Alguém sabe para onde vamos?

Quando olhamos para a vida das mulheres hoje e há 100 anos, temos a noção de como o progresso se acelerou brutalmente. Sentimo-nos a caminhar vertiginosamente para um fim qualquer que não descortinamos. Ninguém consegue fazer a menor ideia de como estará o mundo daqui a cem anos…

Um autor francês, Marcel Prevost, formulou há tempos numa peça de teatro (Les Demi-Vierges) o pensamento de que a livre educação da mulher […] a conduz sistematicamente à perversão e ao vício, mostrando-nos como um homem de bem recusa desposar uma mulher educada no regime da liberdade, depois de reconhecer que essa donzela não se encontra pura das máculas da vida amorosa e da paixão.[ …] Não a quer para mulher, e – o que é pior para o seu destino – ninguém a quer, porque […] o que é que nós buscamos naquela que a vida nos dará por companheira? Buscamos a virtude. […]

Adquiridos os indispensáveis conhecimentos de leitura e escrita, e algumas vagas noções de história pátria, a família chamava-as ao lar, para continuarem o piano e o bordado, e nunca mais, nunca mais elas se afastavam das vistas paternas e maternas . […]

As mulheres mantinham-se até à hora de casar – virgens de corpo e virgens da alma.

O moderno regime de educação concedendo às mulheres, mesmo donzelas, uma liberdade de ação e de movimentos que outrora era atributo exclusivo do sexo masculino, entregou-as por uma prematura emancipação à guarda da sua virtude e acabou de vez com aqueles veneráveis costumes».

Este texto não foi escrito a brincar.   Nem foi escrito há 300 anos.

Nem foi escrito por um empedernido conservador; não foi escrito por Salazar nem por ninguém que partilhasse com ele as ideias.

Nem foi escrito, sequer, por um católico, imbuído dos princípios morais da Igreja de Roma.

O texto que acabámos de ler foi escrito muito a sério há pouco mais de cem anos, em 1903; ou seja, numa altura em que os pais de muitas pessoas que ainda hoje estão vivas já eram nascidos.

E o seu autor era um conhecido republicano – e, mais do que isso, um revolucionário. Foi o principal organizador da revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891, no Porto, considerava-se um progressista e esteve várias vezes preso, exilado e deportado.

E era declaradamente anticlerical, tendo participado em governos que perseguiram os padres e a religião católica.

O autor deste texto é João Chagas, um enfant terrible da sua época, que na altura em que o escreveu tinha 39 anos. Não era propriamente um velho.

Por que razão cito este texto? Para termos noção de como as coisas mudaram tanto em tão pouco tempo. O que aconteceria a Chagas se ressuscitasse e visse uma marcha do orgulho gay, com pessoas seminuas na rua, em poses grotescas, e mulheres reivindicando alto e bom som a sua condição de lésbicas?

Como escrevi em artigo recente, o tempo político é muito diferente do tempo social. Pode fazer-se de um dia para o outro um decreto que impõe uma mudança de hábitos, mas as sociedades não mudam a esse ritmo.

Hoje temos a noção de que as coisas estão a girar a uma velocidade que o conjunto da sociedade não acompanha.

Ainda há 120 anos um homem de esquerda defendia que as mulheres não deveriam estudar e muito menos deveriam existir liceus mistos, onde raparigas e rapazes convivessem em liberdade. Hoje vemos onde as mulheres chegam.

No último século a evolução foi muito rápida. Talvez demasiado rápida. Num ápice, passou-se do 8 ao 80. Das mulheres metidas em casa a fazer bordados saltou-se para mulheres seminuas na rua a exibirem as suas inclinações sexuais.

A História acelerou-se. A par das mudanças sociais, a tecnologia ultrapassa-nos. Todos os dias há novas descobertas que vão além daquilo que eram os limites da nossa imaginação.

Quando pensávamos que já não era possível evoluir mais numa determinada área surge uma nova descoberta. A inteligência artificial desafia a inteligência humana. Qualquer dia somos ultrapassados por esta – e perdemos o domínio das nossas vidas.

A tecnologia digital é uma espécie de Frankenstein que o homem criou e que já dificilmente controla. O mundo vive hoje ligado à ficha. Se um dia houver um apagão num país, tudo parará: as pessoas não poderão trabalhar porque os computadores desligar-se-ão; não poderão comprar nada porque os cartões e os telemóveis deixarão de funcionar; muita gente ficará fechada nos edifícios sem poder sair e outros ficarão pendurados nas alturas dentro de elevadores trancados; os aeroportos fecharão e os aviões ficarão em terra, embora alguns fiquem à toa no ar; os doentes morrerão nos hospitais, porque as máquinas a que estavam ligados deixarão de trabalhar.

Tudo o que aprendemos nas escolas já de pouco serve. Temos de nos adaptar a trabalhar de outras formas. Os escritores que escreviam com caneta passaram a carregar em teclas; os arquitetos já não desenham com lapiseiras mas com máquinas que fazem as perspetivas sozinhas; os engenheiros já não precisam de saber de mecânica pois as máquinas a vapor e os motores de explosão foram substituídos por equipamentos elétricos ou eletrónicos; muitas profissões desapareceram; os jornais leem-se online.

As crianças que vêm ao mundo lidam melhor com a tecnologia do que os pais, porque já nasceram neste mundo digital, onde tudo é diferente. Se antes eram os pais que ensinavam os filhos, hoje são os filhos que ensinam os pais.

Quando lemos aquele texto de João Chagas e vemos como a vida das mulheres mudou em pouco mais de cem anos, temos a noção de como o progresso se acelerou brutalmente. Acelerou-se de tal forma, que hoje nos sentimos caminhar vertiginosamente para um fim qualquer que não descortinamos.

Hoje, ninguém consegue fazer ideia de como estará o mundo daqui a cem anos… É como se viajássemos num comboio de alta velocidade em permanente aceleração para um destino desconhecido. Para onde vamos?