"Repudiamos a decisão ilegal e autoritária da CM de Oeiras de mandar retirar o cartaz de cariz político – e não de publicidade, como erradamente comunicaram aos media – colocado naquele Município respeitando a legalidade. A retirada do cartaz viola injustificamente o direito à liberdade de expressão. O cartaz não colocou minimamente em causa a realização da JMJ, nem tem um cariz ofensivo", começa por explicar, em comunicado enviado ao Nascer do SOL e ao i, o grupo 'This Is Our Memorial', composto por cidadãos que decidiram fazer um crowdfunding, nas redes sociais, para afixar três cartazes – sitos em Algés, na Alameda D. Afonso Henriques e em Loures – que relembram as conclusões do relatório sobre os abusos sexuais de crianças na Igreja Católica.
No entanto, a decisão da retirada dos mesmos foi tomada pela Câmara Municipal de Oeiras, que justificou a mesma alegando tratar-se de "publicidade ilegal". "No Município de Oeiras toda a publicidade ilegal é retirada, neste e em todos os casos", respondeu, ao jornal Público, o gabinete de comunicação da autarquia liderada por Isaltino Morais, explicando não ter recebido nenhum pedido de licença. Telma Tavares, designer e autora do cartaz, denunciou a remoção no Twitter com uma imagem que mostra o outdoor em Algés: um fundo preto. "Censura em Algés, após quase 50 anos do 25 de abril. Luto pela liberdade de expressão das +4800 vítimas, por um memorial que erguemos para que ninguém se esqueça delas. Não esquecemos", escreveu na rede social.
"Ao invés, visa simplesmente chamar à atenção dos peregrinos e demais cidadãos para o escândalo de abusos sexuais de menores praticados durante décadas por membros da ICAR, tal como recentemente reportado por uma Comissão independente. Temos o direito de expor o cartaz e iremos lutar por esse direito. Em conjunto com os nossos advogados, estamos a analisar o recurso à via judicial para reagir a esta injustiça, de forma a compensar, dentro do possível, esta forma de censura ilegal por parte da CM de Oeiras", deixam claro em comunicado os membros do 'This Is Our Memorial', sendo que importa lembrar que nos cartazes é possível ver vários pontos vermelhos – cada um representa uma pessoa vítima de abusos sexuais -, acompanhados pela seguinte frase, em inglês, para que todos os peregrinos a possam compreender: “Mais de 4800 crianças abusadas pela Igreja Católica em Portugal”.
Recorde-se que a Comissão Independente recebeu um total de 564 testemunhos relacionados com casos de abusos sexuais que ocorreram no período entre 1950 e 2022. Após uma validação cuidadosa, 512 desses testemunhos foram considerados autênticos e válidos. Com base nessas amostras, a Comissão utilizou técnicas de extrapolação para estimar o número mínimo de vítimas de abuso sexual, chegando a uma estimativa de cerca de 4.815 vítimas no total. Isso sugere que o número real de vítimas pode ser ainda maior, já que esses dados representam apenas uma parte do problema, como a "ponta do iceberg".
Chama a atenção o facto de que em 52% dos casos, as vítimas só revelaram o abuso em média 10 anos após o ocorrido. Além disso, em 43% dos casos, a denúncia só aconteceu quando as vítimas entraram em contacto com a Comissão. Isso indica a existência de um grande número de casos que permaneceram ocultos ou não foram denunciados anteriormente. Outro dado alarmante é que, em 77% dos casos, as vítimas nunca apresentaram queixa à Igreja, o que sugere que muitos abusos foram mantidos em sigilo ou não foram tratados de forma apropriada pelas instituições religiosas. Apenas em 4% dos casos houve uma queixa judicial formal.
Esses números ressaltam a magnitude e a seriedade do problema de abusos sexuais dentro da Igreja e destacam a importância de investigações independentes como a realizada pela Comissão. É crucial garantir um ambiente seguro para as vítimas denunciarem abusos e para que medidas preventivas sejam implementadas para evitar a repetição desses terríveis eventos. Quando estes dados foram divulgados, no passado mês de fevereiro, Marcelo Rebelo de Sousa chamou a atenção para as quase 5.000 vítimas de abusos sexuais registados pelo relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.
