JMJ. “O Papa Francisco parece ter um grande guarda-chuva e abarcar toda a gente”

De Gemito a Volodymyr, o i falou com peregrinos e voluntários e um padre  provenientes dos mais variados pontos do globo. E todos, sem exceção, agradeceram por viver a experiência da JMJ 2023, apesar de Anne Maria partilhar os desafios que a sua saúde mental lhe impõe.

“É a minha primeira Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Sempre quis vir a uma e quero ir a mais. Portugal é muito bonito por causa da cultura, falamos a mesma língua, ficamos em nossa casa! Podemos aprender mais sobre Portugal, adquirir coisas e fico muito feliz porque tenho a oportunidade de fazer muitos amigos e conhecer jovens de todas as nações. Chegámos no dia 20 de julho, fomos para Fátima, ficámos lá durante três noites, fomos a Rebordosa, no Porto, fizemos os nossos ‘Dias na Diocese’ lá. No dia 31, viemos para baixo e aqui estamos”, começa por dizer Gemito de Jesus, de 37 anos, natural de Timor-Leste, banhado pela luz dos grandes candeeiros existentes no Parque Tejo. “Quem me dera ficar mais tempo e que o espírito de união e de amizade, e a fraternidade espiritual, se prolongassem! A JMJ abre os meus olhos e o meu coração: somos católicos e precisamos de nos amar, respeitar-nos mutuamente porque somos um por causa de Cristo”. 

Pablo e José, de 15 e 23 anos, naturais de Toledo, em Espanha, a prepararem-se para dormir, a alguns metros de distância, no sábado à noite, partilham: “Felizmente, há ecrãs gigantes porque estamos muito longe do palco. Os discursos do Papa são diretos, claros e emocionam-nos. É a nossa primeira JMJ, mas esperemos que não seja a última!”, exclamam, indo ao encontro da perspetiva de Samuele, de 24 anos, que veio com os amigos de Corridonia, em Itália. “Lisboa é muito bonita e estamos a adorar a JMJ! Está a ser uma experiência muito positiva: encontrar tanta gente jovem que acredita em algo. Isso não é muito fácil nos dias de hoje. Para além disso, o sorriso é a melhor arma e quando partilhas o sorriso com alguém que não conheces… tudo fica melhor!”.

Percorremos mais longos metros no recém-batizado Campo da Graça e chegámos até Alexa e Raphaelle, de 21 e 20 anos, respetivamente, que vieram de Brittany, Avène, envergando a bandeira de França, para serem voluntárias. “É um grande momento para conhecer pessoas. Viemos aqui para ser voluntárias. O Papa está a transmitir-nos enormes mensagens de paz e sabedoria. Mal podemos esperar por estar com o Papa daqui a umas horas no Passeio Marítimo de Algés”, diziam, não imaginando que estavam alinhadas com María Daniela, de 26 anos, da Colômbia. “Fomos a Fátima e viemos para aqui. Em todos os dias desta Jornada, o Senhor surpreendeu-me muito. O Papa transmite palavras que me alegram muito. Não espero nada especificamente do último dia, porque espero que seja tudo uma surpresa, mas sei que será espectacular. Recebam sempre o Papa com o coração aberto!”, pediu, sendo que destaca citações do Papa como aquelas que haviam sido proferidas horas antes na vigília de sábado.

O Papa Francisco disse, este sábado, na sua intervenção na vigília da JMJ, no Parque Tejo, que só há uma situação em que se pode olhar de cima para baixo: se for para ajudar alguém a levantar-se. O Santo Padre sublinhou, perante uma audiência de um milhão e meio de pessoas, que o importante “não é não cair, mas sim não permanecer caído”. Pede insistentemente aos jovens que procurem a alegria na sua vida e que a partilhem com os outros. “A alegria é missionária. Não é só para mim, é para levar aos outros”, afirmou. Francisco convidou os peregrinos a olharem para trás e a recordarem todos aqueles que foram, em dados momentos das suas vidas, “um raio de luz”: pais, avós, catequistas, religiosos, amigos ou professores.

