À beira da chamada silly season, o Ministério Público (MP) resolveu chamar a si o protagonismo mediático em duas operações seguidas: a primeira na sede do PSD e em casa do seu antigo líder, Rui Rio; e a segunda, na sede da Altice e em casa de vários dos seus responsáveis, precipitando a demissão ou suspensão de funções de gestores e diretores.
Se no caso da Altice – sucessora da PT, a "jóia da coroa" que acabou desmantelada –, o aparato das buscas lembrou outros tempos, com outros atores (que continuam por julgar…), já em relação ao PSD a operação, além de inédita, pareceu desproporcionada, como se fosse destinada apenas a enfraquecer o principal partido da oposição.
O timing escolhido pelas autoridades para a devassa ao PSD coincidiu, aliás, com as vésperas do debate do estado da Nação, no qual o governo estava sob pressão, após o relatório de ‘encomenda’ da CPI da TAP e da demissão de mais um governante no meio de suspeitas de corrupção.
O que mais se estranhou, entretanto, foi o silêncio da PGR, Lucília Gago, apesar de instada, mal quebrado com uma declaração redonda e evasiva que não esclareceu nada. E foi de férias.
Ora se os partidos políticos não podem ser vistos como ‘vacas sagradas’, o mesmo deverá ser dito do MP, que é suposto ser uma estrutura hierarquizada e não uma «coleção caótica de procuradores», como a definiu José Miguel Júdice, discordando das buscas-espetáculo em casa de Rio e do PSD.
Tanto o MP como a Judiciária já conheceram várias fases, e nem sempre se saíram delas airosamente. E há muito que perderam a inocência.
Importa reconhecer que já passaram pelo MP procuradores gerais qualificados, que deixaram marca na casa, desde Cunha Rodrigues, tributário das mudanças que desenharam o atual figurino da PGR, a Joana Marques Vidal, a cuja determinação se deve muito das investigações a Sócrates ou ao BES e a Ricardo Salgado. Mas houve, também, Pinto Monteiro, com uma atuação, no mínimo, controversa em relação a Sócrates.
A não recondução de Joana Marques Vidal, justificada de uma forma pouco convincente, abriu caminho a Lucília Gago, que tem vindo a ser questionada, inclusive, no âmbito da Associação Sindical dos Magistrados do MP, como aconteceu, por exemplo, aquando da sua diretiva, datada de 2020, sobre a subordinação dos atos dos procuradores.
Com essa diretiva, ‘adubada’ por pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, legitimou-se, na prática, a obrigatoriedade de os magistrados que lideram as investigações, deverem comunicar à hierarquia todos os «atos processuais relevantes que tenham, ou se preveja venham a ter, especial repercussão pública».
Até por isso, é difícil imaginar que uma operação, como a do PSD, com a envergadura que se viu, fosse desencadeada à revelia de Lucília Gago, e sem o seu prévio conhecimento e chancela.
Dizer depois, como disse a PGR, que não lhe cabe «despachar processos, definir estratégias investigatórias nem os seus tempos ou os seus modos», como se nada tivesse a ver com o assunto, é, obviamente, uma falácia numa estrutura vinculada à hierarquia.
A polémica teve, por isso, toda a razão de ser. E, embora a Justiça careça de uma reforma de fundo, sem quebra da autonomia do MP, também este não pode ficar fora de qualquer escrutínio, funcionando em ‘roda livre’, consoante o entendimento particular deste ou daquele procurador ou da própria PGR.
A política não deve moldar a Justiça às suas conveniências. Mas um Estado de direito, em democracia, também não pode ficar refém da judicialização da política. Logo, a PGR não deve refugiar-se em silêncios ou declarações vagas.
A democracia faz-se com partidos, mas precisa de mostrar-se blindada contra extremismos, à direita e à esquerda, que florescem na Europa e que não se fazem também rogados por cá.
Ficou bem provado no debate sobre o estado da nação, que António Costa e o seu Governo (à deriva…), têm pouco para mostrar, para além do mantra das ‘contas certas’. O que sendo importante, não pode escamotear o desnorte que se vive na Saúde, na Educação ou na Justiça.
O Conselho de Estado ficou a meio para que Costa não perdesse o avião para a Nova Zelândia. O futebol, masculino ou feminino, reclama-se uma importância que não tem.
Mas na versão PS absoluto, o futebol é uma prioridade que justifica a ida do primeiro ministro aos antípodas para assistir à estreia da Seleção feminina no mundial da modalidade. E, de caminho, dar um salto a Timor-Leste.
E assim se desvalorizou mais uma iniciativa presidencial, que o deputado socialista Sérgio Sousa Pinto comentou na televisão deste modo: «O primeiro-ministro demonstrou de forma eloquente a importância que atribui aos conselhos de Estado marcados pelo Presidente da República». Certeiro e sarcástico. E está tudo dito.