No início do século XX, «não se podia conceber uma praia de qualidade sem a organização do seu espaço com a montagem e aluguer de barracas e toldos», descreve uma publicação do Museu Municipal de Espinho, da autoria de Armando Barge.
Nessa época, estas estruturas em madeira cobertas de pano eram brancas e alinhadas paralelamente ao mar e utilizadas para os banhistas mudarem de roupa quando os banhos de mar eram meramente terapêuticos. Até essa altura, a beira-mar era encarada com desconfiança, alimentada pelos perigos, reais ou imaginários, do oceano. Os banhos de mar por indicação terapêutica surgiram no final do século XVIII na Inglaterra e na França. Em Portugal tornaram-se vulgares entre as elites apenas a partir da segunda metade do século XIX e eram recomendados para vários tipos de doenças, entre as quais a anemia, o raquitismo infantil e a depressão.
Só depois de ultrapassados esses receios do desconhecido é que, mais tarde, já no século XX, com a promoção do turismo de massas, é que se assistiu à necessidade de armação de barracas para dar apoio aos banhistas, uma tradição que transformou a configuração dos areais.
Na praia da Nazaré, onde agora surfam os melhores do mundo, a manhã era reservada para tomar banho de mar, com a ajuda dos banheiros (frequentemente pescadores que também alugavam barracas). Quem não se aventurava nos mergulhos de mar, ficava a assistir na linha da água ou sentava-se nos bancos também de madeira junto às barracas como se de um espetáculo se tratasse.
Os fatos de banho, que cobriam por completo o corpo, eram colocados apenas para a hora do banho, sendo trocados pela roupa nas barracas. As mulheres e filhas dos banheiros davam apoio a esta operação e esperavam os «senhoritos» junto das barracas com gamelas com água, para lhes lavar a areia dos pés e o sal do corpo.
Quando a ida a banhos se tornou uma atividade lúdica de verão a tradição manteve-se, apesar de hoje as barracas brancas já darem lugar a estruturas com panos mais coloridos e alinhadas em fila na perpendicular pelo areal. Mas é precisamente para que a tradição se mantenha que a Nazaré quer integrar a atividade de colocação de barracas de apoio balnear no Inventário Nacional do Património Cultural e Imaterial de Portugal.
A proposta, que foi levada à discussão pelo vereador do Ambiente, Orlando Rodrigues, mereceu a aprovação da Assembleia Municipal e já foi comunicada à Direção Regional de Cultura do Centro e à Agência Portuguesa para o Ambiente.
«A verdade é que esta é uma tradição que se pode perder no futuro», alertou o autarca, lembrando que «esta é uma atividade que perdura na Praia da Nazaré há pelo menos 170 anos, o que não pode, de todo, ser descurado».
Na Ericeira, as primeiras barracas também surgiram nas primeiras décadas do século XX com um banheiro que tinha a seu cargo a montagem das barracas de praia para uma família influente e que decidiu empreender um negócio por conta própria, montando barracas para outras pessoas e alugando-as ao dia. A iniciativa chamou a atenção dos ericeirenses que lhe copiaram a ideia e a aplicaram noutras praias da vila. Estes banheiros também providenciavam sombra aos banhistas e colocavam no interior das barracas tinas de água salgada para que estes se pudessem banhar e retirar a areia do corpo e pés.
Mais a norte, no extenso areal que se prolonga desde Esposende, à Póvoa de Varzim e até Vila do Conde, também ainda é possível ver praias pintadas de múltiplas filas de panos de cores garridas e largas riscas verticais. Entre 1 de junho e 15 de setembro aqui ainda se montam as barracas como antigamente. Atualmente, servem para proteger do sol ou como forma de abrigo das nortadas, bastante comuns naquela zona litoral. Muitos também se refugiam do calor no seu interior durante a hora de almoço.
Particularmente no mês de agosto, as praias daquela região são inundadas pelos mesmos e habituais banhistas. Poveiros emigrados que vêm visitar os seus entes queridos, ou famílias inteiras provenientes de concelhos vizinhos como Braga, Famalicão, Fafe ou Guimarães, adotam toda a zona da Póvoa de Varzim, Caxinas e Vila do Conde como destino de férias e por lá ficam, às vezes o verão inteiro, apesar das águas gélidas daquele mar.
Mas as barracas daquele areal são também testemunhas de grandes amizades e acompanham a passagem de várias gerações de famílias por estas praias. Apesar de poderem ser alugadas ao dia, à semana, à quinzena ou ao mês, grande parte destas barracas ficam já reservadas de ano para ano, não só para quem as aluga poder escolher a localização a seu gosto, mas também para garantir a vizinhança de sempre. Mais do que amores de verão, aqui vivem-se verdadeiras amizades estivais. Muitas delas nascem em crianças, a construir castelos na areia, e prolongam-se durante anos até se tornarem para a vida e serem passadas às gerações futuras.