“A Comissão chamou a atenção para o facto de o número ter aumentado bastante desde o momento em que começaram os trabalhos, chamou a atenção para a gravidade dos abusos, para que não se pensasse que eram abusos sobretudo psicológicos, havia muitos, muitos abusos físicos e muito intensos e também chamou a atenção para durarem até hoje”, disse o Presidente da República, em declarações aos jornalistas. “Não é um fenómeno do passado, não é um fenómeno até aos anos 90, continuou neste século e continua até hoje", frisou, confessando que os números apurados “ultrapassaram” o que "tinha pensado de início e que os portugueses pensavam quando se arrancou com a comissão".
Já sobre a indemnização às vítimas, o chefe de Estado afirmou que a Igreja "tem um dever ético de responder, de se responsabilizar e esse dever foi assumido". "Esse dever ético abrange apoio psicológico, que continua a ser muito importante para muitas das vítimas, anos e anos e anos depois, não há dúvidas. E que em vários países houve indemnização também se sabe, por isso, vamos esperar pela posição da Igreja", continuou Marcelo, acrescentando que o possível alargamento do prazo de prescrição dos crimes é “um debate que a Assembleia da República e o próprio Governo poderão desencadear".
"A Comissão propõe a formação de uma comissão ligada ao Estado, vai continuar a colaborar até à versão definitiva do relatório, mas que seria bom haver uma comissão ligada ao Estado, como em outros países, que prosseguisse a este tipo de trabalho", comentou o Presidente da República, dizendo ainda que uma comissão ligada ao Estado "tem espaço de manobra" diferente que uma apenas ligada a uma instituição religiosa. Marcelo Rebelo de Sousa acredita ser "inevitável" que "uma instituição que se confronta com este tipo de relatório é levada a mudar de vida", e explicou: “seria muito estranho, por consequência daquilo que se passou, não houvesse uma responsabilidade no afastamento daqueles que podem ter uma atuação reincidente e, no funcionamento das estruturas da instituição, se não tirassem lições para o futuro”.
"Em muitos países, as Igrejas tiveram a iniciativa de enfrentar o fenómeno e de agir rapidamente e exemplarmente e o resultado foi na visão que a sociedade tinha e tem da Igreja. Noutros países, demorou muito tempo, resistiram a mudar, e a visão foi completamente outra", adiantou ainda, sendo que é importante referir que depois de ter recebido 17 denúncias da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica em Portugal, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou ao Jornal de Notícias (JN) que abriu dez inquéritos, “sendo que um deles concentra seis das participações e outros dois, duas cada um”. De acordo com a PGR, “todas as participações recebidas na Procuradoria-Geral da República foram remetidas às competentes estruturas do Ministério Público, onde foram instaurados os competentes inquéritos”, afirmando que três inquéritos acabaram por ser arquivados.
Dos inquéritos totais conduzidos pela Comissão Independente, sete ainda estão em fase de investigação. Três casos já foram arquivados seguindo quatro situações denunciadas pela comissão: o primeiro caso foi arquivado devido à prescrição dos crimes. Isso significa que o período de tempo para iniciar um processo legal expirou, tornando a ação judicial impossível; o segundo caso foi arquivado porque os factos já haviam sido objeto de julgamento e condenação anteriormente. Isso sugere que o acusado já foi julgado e condenado por esses crimes noutro processo e o terceiro caso foi arquivado por falta de meios de prova. Isso significa que as evidências disponíveis não eram suficientes para prosseguir com o processo e sustentar uma acusação.
De acordo com o Jornal de Notícias (JN), dois dos casos arquivados estavam relacionados com situações ocorridas em Cascais e Vila Real. Em Cascais, o despacho final de arquivamento resultou de uma condenação prévia, enquanto em Vila Real, a falta de provas foi o motivo para não prosseguir com o processo.