Por Luís Castro, Jornalista
Há ordens dadas que são discutidas pelos soldados em plenário; há militares que recusam ir para a guerra por falta de segurança, há almirantes a dar caneladas para televisão filmar; há quem prefira andar debaixo de água do que ficar a comandá-los à superfície; há um comandante supremo que nem brincou com soldadinhos de chumbo.
A cada semana há dez marinheiros a menos; há cinco fragatas, mas só navegam três e resta pessoal apenas para uma e meia; há navios patrulha oceânicos sem peças de artilharia porque as verbas foram cativadas; há um Navio-Escola que não conseguiu completar a guarnição e navega agora com cadetes a fazer trabalho de marinheiros; há um navio de Treino-de-Mar a apodrecer no cemitério do Alfeite.
Das dez corvetas, sobra uma ou duas para patrulhar o Espaço Estratégico de Interesse Nacional Permanente; há navios que só vão a doca seca para manutenção de doze em doze anos – mais do dobro do que o normal – não há dinheiro para comprar óleos e peças sobressalentes e o chefe da Armada pede que poupem no combustível e reduzam na lotação nas unidades, retirando-lhes a capacidade operacional.
O navio reabastecedor Bérrio foi abatido e o Governo diz que vai comprar outro, lá para o final da década. Portugal ficou sem capacidade de projeção de uma força para retirar portugueses de um país em guerra, tal como aconteceu na Guiné-Bissau, em 1998. Os governantes foram alertados, mas não quiseram saber. Recomendo-lhes que revisitem a operação “Crocodilo-Falcão”, que a reponham nas Academias de formação e enviem um resumo para a Ministra da Defesa – talvez saia mais um estudo.
Na operação de retirada de portugueses da Guiné, o navio reabastecedor, comandado pelo então capitão-de-fragata Rodrigues Cancela (já falecido), permitiu a sustentação de toda a força, sendo também usado como convés de voo alternante e hospital de campanha. Mais recentemente, em 2019, o Bérrio foi fundamental na emergência prestada à ilha das Flores depois da passagem do furacão Lorenzo.
É normal que os navios de guerra sejam substituídos depois dos trinta anos de vida, mas em Portugal remendam-se até para lá dos cinquenta. Faltam praças e saem especialistas com emprego em qualquer lado a ganhar o dobro. Não têm assistência médica gratuita e quando se reformarem levarão metade do último ordenado. Como querem convencer os jovens a dar quando pouco têm para lhes oferecer – nem instalações dignas para mudarem de roupa nas unidades em terra?
Dizem os governantes que o Mar é a nossa prioridade estratégica, mas até o obsoleto Arsenal do Alfeite não vê qualquer investimento há décadas e já perdeu mais de mil trabalhadores desde que foi transformado em empresa do Estado, restando apenas quatrocentos. Com uma única doca seca, só lhe é possível ter um navio em manutenção profunda de cada vez.
Canta o hino da Marinha que, inspirados por sonhos de vitória, navegam com audácia e com valor, levando a Pátria ao mundo inteiro. E quando chegar a hora da verdade, eles aguardarão firmes nas ondas do mar – mas com navios avariados, a meter água, sem combustível e sem quem lhes suba aos mastros e ajuste as velas. Que levem, ao menos, o calção de banho e o protetor solar.
E aguardaremos nós pelas desculpas incompetentes de governantes e chefias militares quando for necessário socorrer portugueses nas regiões autónomas ou em qualquer outra parte do mundo. Há uma prostituição pelos lugares que ocupam enquanto não lhes dói a eles. Mas não é de agora, há muito que não levam o coração para o alto mar, nem enfrentam temporais e tempestades. Mar calmo nunca fez bom marinheiro e já não há quem tenha cicatrizes de velhos naufrágios.
Se antes tínhamos marinheiros sem barcos e depois tivemos barcos sem marinheiros, agora navegamos para nem uma coisa nem outra. Políticos e governantes mostram desprezo pelos militares e os que têm quatro estrelas nos ombros deviam dizê-lo na proa e sem tirarem os olhos do horizonte. De que têm medo, generais e almirantes? Alguém que fale verdade aos portugueses, porque colinho dá a mãe em casa. A quem já ouvi isto?!