Estranhamente, ou talvez não, o meu pensamento voou para uma criação de André Maurois.
Porquê?
Pelo papel do silêncio.
Pela vantagem da consideração social da muda erudição resultante.
Pelo facto do personagem ser um Coronel.
Tudo junto, pelo que conseguimos retirar de útil ao silêncio do Coronel Brumble como imagem de vida.
A área da Defesa tem proporcionado, neste país de Cristo e noutros tantos mais, oportunidades de negócios, casos de aproveitamentos ilícitos, páginas e páginas de investigação jornalística, processos judiciais, demissões, promoções, escolhas e controversas decisões.
Nos últimos tempos a densidade dos casos aumentou.
Epicentro, o anterior ministério.
Envolvidos: diretores, secretários de estado, enfim, todas as peças do mobiliário político que o compunham.
Não ficaram por aí.
Mudado o ministro, prolongaram-se no tempo da sua sucessora.
Mudado o ministro, expressão de valor dual.
Mudou porque foi substituído, mudou porque ocupou nova pasta.
O que se torna mais difícil de entender é a distância em relação aos factos.
Foi, no mínimo, controverso o mandato anterior.
Saiu o ministro pela porta grande, foi nomeado para um degrau acima.
Ficaram as consequências das bombas de fragmentação.
Um dia, há pouco tempo, anuncia-se que um secretário de Estado telefona ao primeiro-ministro transmitindo um tranquilo anúncio: «Tenho de pedir a demissão porque fui constituído arguido»
O destinatário, calado, aceitou.
Acrescentou as palavras da praxe que se tornaram máxima: à justiça o que é da justiça.
Assim, sem mais, sem arriscar mais qualquer coisa, um ato de contrição, uma responsabilidade, um peso na consciência.
Afinal foi ele que escolheu os membros do Governo e até inventou um extraordinário compromisso de exigência para evitar casos futuros.
Depois refugiou-se no silêncio e na sua eloquência e, por um ato de magia, desapareceu.
Ao lado, uma comissão de inquérito, terminou o processo de avaliação de uma inacreditável intervenção de outros membros do Governo na gestão de uma histórica empresa pública que, de quando em vez, é privada.
O país todo percebeu o que tinha acontecido, o desvalor dos atos praticados, a rebaldaria governativa, o singular processo decisório, as possíveis consequências para o Estado.
A relatora, veneradora, atenta e obrigada, foi económica, afastou o inconveniente, concluiu dentro das margens do permitido, conquistou para a sua versão o mundo parlamentar do partido socialista.
Se ao primeiro-ministro fosse pedido um comentário, ele inevitavelmente diria: ao Parlamento o que é do parlamento.
E nem por um segundo recordaria a primitiva ideia de tirar consequências políticas no fim deste tempo.
Afinal, ele nada tem com isto exceto o facto de também ter escolhido aqueles membros do governo, os que ainda estão e o que saiu.
Nem uma ruga na testa se lhe acrescentou.
Convive bem com a adversidade.
Não lhe tiram o sono as investigações sobre corrupção, não lhe doem os comportamentos indefensáveis dos ministros.
E talvez tenha razão…
Afinal o que é isto em comparação com os portugueses que não têm acesso aos serviços de saúde, nem casa, nem capacidade de aquisição dos bens indispensáveis.
A menos que alguém recorde, inoportunamente, que tal acontece porque o Governo não faz o que deve.
As grandes dores são mudas.
O coronel Brumble é o silêncio.