Com a Supertaça marcada para o Mário Duarte, em Aveiro, às 20h45 (confirma-se que esta gente nunca mais aprende ou é apenas ignara), a bola volta a rolar oficialmente nos relvados portugueses para alívio de muitos que já têm os ouvidos cheios até às cócleas de conversa de chacha sobre compras, vendas e empréstimos de jogadores, quase como se estivéssemos num talho a distribuir pedaços de lombo, da rabadilha ou do acém aos fregueses.
De certa forma – confesso que não sou frequentador, sobretudo quando vejo jornalistas a usarem outros jornalistas como fontes de informação, algo que faria os meus velhos mestres dar pulos nas respetivas covas! – o FC Porto parece ter escapado à febre dos radares, das atenções, das investidas e tutti quanti, e joga o seu principal trunfo na manutenção de Sérgio Conceição à frente da equipa. Goste-se mais, menos ou nada do estilo agressivo de Sérgio, seguidor da prática comunicacional há muito inventada por José Maria Pedroto e copiada pelo presidente que se limita a papaguear o ‘nós contra o mundo’ e o fado dos coitadinhos da província prejudicados pelo bicho-papão que se esconde, maligno, sob as colunas do Terreiro do Paço, sempre pronto a apepinar os pobres moços que se sentem em território inimigo mal atravessam a ponte D. Luís ou a ponte da Arrábida, a verdade é que tem tido a capacidade de manter competitiva uma equipa todos os anos sangrada por uma política económica que resvala lá do alto da Torre dos Clérigos com uma vertigem suicidária. Por isso, seja que conjunto for que Conceição faça jogar em Aveiro fica a certeza de que se baterão até à exaustão contra os inimigos de estimação do Benfica. Inimigos porque é esse mesmo o termo que usa o tal presidente, parece que agora outra vez arguido por via de uma moscambilha qualquer, ele que tem sido, na realidade, o presidente mais arguido de todo o futebol português desde o tempo das balizas às costas até à atualidade. Deixemo-lo, portanto, por conta dos advogados que devem ganhar bem à sua custa, e vamos ater-nos à imagem de um FC Porto de faca na liga que na época passada ainda conseguiu incomodar o campeão Benfica a despeito de ter andado com dez pontos de atraso na classificação geral. Não foi por acaso que, no jogo da Luz, que poderia ter dado aos encarnados treze inacreditáveis pontos na dianteira, Sérgio Conceição foi capaz de condicionar de tal forma a saúde mental do adversário que o deixou às aranhas, batido sem apelo nem agravo na sua própria casa.
Desequilíbrios no Benfica
Se, pelo menos na atitude, é possível apostar singelo contra dobrado, como nos livrinhos de cowboys do Texas Jack, que o FC Porto está preparado para deixar o sangue em campo, há dúvidas sobre dúvidas em relação ao onze que Roger Schmidt vai selecionar, tantas são as opções que se lhe abrem após as contratações efetuadas. Dir-se-ia, por exemplo, que Ángel Di María e Orkun Kökçu vieram para serem titulares mas confesso que tenho muita dificuldade em vê-los em campo juntamente com Rafa. Uma tripla bastante avessa à busca da bola e demasiado filigranada para prometer sucesso em jogos de luta constante como vai ser o de quarta-feira. Por seu lado, ainda não parece certo qual o papel que o jogador do Benfica mais influente da última época (na opinião deste que se assina, claro está!), Aursnes, vai assumir no que não pode deixar de ser um novo conjunto pois os valores que algumas compras atingiram não justificam outra situação que não a da titularidade – o turco é, precisamente, a maior de todas elas. Não gosto, nunca gostei, nem nunca foi prática do jornalismo que me foi ensinado pelos melhores dos melhores (felicidade a minha), tirar conclusões em cima de imagens televisivas. São demasiado redutoras para nos oferecerem uma visão total dos movimentos dos jogadores e da sua interação. Seria, por isso, de mau tom apequenar o valor de Kökçu por aquilo de dois ou três jogos de pré-época nos deram a observar. Mas, ainda assim, tudo no seu futebol parece ser desdobrado a uma velocidade demasiado baixa para ganhar lugar cativo numa equipa que nos surpreendeu na época passada pela pressão alta fortíssima e pelos contra-ataques supersónicos. Há muita gente pronta para assumir os cordelinhos das ações ofensivas das águias, mas fica a sensação de que, defensivamente, a permeabilidade é gravosa quando os ditos craques-que-vieram-para-ser-titulares se juntam formando praticamente meia-equipa. O recentemente falecido Milan Kundera poderia encaixar o Benfica desta época numa frase do género: a estranha leveza do ser. Afinal é mesmo essa a ideia que perpassa. Apostou-se na criatividade e na habilidade descurando a vertente física que fez do campeão nacional um grupo ao qual não era fácil marcar golos. Geralmente os campeões – ainda por cima campeões como foi o Benfica, apresentando frequentemente um estilo empolgante – fazem os possíveis para não abalarem demasiado a estrutura que os conduziu ao título. É um facto que as críticas em relação ao curto plantel que a última época coroou como campeão nacional foram quase constantes. Mas, se calhar, mexer tanto numa equipa que se habituou a ganhar (e bem!) pode vir a trazer amargos de boca. Algo de muito desagradável na Veneza Portuguesa conhecida pela doçura dos seus ovos moles. Sim, não é com ovos moles que se fazem omeletas…