“Eles são as raízes da alegria”, que não “está fechada na biblioteca” nem deve ser “guardada à chave, tem de se procurar, de se descobrir” e de levar aos outros. E que o diga Owen, de 18 anos, de Toronto, no Canadá, que não poderia estar mais de acordo com o Papa. “É a minha primeira vez em Portugal! É tão bonito. Toda a gente é tão simpática e acolhedora. E adoro a arquitetura! Venho do Canadá, há uma mistura de pessoas, e aqui há uma cultura própria. Tenho imensos amigos portugueses e avisaram-me que estaria imenso calor! Acho que a JMJ está a exceder as minhas expectativas. Está a ser uma experiência incrível. Andas por aqui e vês todas estas bandeiras… Estamos a falar de 1 milhão e 500 mil pessoas juntas!”, evidenciou.

“É tão bom! Espero que amanhã haja música, pessoas a dançar e a cantar, o Papa a motivar os jovens como sempre… Que domingo seja o clímax desta semana! O Papa Francisco parece ter um grande guarda-chuva e abarcar toda a gente: é isso que me deixa feliz. Há uma diferença entre dizer que se é católico e realmente sê-lo. Por isso, neste momento, sinto que somos, efetivamente, católicos. E isso deixa-me orgulhoso”, realçou, sendo que, do outro lado do gradeamento, falando com o grupo de canadianos, estava Anne Maria, de 24 anos, da República Checa, que esteve na JMJ de Cracóvia, em 2016, e não guarda memórias positivas da mesma. “Não correu bem. Por isso, estava preocupada com esta edição e não me queria inscrever. No entanto, está a ser melhor do que julgava! Estar no meio de tantas pessoas é muito difícil para mim, mas estou a tentar dar o meu melhor. Ainda hoje tive uma crise de ansiedade e ofereceram-me lenços de papel, gelados e água fresca. Alguns peregrinos deram-me tudo aquilo de que precisava para me sentir melhor e ficaram comigo. Espero que amanhã seja um bom dia!”, narrava, enquanto Owen lhe perguntava se queria que lhe lavasse os pés.

“Sou católica desde pequenina, cresci rodeada de padres e madres e pensei em seguir a vida sagrada. A JMJ, para mim, é uma grande festa. Estamos todos felizes, a viver uma experiência única. O Papa é um homem de Deus, cheio de fé e esperança, que nos transmite tantas coisas boas! Dá-nos coragem para sermos mais jovens e melhores. Espero que saiamos todos daqui mais evangelizados, mais alegres e prontos para viver a vida. Fico muito contente por ver que as questões de saúde mental não estão a ser esquecidas pela Igreja, porque sou psicóloga clínica e preocupo-me muito com os jovens nesse aspecto”, afirmava Ana, de 33 anos, de Angola, sendo importante lembrar que questionando sobre o que se levará destes dias da Jornada Mundial da Juventude, Francisco ‘lança’ três palavras:  “Resplandecer, ouvir e não temer”.

“Amigos, também nós precisamos de alguns lampejos de luz para enfrentar a escuridão da noite, os desafios da vida, os medos que nos inquietam, a escuridão que muitas vezes vemos ao nosso redor. O Evangelho revela-nos que esta luz tem um nome. Sim. Esta luz, que veio iluminar o mundo, é Jesus. Ele é a luz que nunca se põe e brilha mesmo durante a noite”, afirmou, acrescentando que para enfrentar “tantos horrores”, é preciso “luz”, ao mesmo tempo que a “Igreja e o mundo” esperam que os jovens sejam “luminosos”, longe dos “holofotes” e da “imagem perfeita”. “Com a luz de Jesus, isto é possível! Vós, jovens, podeis amar assim e derrubar certos muros, certos preconceitos, levando ao mundo a luz do amor que salva. Que possais resplandecer sempre deste amor, resplandecer de Jesus, ‘luz do mundo’”, sublinhou o Papa Francisco. 

“Resplandecemos quando, acolhendo Jesus, aprendemos a amar como Ele, porque esta é a verdadeira beleza que resplandece: uma vida que arrisca por amor. Um filósofo escreveu que a beleza da mensagem revolucionária de Cristo consiste em ‘encontrar amável mesmo o objeto não amável’, ou seja, amar o próximo como é: não apenas quando está em sintonia connosco, mas também quando nos é antipático e apresenta aspetos de que não gostamos”, disse ainda.

