramos, quer não, temos um sentido de responsabilidade a que queremos corresponder. Não quero desiludir as pessoas que vêm ver os meus concertos. Tive momentos da minha vida onde bebia antes de entrar em palco e acabava por não ter medo nenhum, mas não é medo nenhum. É importante sentir esse impacto e pressão. 

Sente-se também mais exposto?

Eu concentro-me o melhor possível em fazer aquilo que estou a fazer, mas também é importante gozar o momento e sentir a vibração do público. Ao natural, esta recompensa é muito melhor.