Calor: risco de enfarte pode aumentar

Três especialistas – Armindo Ribeiro, Gregory Wellenius e Amir Sapkota – explicam ao Nascer do SOL o que é o enfarte agudo do miocárdio, quais são os seus sintomas e que medidas podem ser tomadas para preveni-lo.

O tema não é novo, mas continua a dar que falar por preocupar tanto especialistas como cidadãos comuns. As temperaturas elevadas aumentam o risco de algumas doenças e uma delas é o enfarte. Recorde-se, por exemplo, o caso de Marcelo Rebelo de Sousa no início de julho. O Presidente da República sentiu-se mal durante uma visita a um laboratório da Universidade Nova, acabando por desmaiar. Depois de receber alta do Hospital de Santa Cruz, onde realizou exames, Marcelo quis tranquilizar o país. Comparou esse incidente ao desmaio que ocorreu em Braga em junho de 2018, também num dia quente.

O desmaio mais recente foi atribuído a uma «quebra de tensão repentina», conhecida como «fenómeno vagal». Antes dos discursos, estava previsto um brinde com moscatel, que Marcelo inicialmente recusou, mas acabou por beber mais tarde. Acredita-se que a combinação do moscatel com o Fortimel, um suplemento nutricional que toma normalmente em vez de almoçar, pode ter tido um efeito negativo na sua digestão.

Sobre as mensagens e telefonemas que recebeu enquanto estava no hospital, o Presidente brincou com a situação, mencionando que disse ao primeiro-ministro que ainda não era a hora de morrer, tendo também falado ao telefone com o líder do PSD, Luís Montenegro, e com um possível candidato às eleições presidenciais, a quem aconselhou a não começar a campanha eleitoral tão cedo. Marcelo fez exames para descartar a possibilidade de enfarte e foi mantido em observação, tendo decidido, por precaução, cancelar algumas das suas deslocações agendadas, mas manteve as audiências no Palácio de Belém.

Tal não é de estranhar, pois de acordo com um estudo realizado pela Universidade de Toronto, durante o verão, o risco de enfarte ou acidente vascular cerebral (AVC) é maior, afetando principalmente os homens. Os investigadores analisaram dados de óbitos ocorridos entre 2001 e 2015 em regiões com climas semelhantes, como Inglaterra, País de Gales e o condado de King, nos Estados Unidos.

Os resultados revelaram que durante o verão ocorreram 39.912 mortes por doenças cardiovasculares em Inglaterra e no País de Gales, sendo que cerca de 70% dos casos foram em homens. No condado de King, onde os investigadores analisaram apenas dados de homens, foram registados 488 óbitos relacionados com AVC ou enfarte. O estudo também apontou que, a cada grau adicional na temperatura média durante o verão, o risco de mortalidade por doenças cardiovasculares aumenta em 3,1% para homens entre os 60 e 64 anos em Inglaterra e País de Gales. Em King, esse aumento é ainda maior, de 4,8%, para homens com idade igual ou inferior a 65 anos.

Ao Nascer do SOL, Armindo Ribeiro, médico de Medicina Interna no Hospital do Litoral Alentejano, deixa um alerta: «O risco de enfarte agudo do miocárdio aumenta durante os dias de calor, sendo mais propício nas pessoas com fatores de risco cardiovascular, nomeadamente hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade ou com patologias prévias cardíacas», explica, acrescentando que «o calor promove a perda de líquidos do nosso organismo, ocorrendo desidratação se esta perda não for compensada com a ingestão dos mesmos».

«Para diminuir o risco de enfarte do miocárdio é aconselhado as pessoas ingerirem no mínimo 1,5 a 2L de água por dia, comerem refeições ligeiras, manterem-se em sítios fresco e evitarem a exposição solar na altura de maior calor», adianta, explicitando que «pessoas que fazem medicação antihipertensiva deverão ter maior cuidado no controle da hipertensão uma vez que o calor promove a vasodilatação e uma diminuição por si só da tensão arterial. Poderá ser indicado a avaliação periódica no médico assistente para eventual ajuste da terapêutica».

