por Fernando Matos Rodrigues
“E é tão grande macroonda
Vista dali da marina
Cheira tudo a ambição
a inundar de ouro a mina”
(GNR, “Las Vegas”, 1994)
No dia 18 de julho deste ano os músicos e as bandas residentes no antigo centro comercial STOP, localizado na Rua do Heroísmo na cidade do Porto foram impedidos de entrar nas suas instalações em nome da segurança, da higienização e da normalidade legal. Como é procedimento municipal estas acções têm sempre associadas grande aparato policial ao qual não está isenta a intimidação e a vigilância sobre os inquilinos que estão sob a acção violenta do despejo. A acção de despejo destes mais de 300 inquilinos levada a efeito pela Câmara Municipal do Porto visa criar um ecossistema favorável ao negócio imobiliário, afastando obstáculos e resistências que possam em qualquer momento bloquear a expansão da cidade-mercadoria. Aliás, metodologia empregue na renovação e gentrificação do Centro Histórico do Porto, com destaque para os últimos anos da acção do CRUARB e da criação da SRU_Porto Vivo que lhe deu continuidade.
Estamos perante o efeito da gentrificação urbana que se desloca do centro histórico da cidade para as freguesias anexas, com a consequente produção de espaço gentrificado e turistificado, integrado num desigual acesso à cidade, próprio das sociedades avançadas do capitalismo neoliberal. A fronteira real da gentrificação avança através de operações de reabilitação urbana promovidas com investimento público e com a proteção da mão submissa do poder municipal. Este tipo de acções têm o apoio e colaboração de outras instituições e agentes públicos e privados: o caso da banca, dos promotores imobiliários, misericórdias, das ordens profissionais, institutos universitários, onde o Estado e poderes locais chegam primeiro. Estas estratégias de reabilitação e regeneração urbana têm como principal foco a transformação de zonas urbanas “deprimidas” em operações de grande investimento global, numa estratégia de extrativismo económico-financeiro globalizado que tem como base a especulação do solo urbano para daí extrair elevadas mais valias financeiras em prejuízo da cidade dos homens (Smith, 2012; MatosRodrigues & Tarsi, 2020; Silva & Rodrigues, 2021).
A acção de despejo contra os inquilinos (músicos, artistas e lojistas) do STOP, insere-se neste vasto processo de gentrificação da cidade. Um processo que começa com a Capital da Cultura (2000/2001) e atinge o seu ponto ómega com a gestão neoliberal do actual Presidente Rui Moreira, tendo como braços armados a SRU-Porto Vivo na acção e promoção imobiliária e a Domus Social, como uma espécie de carro vassoura que dá solução aos destroços da higienização social do espaço-comunidade. O Capitalismo global toma conta da cidade, controla os seus usos e apropriações, privatiza mobilidades e espacialidades e controla o património público com a conivência dos poderes políticos. Com destaque para a privatização da cidade em benefício de capitalistas especuladores locais e fundos imobiliários globais (Harvey, 2014; Wright, 2019; Silva, 2020; Hickel, 2021).
Afinal, o que é que se passa com o STOP? O que está a acontecer no STOP é ou não consequência directa deste capitalismo selvagem que se instalou na cidade do Porto? Estamos perante um capitalismo que nos mima com um registo considerável de destruição social, económica e cultural na cidade. O STOP e o Jornal de Notícias, o bairro operário da Lomba fazem parte deste role de duas décadas de gentrificação e especulação imobiliária.
A manifestação do dia 25 de julho teve concentração na Praça Almeida Garrett, frente ao edifício da Câmara Municipal do Porto. Os activistas e cidadãos do Porto juntaram-se aos milhares, em claro protesto contra os despejos no STOP. Os activistas presentes em forte participação e animação cívica, demonstraram uma clara e forte insatisfação contra o governo da cidade. O principal alvo das críticas dos activistas e cidadãos foi o Presidente Rui Moreira. Eram cartazes que afirmavam a insatisfação deste povo da cidade contra um Presidente que abandonou a defesa dos interesses dos cidadãos da cidade leal e invicta, em benefício de uma cidade-mercadoria. O Presidente Rui Moreira ignorou a cidade dos usos, da justiça social e espacial e vive obcecado com a instalação de uma cidade tipo Barcelona de cristal.
A Manifestação decorreu em grande civismo, com milhares de homens e mulheres, crianças e idosos, artistas e músicos, intelectuais e operários de todas as condições marcaram presença no protesto contra a decisão dogmática e unilateral da Câmara Municipal do Porto em encerrar e despejar os inquilinos do STOP. Cartazes onde se podia ler, «O Stop é da cidade, não é teu, oh Rui deslarga», ou «Estão a matar a cultura», para depois afirmarem que estamos perante uma «especulação dissimulada»; ou «Moreira sai do cadeirão, não mandes a cultura para o caixão». Fazem uso da memória ou da má memória e colam Rio e Moreira, com este slogan: «Rio e Moreira desaguam em lixeira». Outros remetem para o problema da gentrificação e turistificação: «Love. To Gentrifi. Old people», «Stop é cultura». Assistiu-se ao regresso da consciência de classes ou de luta de classes: com a expressão, «Luto de classes», ou cânticos como por exemplo, uma versão nova do «Povo Unido, jamais será vencido», com o seguinte refrão: «STOP Unido, jamais será vencido».
Estamos perante um movimento social que se organizou em torno da luta e da resistência dos artistas e músicos, inquilinos do Stop confrontados com a situação de despejo forçado. Estamos perante um movimento consciente e independente, integrado num processo contínuo de luta e de resistência pelo direito ao STOP, que teve a capacidade de mobilizar a cidade para o direito ao lugar de trabalho.
Uma manifestação que trouxe para as ruas do Porto a unidade de classe, o número necessário de cidadãos das mais diversas classes e sectores socioprofissionais para ser ouvida e o compromisso de que a luta continua. As suas reivindicações não se limitaram ao protesto, à manifestação, mas incluíram também declarações escritas da qual transcrevo este pequeno excerto que ilustra bem a consciência reivindicativa e da unidade da luta pelo direito ao trabalho no STOP: «Queremos reiterar a vontade férrea dos utilizadores em se manterem no edifício STOP» (“Contra proposta – STOP”, 2023).