Abusos não abalam fé “Viemos na terça-feira. Somos dos escoteiros e gostamos destas coisas! Mesmo com todos os problemas que existem em redor da Igreja, a nossa fé mantém-se. São coisas que não deviam acontecer, mas não as conseguimos evitar. Ficámos relutantes quando os casos de abusos sexuais vieram a público e ficámos preocupadas com os cartazes, mas não deixamos de ser católicas. Na JMJ fortificamos a nossa fé, conhecemos pessoas de todo o mundo, crescemos pessoalmente… É fantástico!”, dizem Maria e Mariana, jovens de 17 anos oriundas do Porto que se referem ao facto de que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, recebeu um total de 564 testemunhos relacionados com casos de abusos sexuais que ocorreram no período entre 1950 e 2022, sendo que 512 desses testemunhos foram considerados autênticos e válidos. Com base nessas amostras, a Comissão utilizou técnicas de extrapolação para projetar o número mínimo de vítimas de abuso sexual, chegando a uma estimativa de cerca de 4.815 vítimas no total. 

Chama a atenção o facto de que em 52% dos casos as vítimas só revelaram o abuso em média 10 anos após o ocorrido. Além disso, em 43% dos casos a denúncia só aconteceu quando as vítimas entraram em contacto com a Comissão. Isso indica a existência de um grande número de casos que permaneceram ocultos ou não foram denunciados anteriormente. Outro dado alarmante é que em 77% dos casos as vítimas nunca apresentaram queixa à Igreja, o que sugere que muitos abusos foram mantidos em sigilo ou não foram tratados de forma apropriada pelas instituições religiosas. Apenas em 4% dos casos houve uma queixa judicial formal.

Daí o surgimento do grupo ‘This Is Our Memorial’, composto por cidadãos que decidiram fazer um crowdfunding, nas redes sociais, para afixar três cartazes –  em Algés, na Alameda D. Afonso Henriques e em Loures – que relembram as conclusões do relatório sobre os abusos sexuais de crianças na Igreja Católica. O movimento ‘This Is Our Memorial’ expressou a sua intenção de continuar a apoiar as vítimas de abusos, seja diretamente ou indiretamente. Apesar de não ter planos imediatos para mais ações, não descarta a possibilidade das mesmas. Isso foi dito em resposta a um episódio em que o cartaz afixado em Algés foi removido sem aviso prévio, levando a protestos. O movimento elogiou a Câmara Municipal de Oeiras por abrir um diálogo e concordar em reinstalar o cartaz, parte de uma campanha apoiada por mais de 300 pessoas. O grupo criou a campanha de crowdfunding para financiar o cartaz, que inicialmente tinha como objetivo relembrar as conclusões de um relatório sobre abusos sexuais na Igreja Católica. A Câmara Municipal concordou em fornecer suporte físico para o cartaz após a remoção inicial. Eles comunicaram a sua satisfação com o resultado do diálogo com a autarquia e esperam que o foco retorne à solidariedade com as vítimas de abuso.

O vice-presidente da Câmara de Oeiras, Francisco Rocha Gonçalves, destacou que a mensagem do cartaz é nobre e importante, mas a remoção ocorreu devido a problemas de comunicação entre os promotores e a autarquia. O autarca mencionou que não houve um pedido formal para a colocação do cartaz e que a decisão de removê-lo foi tomada após confirmar a falta de contacto com a Câmara. Rocha Gonçalves explicou que o problema não é o conteúdo do cartaz, mas sim a estrutura ilegal em que foi colocado, declarando que a empresa responsável pela instalação do cartaz não tinha licença e que a remoção visava evitar danos à estrutura não autorizada. O vice-presidente enfatizou o respeito pela liberdade de expressão, mas ressaltou a importância de que a mensagem não seja comprometida por ações ilegais. Já o presidente da Câmara, Isaltino Morais, lamentou o incidente, descrevendo-o como prejudicial para uma causa legítima em defesa das vítimas de abuso sexual.

Alheios a este tema estavam Melki, Dinidu e Nirosh, entre os 25 e os 27 anos, do Sri Lanka, dizendo: “Este país é maravilhoso e estamos a adorar! Esforçaram-se tanto para organizar esta JMJ, ficamos emocionados por ver esta união de forças e vontade. A Jornada é mesmo isto: um momento enorme onde conhecemos outros jovens, somos felizes, partilhamos a nossa fé!”. Por outro lado, Liam e Renee, de 24 e 31 anos, respetivamente, da Austrália, deixam claro: “Está a ser desconfortável de uma forma muito boa! Temos de experienciar coisas desconfortáveis na vida para crescer. E, neste caso, crescemos e celebramos juntos! Quanto aos abusos sexuais no seio da Igreja Católica, achamos que esse assunto está a ser devidamente tratado e que devemos pensar nas coisas positivas com que a Igreja contribui para o mundo”.