Calor coloca-nos a todos em risco

Gregory Wellenius, Professor de Environmental Health (saúde relacionada com fenómenos climatéricos) na Boston University School of Public Health, nos EUA, começa por esclarecer que «um enfarte do miocárdio é o termo médico para um ataque cardíaco e ocorre quando um dos vasos sanguíneos que fornecem sangue ao coração é bloqueado», reconhecendo que «as evidências científicas sobre esta questão ainda não são claras». E continua: «Alguns estudos sugerem que dias de calor extremo podem aumentar o risco de ataques cardíacos, mas outros estudos não concluem isso. Esta é uma área interessante onde mais pesquisas são necessária», evidencia. «Mas a ciência é clara: a exposição a altos níveis de calor pode aumentar o risco de uma série de doenças, incluindo exaustão pelo calor e insolação. Se não forem tratadas, essas condições podem ser fatais», frisa.

O também diretor do Center for Climate and Health daquela instituição de Ensino Superior norte-americana destaca que, apesar das descobertas da Universidade de Toronto, não nos podemos esquecer de que «o calor coloca todos nós em risco, independentemente do sexo». Ou seja, não são apenas os homens os afetados. «Embora o calor possa afetar qualquer pessoa, alguns indivíduos ou comunidades podem estar em risco particularmente alto. Por exemplo, as pessoas que passam muito tempo ao ar livre correm um risco particularmente alto, incluindo trabalhadores ao ar livre e certos tipos de atletas. Idosos, crianças e pessoas com algumas condições médicas crónicas também são considerados mais vulneráveis aos impactos do calor na saúde».

«Nos dias quentes é muito importante que as pessoas reconheçam o risco que o calor representa para a sua saúde ou para a saúde dos seus entes queridos. Todos devem considerar limitar a atividade física no calor, manter-se bem hidratados e ter um plano para encontrar um espaço fresco se começarem a sentir-se mal. Indivíduos que podem ser mais vulneráveis têm de ter cuidado especial para limitar a sua exposição ao calor extremo e procurar atendimento médico se não se sentirem bem», avisa, afirmando que alguns dos sinais comuns de superexposição ao calor podem incluir suor excessivo, dores de cabeça, cansaço ou fraqueza, tontura, náusea, vómito ou confusão mental. «Doenças relacionadas com o calor, se não tratadas, podem ser fatais», salienta, indo ao encontro da perspetiva de Amir Sapkota, Professor na University of Maryland School of Public Health, igualmente nos EUA, um dos autores do artigo científico ‘Summertime extreme heat events and increased risk of acute myocardial infarction hospitalizations’ (em português: ‘Eventos de calor extremo no verão e aumento do risco de hospitalizações por enfarte agudo do miocárdio (EAM)’).

Estratégias de adaptação específicas

O método utilizado foi o «case-crossover estratificado no tempo», que analisa a relação entre a exposição a eventos de calor extremo e o risco de hospitalização por EAM nos meses de verão (junho a agosto), com zero, um ou dois dias de atraso em relação à exposição. Os resultados mostraram que houve um total de 32.670 hospitalizações por EAM durante os meses de verão em Maryland, entre 2000 e 2012. Em geral, eventos de calor extremo no dia da hospitalização foram associados a um aumento do risco de EAM.

As estimativas de efeito variaram entre diferentes grupos populacionais, embora os resultados tenham sido comparáveis quando considerados os períodos de atraso imediatamente antes da hospitalização. É importante notar que diferentes subgrupos étnicos e áreas geográficas apresentaram diferentes níveis de suscetibilidade aos efeitos do calor extremo. Os investigadores realçam que, dado que se espera que eventos climáticos extremos se tornem mais frequentes e intensos devido às alterações climáticas, são necessárias estratégias de adaptação específicas para comunidades, levando em conta as diferenças de suscetibilidade entre os diversos grupos étnicos e áreas geográficas.

«Estudos anteriores, como o nosso, apontam que a exposição ao calor pode aumentar o risco de hospitalização por ataque cardíaco e morte», evidencia Sapkota, concluindo que a população deve estar especialmente atenta aos principais sintomas de EAM: dor no peito, falta de ar, tonturas e dor na zona do queixo e do pescoço.