por Rui Patrício
Calma, nada de conclusões precipitadas: não há gralha no título, eu quis mesmo escrever ‘Pingoas’, e não Picoas; isto por um lado; por outro, não vou aqui escrever nada sobre o conteúdo da dita ‘Operação Picoas’, e não é só porque não posso, é também porque não faltam, antes abundam, quer as fontes para as notícias quer as vozes para os comentários. Vou apenas alinhar umas palavras sobre o segredo de justiça, que aliás não são novas, até porque o tema é velho, nem são úteis, porque sobre o tema impera a mais rematada e hipócrita inércia. Têm sido dias fartos de violação escancarada e chocante (para almas ingénuas como eu, que acham que estão em vigor os artigos dos Códigos aplicáveis), pelo menos desde o dia 12 de julho, véspera das buscas, quando uma estação de televisão já estava à porta de um dos visados. Uma coisa, aliás, inócua, está bom de ver, e sobre a qual não tenho visto grande preocupação, incluindo dos costumeiros opinadores embevecidos sobre a ‘excelência desta justiça’. E digo ‘pelo menos’, porque também se diz agora que antes já se saberia da investigação levada a cabo pela AT de Braga. Tudo coisas, obviamente, de somenos, e que só a mim, pobre tolo, devem parecer graves e a merecer interesse.
Portanto, ‘pingoas’ vem de pingos – pingos constantes e grossos de revelação ilegal e criminosa para fora do processo de elementos do mesmo. E, por sua vez, quem os recebe de dentro do processo depois expande e propaga a revelação, o que, por acaso, e nos termos da Lei, também é proibido e também pode ser crime (e até depois de cessar o segredo, há coisas que se não podem revelar, é ver o artigo 88 do Código). Lamento dizer, mas não sou eu que o digo, é a Lei. E atenção que eu não quero calar ninguém, nem quero o mal de ninguém, nem nada. Só estou a relembrar o que diz a Lei, e que a mesma, por decisão soberana do legislador, não se aplica apenas à conduta originária que traz de dentro do processo a informação para fora. Aliás, o argumento de que o mensageiro não pode ser responsabilizado por transportar a informação traficada dar-me-ia porventura, se acaso eu fizesse processos relativos ao DL 15/93 (estupefacientes e substâncias psicotrópicas), um bom lugar paralelo como argumento, dizendo que quem transporta do produtor ao consumidor não faz nada de ilícito, pois se limita a proporcionar o amoroso encontro entre a oferta e a procura. E também gostaria de relembrar, já agora, que, se é verdade que o legislador limitou as possibilidades de investigação deste crime, não é verdade que se não possa investigar. E já nem digo que se recorra – o que serve para tudo, menos para estes casos, nos quais pelo vistos ninguém tem interesse, e que não indignam ninguém – à ‘prova indireta’, essa sagrada ‘resolve tudo’ da modernidade judiciária e judicial. Digo apenas que se ouçam pessoas, pelo menos. Entre o mais. E que depois se sigam as pistas (e são às vezes tantas e tão boas) e as regras do Código, et cetera.. Como se faz em todos os casos, mais difíceis ou mais fáceis. Menos nestes, como se vê. E depois cada qual que faça o seu trabalho, e assuma as suas responsabilidades. E, já agora, que cada qual se porte decentemente, o que, se acontecesse com todos, já seria meio caminho andado para que isto não ocorresse, desta forma ululante e obscena.
Mas pronto, são coisas minhas, não chateio mais. Mas não há problema nenhum. Está tudo bem, afinal. Aliás, as férias já aí estão ou estão à porta, e para a semana temos Jornadas, e mudará o disco. Tudo até à próxima ‘operação’, quando se voltar ao mesmo. Até lá, esta vai pingando (sem maldade e sem intenção, claro). And so on. Boas férias. E boas dicas.