Na sexta-feira, antes da Via Sacra, o i teve também a oportunidade de conversar com um padre e peregrinos brasileiros, no Parque Eduardo VII, acerca desta temática. “É um problema muito grave que tem de ser devidamente resolvido. No Brasil, também houve denúncias e escândalos envolvendo abusos sexuais cometidos por membros da Igreja Católica. Esses casos geraram indignação e preocupação dentro da sociedade brasileira. Alguns casos ganharam ampla cobertura mediática e levaram a discussões sobre a necessidade de responsabilização e transparência por parte da Igreja”, declarou Reini, missionário claretiano em São Paulo. Já duas peregrinas portuguesas, entre os 24 e 25 anos, Inês, Cecília e Margarida, esclareceram: “Há muitas coisas erradas, mas não percam a esperança na Igreja! Somos jovens e cabe-nos a nós mudar aquilo que não está bem”, frisaram.

De volta ao Parque Tejo, no sábado, a temperatura começava a descer – ainda se ouvia música, ainda que muito menos efusivamente do que horas antes – e Leonor, de 23 anos, a preparar-se para dormir juntamente com os voluntários que coordena, afirmava: “Desde o princípio que quis ser voluntária, quis pôr-me a este serviço. A alegria de ver o Papa e todos estes jovens juntos sobrepõe-se a tudo. Coordeno uma equipa de 10 voluntários e estive sempre no Parque Eduardo VII, agora é que vim para aqui. Acima de tudo, o maior desafio é que as pessoas entendam a nossa posição e, ao mesmo tempo, servir os peregrinos. Sendo católica e sendo o Papa a principal figura da Igreja Católica no mundo inteiro, tudo aquilo que ele nos diz será sempre bem recebido. Mais ou menos bem recebido por uns e outros. Aquilo que ele nos diz, o facto de querer que a Igreja seja para todos… É incrível! Vou reunir-me com o Papa em Algés e estou muito entusiasmada. Vai ser espectacular”. 

“Mais do que trabalho, fizeram um serviço”, viria a dizer Francisco, aos voluntários, na cerimónia de despedida. “Quem ama não fica de braços cruzados, quem ama serve, quem ama corre. E, vós, haveis corrido muito nestes meses”. “Correstes tanto, mas não numa corrida frenética e sem meta que, às vezes, caracteriza o nosso mundo. Esse tipo de corrida não leva ao encontro com os outros, podendo até tornar-se uma fuga das relações. Correstes sabendo para onde ir. O vosso amor em corrida foi um dos amplificadores mais fortes da JMJ”, reiteraria o líder da Igreja Católica no Passeio Marítimo de Algés.

Relativamente ao facto de “a Igreja ser de todos”, o i procurou e encontrou peregrinos ucranianos no Campo da Graça. Primeiro, estavam a descansar mas, assim que acordaram, ao som do set do DJ padre Guilherme Peixoto, disponibilizaram-se para conversar de forma simpática e esperançosa. “Portugal parece ser um país muito bom para mudar de vida. Queria ficar aqui para conseguir estar em paz. As palavras do Papa têm sido essenciais para me apaziguar”, garantiu Volodymyr, sendo importante referir que, no final da oração do Angelus, no Parque Tejo, o Papa Francisco disse: “Em particular, acompanhemos com o pensamento e a oração aqueles que não puderam vir por causa de conflitos e de guerras. E são tantos por esse mundo fora. Pensando neste continente, sinto grande dor pela querida Ucrânia, que continua a sofrer muito”.

Apesar da sua idade – na medida em que se considera idoso -, o Papa compartilhou o seu desejo por paz e mencionou o seu sonho de ver jovens a rezar, viver e construir um futuro pacífico. Ele pediu que através da oração do Angelus, confiemos o futuro da humanidade nas mãos de Maria, Rainha da Paz, e que continuemos a orar pela paz ao voltar para casa. O Papa reconheceu os avós como transmissores de fé e valores, enraizando as gerações futuras. Para ele, os jovens representam a esperança de um mundo unido, superando diferenças de nacionalidade, língua e história, e simbolizam a possibilidade de um mundo melhor.

A próxima edição da Jornada Mundial da Juventude, agendada para 2027, vai realizar-se em Seul, na Coreia do Sul, anunciou este domingo o Papa Francisco.