Feyenoord. O cliente abonado…

Este domingo o Benfica fecha a pré-época frente a um adversário que tem uma história entusiasmante – e com derrotas para vingar.

Por uma questão de teimosia, o futebol holandês demorou a ser competitivo. Aliás, foi preciso chegarmos a 1974 para vermos a seleção laranja regressar a uma fase final de um Campeonato do Mundo – e que seleção! – depois de duas presenças bisonhas em 1934 e 1938. A teimosia prendeu-se com uma atitude de repúdio perante o estabelecimento do profissionalismo no país. Depois, num par de anos, os clubes e a seleção ganharam uma fama universal. O Feyenoord, que joga este domingo (15h00) com o Benfica num encontro que marca o fecho da pré-época dos encarnados (segue-se a Supertaça frente ao FC Porto) pode gabar-se de ser o primeiro clube do país das tulipas a ter conquistado a Taça dos Campeões Europeus, na época de 1969/70, quando bateu o Celtic na final de San Siro, independentemente de, logo em seguida, ter visto o grande rival Ajax arrebatar três consecutivas. Ainda assim… Foram pioneiros e esse orgulho ninguém lhes tira. E foi na sua época mais brilhante que defrontaram por duas vezes o Benfica e com resultados que fizeram da equipa de Roterdão um dos bons clientes da águia. Em 1962/63, nas meias-finais da Taça dos Campeões, empataram em casa, no De Kuip (lê-se kaup), zero a zero, e perderam na Luz por 1-3; em 1971/72 ganharam em Roterdão por 1-0 mas foram avacalhados em Lisboa: 1-5.

Cliente sim, mas abonado. O Feyenoord nasceu para ser rico. Já não era campeão da Holanda (poupem-me a essa pobreza luterana de Países Baixos sff!) há seis anos, mas na época passada fez a festa do seu 16.º título. A festa regressou a Roterdão embora, infelizmente, os seus adeptos sejam dos mais selvagens da Europa, criando problemas por todos os lugares em que cavalgam como se fossem a besta de quatro patas que carregava Átila, o Huno, e que por onde passava não crescia relva. Quem diria que animais desse calibre tiveram como clube inicial, fundado em 1908, o nome tão feminino de Wilhelmina? Na verdade os seus criadores também não ficaram muito convencidos com a nomenclatura. Nos anos que se seguiram andaram a fazer experiências etimológicas: Hillesluise Football Club e RVV Celeritas, por exemplo. Um exemplo muito pouco feliz. Nomes inaceitáveis para quem se queria levar a sério. Basta que tentem pronunciá-los ou que imaginem uma bancada a gritar por eles…

 

Um homem chamado Feye

Nos primórdios dos primórdios do nome Feyenoord, sem parecenças com nenhum outro, esteve um homem chamado Feye. Feye van der Does de nome completo. O mamífero passeou-se por aquela zona do planeta nos anos eméritos de 1450, data em que se deixou encantar por uma ilhota no rio Mosa e nele decidiu erguer um palácio digno da sua categoria, ou pelo menos da categoria que julgava ter. A coisa pegou. A populaça passou a chamar à ilha Feye’s oord, ou seja, o lugar de Feye. E, como se está mesmo a ver, foi aí que uma rapaziada saudável se juntou para dar pontapés numa bola, nas traseiras da igreja de Wilhelmina. Bate tudo certo.

O nome de Feyenoord foi criado por um fulano de fortuna, C.R.Kieboom, explorador de minérios e de outros seres bem mais humanos do que ele, algo que talvez sirva para explicar uma certa tendência dos adeptos do clube para a incivilidade. Se, em Roterdão, o clube dos pobres era o Sparta, o clube dos abonados passou a ser o Feyenoord. Mas, a pouco e pouco, foi ganhando raízes também na classe operária, sobretudo trabalhadores dos estaleiros, das destilarias, das fundições e das fábricas de cordas. Não é por acaso que os holandeses têm um ditado que assinala: «Enquanto Amesterdão sonha, Roterdão trabalha». E os dirigentes do Feyenoord trabalharam duramente para conseguirem que o seu clube se batesse de peito feito com o grande rival Ajax. De tal forma que, entre 1961 e 1974, ganhou seis títulos de campeão e fez tremer muitos dos grandes da Europa, embora não o Benfica, como já vimos.

Seria um austríaco, Ernst Happel, um dos grandes treinadores da história do futebol, a fazer do Feyenoord campeão europeu formando um conjunto fortíssimo fisicamente, com uma extraordinária capacidade de disputar os lances em todos os palmos dos campos de futebol. Contou com gente como o líbero Rinus Israel, os dois centro-campistas Wim Jansen na direita e van Hanegem na esquerda, e com um sueco esfomeado por golos de nome Ove Kindvall que, em quatro épocas, marcou a ninharia de 127 .

 

A provocação

Em 1981, o inimitável Johan Cruyff fartou-se dos Estados Unidos para onde fora na expectativa de terminar a carreira. Voltou ao Ajax e com o brilho de sempre – ganhou o campeonato, a Taça da Holanda, e foi considerado o melhor jogador da época. Ficou, naturalmente, com a expectativa de que o seu contrato iria ser renovado. Mas os dirigentes do Ajax decidiram ser forretas: não estiveram dispostos a pagar-lhe a verba que merecia e que era complementada com percentagem sobre os bilhetes vendidos nos jogos em casa, no velho Estádio De Meer, que enchia só para ver jogar o Magrinho.

Em Roterdão abriram-lhe os portões às escâncaras. Ninguém diria que tal iria ser possível alguma vez mas o facto é que, magoado com o seu clube do coração, Cruyff decidiu aceitar a provocação que as gentes do Feyenoord fizeram ao Ajax. E vestiu a camisola bipartida vermelha e branca. Johan era um vencedor nato. O Feyenoord não ganhava o título desde 1974. Com Cruyff na equipa ganhou tudo: campeonato, taça, e mais uma vez, sempre com o nº 14 nas costas, Johan foi considerado o melhor jogador da época. Depois disse adeus. De consciência tranquila.