Falta de coveiros atrasa funerais em Lisboa

O caso foi confirmado pela Câmara de Lisboa, que pretende abrir este ano mais 30 vagas. ANEL diz que situação causa constrangimento mas não é só em Lisboa. No entanto, Servilusa defende que não há constrangimentos.

Coveiro é uma profissão cada vez menos procurada mas muito necessária e a sua falta está a provocar alguns atrasos em funerais na região de Lisboa – e não só.

Isabel Ribeiro deparou-se com esta situação quando foi confrontada com a morte de um parente. A escolha recaiu no cemitério do Lumiar, mas a cerimónia foi adiada por falta de coveiros à tarde. «Estava previsto fazer o velório na sexta-feira à tarde e o funeral no sábado ou, em alternativa fazer tudo no sábado. A falta de profissionais à tarde no Lumiar obrigou a adiar em 24h tudo o que esta previsto, o que é lamentável para quem está a passar por toda esta situação, já que os coveiros têm de ir à tarde para Carnide», confessa ao nosso jornal. 

A Câmara Municipal de Lisboa confirmou a situação ao confessar que «ao longo dos últimos anos tem-se verificado algumas carências de Assistentes Operacionais (coveiros)» mas que no final de 2021 foi aberto um procedimento concursal, que resultou na entrada de 15 novos elementos. Ainda assim, ficaram «várias vagas disponíveis por falta de candidatos» e por isso a autarquia liderada por Carlos Moedas explica que «está previsto abrir ainda este ano um novo procedimento para mais 30 vagas».

Com a falta de coveiros, a Câmara de Lisboa confessa que «as carências verificadas em alguns cemitérios têm obrigado a fazer uma gestão do agendamento de funerais que permitam a sua realização com o número suficiente de elementos, para que estes se concretizem em segurança», explicando ainda que «por essa razão está estabelecido que determinados cemitérios agendam os funerais preferencialmente de manhã e noutros no período da tarde».

Mas a autarquia diz que, ainda assim, «sempre que possível o agendamento é feito de acordo com a solicitação que chega».

Esta realidade é também confirmada ao Nascer do SOL por Carlos Almeida, presidente da direção da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL) ao referir que essa situação acontece em todos os cemitérios de Lisboa à exceção do Alto de São João. «Nos funerais para sepultura, jazigo ou sepultura perpétua ou temporária ou jazigo, temos sempre que contactar os cemitérios que pretendemos para saber se, por exemplo, em dias úteis, isto acontece em dias não úteis, se está disponível». 

O responsável diz que a Câmara Municipal de Lisboa não tem os quadros preenchidos em número suficiente e tem que fazer esta rotatividade «consoante a disponibilidade de meios humanos que tem». Carlos Almeida reconhece que esta situação é um constrangimento, deixando um exemplo que não tem só a ver com os coveiros. «Benfica só aceita funerais domingo de manhã. Sabendo que 90% ou mais dos portugueses têm uma presença religiosa e católica no funeral, sabendo que no domingo de manhã é para o praticante e os padres estão mais assoberbados de missas e trabalho, principalmente no domingo de manhã, não vão ter disponibilidade para realizar o funeral. Isto causa constrangimentos. Podem não ser acompanhados conforme desejavam».

E alerta que a situação pode agravar com a Jornada Mundial da Juventude, ainda que seja um evento excecional. «Provavelmente há paróquias que vão estar fechadas, que não vão receber sequer velórios e não são assim tão poucas em Lisboa. Se me pedir de dia 1 a 6 de agosto, por exemplo, a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, perto do Marquês de Pombal, de certeza que não vai estar disponível».

Ainda no que diz respeito à falta de coveiros, Carlos Almeida diz que a câmara tem organizado concursos e admitido mais coveiros, mas quando acontecem baixas ou férias não é possível chegar a todos com a mesma brevidade. 

E acrescenta: «Realmente na capital isto é um constrangimento. Nas outras regiões, a situação já há muito tempo que vem agudizando. Há muitos concursos que ficam vazios. A Câmara de Lisboa ainda vai arranjando alguns. Sabemos que as remunerações são baixas, que não são atrativas, etc. Também não é, digamos, um serviço que atraia os jovens, sejam mais letrados ou menos letrados, não atrai. E depois a baixa remuneração, pior ainda. No país real, neste momento já se socorre muitas vezes, a maior parte, a empresas privadas que garantem àquelas juntas de freguesia a execução do trabalho. Mas isso já há muito tempo. Se vamos para o distrito da Guarda, por exemplo, assiste-se a coveiro privativo», detalha ao Nascer do SOL.

Mas confessa que é cada vez mais difícil atrair pessoas a esta profissão. «Há concursos que são vazios, que as juntas criam para ter coveiro próprio mas não atrai. Há cemitérios, por exemplo no distrito da Guarda, onde não se realiza lá um funeral por ano. Vamos manter um coveiro do erário público? Aquilo que defendo é que os municípios têm que ter capacidade para os equipamentos que têm e garantir que estes serviços são realizados. Não vamos delegar nas juntas de freguesia tudo porque eles não têm a mínima apetência – com todo o respeito que lhes tenho – para gerir cemitérios», diz ao nosso jornal.

Ainda assim, a Servilusa, uma das principais empresas deste mercado, defende que não existem constrangimentos. De acordo com o diretor-geral de Negócio da Servilusa, Paulo Carreira, «a Servilusa não tem verificado qualquer dificuldade no agendamento e realização de funerais em Lisboa, e é certo o significativo volume de serviços da empresa em Lisboa», acrescentando que «quanto à falta de coveiros nas cidades mais pequenas, vilas ou aldeias é uma realidade de há muitos anos».

Sobre a mortalidade, o responsável diz que é possível afirmar que «segundo os dados obtidos pelo SICO – Sistema de Informação de Certificados de Óbito, em Portugal, no primeiro semestre deste ano regista-se uma forte diminuição da mortalidade em -5,3% e em Lisboa cidade de -8,4%».

Em relação aos coveiros, a Câmara de Lisboa não é a única a ter dificuldades nestas contratações. A título de exemplo, as duas vagas para coveiro lançadas pela câmara de Santarém em abril de 2022 ficaram por preencher. E o mesmo já tinha acontecido em 2021.

 Ao Nascer do SOL chegaram também algumas queixas de que o aumento de procura por cremação tem levado ao atraso em crematórios. No entanto, a autarquia não é da mesma opinião. «Não se tem verificado qualquer aumento de procura de cremação nos cemitérios de Lisboa, ou em especial no Cemitério dos Olivais. A procura e reposta estão dentro dos prazos normais para a época do ano», defende.