Bancos “estão a espoliar depositantes e devedores”

Banca lucrou mais de 11 milhões por dia nos primeiros seis meses do ano. As subidas das taxas de juro dão uma ajuda. O economista Eugénio Rosa alerta para os riscos.

Os maiores bancos já apresentaram resultados e as críticas aos recordes dos lucros começaram a surgir. Uma dessas vozes é o economista Eugénio Rosa que não tem dúvidas que «os bancos estão a espoliar depositantes e devedores, nomeadamente os dos créditos para a habitação e PME’s, o que só pode conduzir o país à recessão económica e a mais pobreza». 

Na base desta opinião estão não só os lucros como as declarações do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, que, nas palavras do economista, «defendeu uma ‘teoria económica’ da sua autoria ao arrepio de qualquer análise económica séria, para defender os interesses da banca, que foi a seguinte: os bancos em Portugal estão agora a obter enormes lucros que são necessários para compensar os que não obtiveram num período de baixas taxas de juro e, se se fizer a média dos últimos 10 anos, até se conclui que são normais». E acusa ainda: «É pena que não tenha a mesma teoria para os salários. 2 pesos e 2 medidas».

No seu mais recente estudo sobre os lucros da banca, Eugénio Rosa lembra que o negócio dos bancos comerciais é fundamentalmente a intermediação: captação de depósitos de clientes pelos quais pagam uma taxa de juro e concessão de crédito pelo qual cobram juros. «A diferença entre juros cobrados e juros pagos (margem financeira), constitui a principal fonte de receita para este tipo de bancos. Por isso o aumento do negócio bancário – captação de depósitos e concessão de créditos – é fundamental para uma banca equilibrada».

E, analisando os dados, refere que no primeiro trimestre deste ano se registou uma diminuição nos depósitos e no crédito concedido pelos cinco maiores bancos a operar no nosso país que continuou nos meses seguintes.

«A queda no crédito e nos depósitos é clara, nomeadamente a partir de dezembro de 2022. No primeiro trimestre de 2023, o crédito concedido por estes cinco bancos diminuiu em 3431 milhões e os depósitos em -15695 milhões de euros», detalha o economista, acrescentando que em relação aos primeiros seis meses deste ano, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o BCP já publicaram a informação financeira «e a tendência de queda não parou (o BCP parece que conseguiu interromper a queda no crédito o que não aconteceu com a CGD; em Portugal, a CGD perdeu 4674 milhões de euros de depósitos e teve uma redução no crédito de 134 milhões de euros no primeiro semestre), com reflexos negativos na vida económica sendo também um sintoma do estado da economia que contraria a euforia do Governo», analisa.

A análise do economista continua ao explicar que a banca não remunera cerca de metade dos depósitos, «e, os que remunera, é a uma taxa muito baixa, inferior à inflação registada». Lembrando que a inflação em 2022 foi de 7,8%, Eugénio Rosa faz as contas e diz que «se deduzirmos o seu efeito corrosivo sobre os depósitos/poupanças que estão na banca, como o seu montante em dezembro de 2022 era de 26.4895 milhões de euros só nos 5 bancos, estima-se que os depositantes tenham perdido cerca de 17.000 milhões de poder de compra».

E acrescenta que os certificados de aforro do Estado da categoria E, embora dessem uma taxa de juro (3,5%) ainda inferior à inflação, «no entanto reduziam a perda de poder compra das poupanças dos portugueses, o que estava a determinar o levantamento maciço dos depósitos da banca e a sua aplicação em certificados de aforro». Em números, só nos primeiros três meses do ano essa transferência atingiu 15.695 milhões. «A banca entrou em pânico porque estava a perder milhares de milhões de euros de financiamento a um custo reduzido e pressionou o Governo. E este, submisso, vergou-se à pressão dos bancos, acabando com os certificados de aforro e com a taxa de 3,5%, e emitiu em julho uma nova serie de certificados de aforro F já com a taxa de juro de 2,5%, para diminuir a concorrência com a bancos, mas que aumentou as perdas de poder de compra das poupanças dos portugueses». Acrescentando que «por aqui se vê mais uma vez de que lado está o Governo (dos banqueiros), esquecendo a obrigação de proteger as pequenas e médias poupanças dos portugueses. A atratividade dos certificados desapareceu», acusa o economista.

Recorde-se que, a 2 de junho, o Governo decidiu descontinuar a Série E, lançando ao mesmo tempo uma nova série com uma remuneração mais baixa, até ao máximo de 2,5% (mais prémio de manutenção). Ao todo, o produto de poupança do Estado atingiu os 33.220,54 milhões de euros em junho, um crescimento de 670,36 milhões face ao mês anterior. Apesar de o montante ter crescido, representa um travão face ao ritmo dos meses anteriores.

 

Lucros disparam

Os cinco maiores bancos do mercado português já apresentaram os resultados referentes aos primeiros seis meses do ano. Todos viram o lucro disparar e, no total, somam lucros de quase dois mil milhões de euros. Fazendo as contas, dá uma média de mais de 11 milhões de euros por dia, um aumento de 58% face ao mesmo período do ano passado.

A liderar o pódio está a CGD que alcançou um resultado de 608 milhões, um aumento de 25% face ao período homólogo. Mas a maior subida é a do BCP com um resultado positivo de mais de 423 milhões de euros, o que representa um crescimento de 580% face ao mesmo período do ano passado. Em terceiro lugar está o novobanco que viu os lucros subirem quase 40% para os 373 milhões de euros. Segue-se o Santander com lucros de 334 milhões, um crescimento de 38% e por fim o BPI, cujos lucros aumentaram 26% para os 256 milhões de euros.

Os juros cobrados nos empréstimos às famílias e empresas e os juros pagos nos depósitos, têm dado uma ajuda aos bancos que viram a faturação quase duplicar entre janeiro e junho deste ano. São mais de 4,2 mil milhões em juros, o que representa 23 milhões por dia.

Eugénio Rosa analisa também estes valores e diz que o negócio bancário praticamente estagnou entre o primeiro trimestre de 2022 e igual período deste ano: crédito concedido 198.400 milhões de euros em 2022 e 197.560 milhões de euros em 2023. Já os depósitos, respetivamente, 249.191 milhões de euros e 249.200 milhões de euros.

«A receita líquida da banca aumentou exponencialmente entre o primeiro trimestre de 2022 e o primeiro trimestre de 2023 (+876 milhões de euros, +113,4%)», detalha, acrescentando que a CGD «destaca-se nesta exploração dos clientes e depositantes. Na CGD, apesar do volume de depósitos praticamente não ter diminuído (entre 2022 e 2023, apenas – 1,2%) os juros pagos por este banco reduziu-se, entre o primeiro trimestre de 2022 e o primeiro trimestre 2023, em -49,6% na atividade doméstica e -30% na atividade consolidada».

Entre o primeiro semestre deste ano e o do ano passado, o BCP com uma carteira de crédito (54.397 milhões de euros) superior à do CGD (50.253 milhões de euros), «os juros que cobrou aumentaram 78,6% (na CGD 91,2º%) e os juros pagos pelo BCP cresceram 324,5% (na CGD apenas 8,4%)».

E continua, ao detalhar que entre junho de 2022 e junho de 2023 a margem financeira (diferença entre juros cobrados e juros pagos) aumentou na CGD 127,4% (na atividade doméstica, ou seja, em Portugal, 189,6%) e no BCP 39,5%.